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Calculadora: Matemática de Bolso

Cada vez menores e mais capazes, as máquinas de calcular estão se transformando em verdadeiros computadores portáteis. O difícil é escolher a mais indicada em cada caso.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h37 - Publicado em 31 dez 1989, 22h00

Luiz Guilherme Duarte

Pessoal ou de mesa? Científica ou financeira? Energia solar ou bateria? Programável? Quantas funções? Todo esse bombardeio de perguntas costuma desabar sobre a cabeça do ingênuo cliente, que faz uma simples solicitação ao entrar na loja: “Gostaria de comprar uma calculadora…” Daí para a frente o comprador em potencial é geralmente submetido a um desfile de modelos de máquinas com diferenças praticamente imperceptíveis entre si, terminando muitas vezes por levar para casa apenas uma sacola de folhetos técnicos pouco inteligíveis. Não é fácil, realmente, escolher uma máquina de fazer contas da era microeletrônica. A evolução e o barateamento da tecnologia tornaram os produtos mais acessíveis, ao mesmo tempo que multiplicaram as opções de compra.

Em lojas de departamentos, magazines de cine-foto-som e até mesmo em charutarias e casas que trabalham com artigos orientais, as vitrinas estão cheias dessas maquininhas, que por eliminar as demoradas, cansativas e nem sempre confiáveis operações aritméticas manuais atraem todo tipo de consumidores, particularmente estudantes. Os alunos da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, por exemplo, já reclamavam. há dez anos, que muitas das provas a que eram submetidos exigiam uma rapidez de cálculo apenas possível para quem tivesse uma calculadora. “O sucesso das maquininhas está associado ao aumento da complexidade da economia e à necessidade de se manipular informações com a mesma rapidez com que elas mudam”, avalia o matemático paulista José Dutra Sobrinho, criador de uma série de novas aplicações práticas para calculadoras programáveis nos cursos de Matemática Financeira que oferece a profissionais de grandes empresas.

Mas, se a procura é grande, a oferta é ainda maior. A linha de produtos simples, com as quatro funções básicas (soma, subtração, multiplicação e divisão) e às vezes também porcentagem e raiz quadrada, pode ser encontrada numa ampla variedade de formas e cores. “Como a capacidade da máquina é limitada, o que interessa é agradar à sensibilidade visual do cliente”, justifica Augusto Ribeiro, vendedor de uma loja da rede Fotoptica em São Paulo, que vende mais de 5 mil calculadoras por mês. O preço, naturalmente, também conta pontos na escolha e as novas tecnologias vêm reduzindo cada vez mais os custos. O primeiro passo, no final da década de 70, foi a substituição dos visores de led (abreviatura em inglês de diodo emissor de luz) por outros de cristal líquido que, embora sejam menos fáceis de enxergar à luz natural, consomem menos energia. A tendência agora é a utilização de células solares, mais econômicas que as pilhas comuns.

A popularização das calculadoras parece indicar que, no futuro, elas se tornarão definitivamente acessórios extras em outros aparelhos eletrônicos, como relógios, gravadores, pequenos sintetizadores de som e brinquedos. Já os modelos da linha mais sofisticada, com várias funções de uso específico para certos ramos de atividade, se diferenciam por mudanças gradativas das atribuições do teclado. A capacidade de executar automaticamente uma série de funções de teclas armazenadas em seqüência na memória é uma inovação criada em 1974 que caracteriza também as calculadoras de maior potência, chamadas programáveis. É essencial ter em mente o tipo de cálculo que se pretende realizar com uma máquina de tipo especial antes de entrar numa loja.

“E depois de comprada a calculadora, por mais simples que seja o modelo, deve-se ler o manual, um hábito pouco comum entre os brasileiros”, lembra o vendedor Augusto Ribeiro.

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Assim, se o interesse for por cálculos simples em grande quantidade com impressão dos resultados, como no caso de empresas e profissionais liberais, o modelo ideal é o de mesa, com teclas grandes e alta resistência ao uso contínuo. As calculadoras de mesa apresentam, ainda, um ressalto na tecla do número 5, que facilita a colocação dos dedos pelo tato durante a digitação. Para o gerente de empresa que, em vez de cálculos repetitivos, precisa controlar itens como fluxo de caixa, investimentos, juros e valores a pagar em função do tempo, as calculadoras financeiras são naturalmente as mais adequadas.

Seus teclados geralmente dispõem do Klixon, o som de clique produzido pela tecla ao ser pressionada que informa o usuário de que foi feito o registro do número, reduzindo a possibilidade de erros. É fácil identificar uma máquina desse tipo; basta observar a primeira fileira de teclas, onde geralmente estão as suas funções específicas (n para número de pagamentos, i para taxa de juros, pv para valor presente, pmt para valor do pagamento e fv para valor futuro). A companhia americana Hewlett-Packard (HP) foi a responsável pela introdução da primeira calculadora financeira em 1973. “O modelo HP-19B (que custava em novembro último o equivalente a 147 dólares) tem todas as funções básicas de Finanças e ainda outras de Estatística, negócios e agenda, conectando-se por infravermelho, como um controle remoto, a uma impressora térmica”, descreve Rubens Stephan, gerente de marketing de calculadoras da Edisa Informática, que fabrica no Brasil as máquinas HP.

As calculadoras designadas científicas são as mais complexas, isto é, têm o maior número de funções. Os estudantes e profissionais de ciências exatas — físicos, engenheiros e matemáticos, entre outros — interessados em cálculos de trigonometria, logaritmos, conversões e estatísticas, bem como de outras modalidades, são os maiores compradores desse tipo de equipamento. E, mesmo entre esse público delimitado, há vários modelos em oferta para suprir necessidades ainda mais específicas. O modelo EL 540 (22 dólares) da Sharp, por exemplo, apresenta 24 funções matemáticas e científicas, visor para oito dígitos e bateria solar, características que podem se ajustar, por mais surpreendente que pareça, a um usuário sem grandes exigências de cálculos complicados.

Se, ao contrário, o objetivo for cálculos de matrizes integrais e derivadas, diferenciais, números complexos ou Álgebra pura, é melhor procurar uma máquina mais potente. Quando a primeira calculadora científica surgiu no mercado mundial, em 1972 — a HP-35 (o nome vem do número de teclas) com dezoito funções, ainda era um instrumento de trabalho caro (quase 400 dólares). Mas as 300 mil unidades vendidas apenas naquele ano foram suficientes para decretar o fim da era das réguas de cálculo, utilizadas soberanamente até então. Hoje a HP-28S (180 dólares), com nada menos de 1 500 funções possíveis, possui características como tela de cristal líquido com três linhas, que apresenta números complexos como são escritos no papel e capacidade de gerar gráficos, além de letras e números. Seu sistema operacional RPN (Reverse Polish Notation), o mesmo utilizado na HP-35, é um dos mais aceitos pelos cientistas. Criado em 1951 pelo matemático polonês, daí o nome, Jan Lukasiewicz (1878-1956), o sistema RPN consiste na entrada de todos os valores do cálculo antes da indicação da operação a ser realizada, ou seja, em vez de 1+1=2, indica-se 1 1 + 2, o que reduz o número de teclas a serem digitadas e evita o uso da hierarquia aritmética.

Isto quer dizer que as contas são feitas na ordem em que os valores surgem e não segundo a prioridade das cifras que estão entre chaves, depois entre colchetes e, finalmente, entre parênteses. Além disso, sua memória é espantosamente grande: 160 kbytes, ou 1,280 milhão vezes a unidade mínima de informação (bit), equiparando-se portanto a um microcomputador.

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“São 32 kbytes de memória operacional pré-programada (ROM) e 128 kbytes de memória alocável (RAM), o que supera muitos micros nacionais”, compara Stephan. Na verdade, a tecnologia do cálculo desenvolveu-se tanto a ponto de justificar a pergunta: é melhor uma calculadora grande ou um computador pequeno? Já existem no mercado muitas calculadoras apelidadas de computadores de bolso, capazes até de se comunicar com aparelhos maiores. O comportamento do mercado, porém, parece demonstrar que as pessoas não precisam de um computador no bolso. Ao contrário, a previsão dos fabricantes é de que a calculadora do futuro será altamente específica para cada ramo de atividade, contando apenas com as funções necessárias ao trabalho das diferentes especialidades técnico-científicas e financeiras.

Isso não significa, entretanto, que essas máquinas serão limitadas, pois a crescente miniaturização dos componentes eletrônicos e o aumento da capacidade de sua memória deve praticamente igualá-las aos computadores, com a vantagem do preço menor. Outra tendência marcante nos últimos tempos é a transformação de calculadoras em uma espécie de agenda eletrônica portátil. Entre outras possibilidades, estas superagendas permitem armazenar centenas de números telefônicos e compromissos diários. Ao toque de um botão, a Casio Diary, por exemplo, faz chamadas por meio de sons emitidos para o aparelho telefônico. Como os técnicos costumam dizer, o coração de um computador é uma calculadora, ou seja, a tecnologia de ambos é no fundo a mesma. Ainda assim, o consumidor brasileiro tem livre acesso às últimas novidades americanas e japonesas em matéria de máquinas de calcular, ao contrário do que acontece com os computadores pessoais. No mercado das calculadoras simples, os principais concorrentes vêm do Sudeste asiático.

As maquininhas produzidas em Taiwan, Hong Kong, Cingapura ou Coréia do Sul geralmente têm preço e qualidade inferiores às nacionais; muitas delas são literalmente descartáveis: quando a pilha acaba, joga-se fora. As fábricas instaladas no país, quase todas na Zona Franca de Manaus, importam cada vez menos peças para seus equipamentos. A barreira maior para essas empresas ainda é produzir aqui o circuito integrado (o chip com conexões), a alma da calculadora.

No mundo todo não há mais que uma dezena de fabricantes desse circuito, que pode representar até 30 por cento do custo total do produto. Para Paulo Theophilo, gerente de produtos da Sharp, é a importação que garante preços competitivos. “Existem centros de pesquisa no país que podem produzir os circuitos, mas não em escala industrial para compensar a substituição das importações. A troca do estrangeiro pelo nacional não deve ocorrer a curto prazo.”

 

 

 

Para saber mais

Computador atômico

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(SUPER número 3, ano 11)

 

 

 

 

Fazendo contas em dois tempos

A necessidade de lidar mais rapidamente com os números, que desencadeou a veloz evolução das calculadoras, não é um fenômeno restrito aos tempos atuais, em que até donas de casa vão ao supermercado munidas de calculadora. O matemático francês Blaise Pascal (1623-1662), responsável pela criação em 1642 do primeiro engenho mecânico para cálculos automáticos, foi motivado, em grande parte, pelo cansativo espetáculo que Ihe proporcionava diariamente o pai, funcionário público, ao somar listas intermináveis de cifras. A própria palavra cálculo vem de calculi, o vocábulo latino para as pedras usadas nos ábacos, antiqüíssimos instrumentos orientais de cálculo.

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Utilizados até hoje em muitos lugares, como na União Soviética, os ábacos têm uma moldura com varetas pelas quais correm contas furadas — cada vareta serve para uma notação decimal — e podem ser usados para a soma, multiplicação, divisão e extração de raízes. A história da calculadora contemporânea começa, de fato, nos anos 50, quando o desenvolvimento dos sistemas de processamento eletrônico tornou obsoletas as calculadoras mecânicas, do tipo usado até há pouco tempo pelo campeão brasileiro de rally automobilístico, Reinaldo Varela. Nesse tipo de competição, o que interessa não é ser o mais veloz e sim percorrer determinado trajeto em certo período de tempo. Para isso, o co-piloto ou navegador deve calcular constantemente a velocidade correta.

“Com o carro em movimento, seu teclado grande e firme era mais seguro para o navegador calcular o desempenho na prova”, justifica ele. Precursoras dos computadores, as calculadoras eletrônicas lançaram as bases da lógica de funcionamento de todos os aparelhos eletrônicos atuais. Trata-se de uma tecnologia com pouco mais de 40 anos de idade. A primeira máquina de calcular eletrônica. o Mark I criada no ano de 1944 pelo engenheiro americano Howard Aiken (1900-1973), tinha o tamanho de uma casa, 800 quilômetros de fios, 18 mil válvulas e pesava 35 toneladas. Tudo isso apenas para fazer as quatro operações.

Apesar disso, a máquina de Aiken continha os mesmos princípios de funcionamento dos equipamentos modernos. Suas grandes, quentes e frágeis válvulas de vidro, espécie de interruptores eletrônicos, controlavam a passagem de corrente elétrica, assim como os transístores viriam a fazer a partir de 1947. Menores e mais baratos, os transístores venceram a disputa por gerar menos calor, consumir menos eletricidade e não se quebrar facilmente, já que feitos de silício. Ao estabelecer dois estados físicos — ligado ou desligado, 1 ou 0 —, as válvulas e os transístores adaptaram-se à lógica da Álgebra Binária, criada pelo matemático inglês George Boole (1815-1864).

Com apenas dois bits (ou dois estados), as máquinas que utilizam seu sistema podem realizar todas as operações de cálculo. Para as calculadoras chegarem ao bolso das pessoas, entretanto, os fabricantes tiveram ainda que reduzir o tamanho dos transístores, utilizados aos milhares para um simples cálculo. Criados em 1958, os chips conseguiram essa proeza. Hoje um tipo de “pulga”, como dizem os técnicos, com até 300 mil transístores confinados em cerca de 25 milímetros quadrados, os chips já diminuíram dez vezes de tamanho e multiplicaram por 1 milhão a sua capacidade de definir os estados físicos.

 

 

 

 

A polêmica do lápis

“Quanto é nove vezes dois?”, pergunta o professor. “Sete”, responde o aluno após digitar errado os números em sua calculadora. Esse é um exemplo da confiança cega das pessoas nas máquinas, quando não têm noção de ordem de grandeza dos números. As crianças deveriam evitar as máquinas para não se tornarem adultos com deficiências no raciocínio matemático mais simples”, alerta Valdemar Setzer, professor do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo. Um dos pioneiros de ensino e pesquisa em Informática no Brasil, ele tornou-se uma figura polêmica no meio acadêmico pelas suas restrições quase radicais ao uso de computadores e calculadoras antes da hora.

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Setzer considera o último ano do segundo grau escolar como o mais cedo possível para substituir o papel e o lápis pela calculadora.

Até lá, defende a memorização da tabuada e a ordenação das contas no papel como práticas necessárias ao desenvolvimento mental da pessoa. Já o introdutor do conceito de Matemática Moderna no Brasil, o professor Osvaldo Sangiorgi, prefere dar boas-vindas às novas tecnologias. Autor de uma série de livros para o primeiro grau, ele também acredita nas virtudes da memorização da tabuada, mas prefere as calculadoras para contas mais complexas. “O homem deve saber ler, escrever e conhecer a grandeza dos números para não ficar incapaz quando acabar a luz ou faltar pilha, mas não deve negar o valor de um computador, que também é uma máquina de calcular”, ressalva.

Para ele, a existência de calculadoras não significa que as pessoas deixarão de fazer contas, assim como os carros não fizeram as pessoas deixar de utilizar as pernas.

 

 

 

 

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