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Confissões do funcionário 59

Ele foi contratado quando o Google era um pequeno negócio na Califórnia. Ao sair de lá, a empresa já tinha mudado o mundo. Conheça os bastidores da criação de um gigante.

Por Tiago Cordeiro
Atualizado em 31 out 2016, 18h48 - Publicado em 25 set 2011, 22h00

 

De patins, short e camiseta, Sergey Brin chegou suado para entrevistar o jornalista Douglas Edwards, candidato a uma vaga no departamento de marketing em formação. Era novembro de 1999. Para quem estava acostumado à formalidade das corporações, aquilo era bem estranho. Aos 41 anos, ele seria entrevistado por um nerd de 26 nascido em Moscou, sócio da empresa de buscas na internet fundada 1 ano antes. Sergey fez várias perguntas e avisou: “Vou sair da sala por 5 minutos. Quando eu voltar, quero que você me explique algo novo e complicado”. Ouviu um resumo sobre teoria de marketing. Edwards descobriu mais tarde que Sergey sempre pedia o mesmo aos candidatos – era um jeito de garantir que tais entrevistas não fossem uma total perda de tempo. De qualquer forma, o jornalista emplacou: tornou-se o 59º funcionário do Google. Quando ele saiu da empresa, em 2005, ela já era a principal referência de qualquer usuário da web. Edwards dá a sua versão do “caos criativo” que transformou a internet em I’m Feelling Lucky – The Confessions of Google Employee Number 59 (sem edição no Brasil).

Massagem e tortas
Um chef (Charles Ayers, ex-cozinheiro da banda Grateful Dead) e duas massagistas foram contratados na mesma época que Edwards. A rotina dos funcionários incluía comida farta, boa e grátis (sem falar nas barras de cereais, M&Ms e outras guloseimas disponíveis a qualquer hora), alívio para as dores musculares (as salas tinham bolas de ginástica para quem quisesse alongar), pausas para o videogame, pingue-pongue ou jogo de hóquei, além de uma viagem por ano com tudo pago. Não era raro encontrar um funcionário descalço pelos corredores ou Yoshka, o cachorro do vice-presidente de operações, Urs Höezle. As regalias contrastavam com a bagunça dos escritórios. As mesas eram portas apoiadas em cavaletes com máquinas e engenheiros amontoados. O neurocirurgião Jim Reese, que seria gerente de operações, foi recebido em seu primeiro dia de trabalho com uma pilha de peças e a ordem de Larry page, o sócio americano de Sergey: “pode montar seu computador”. Na central de servidores, o “exodus” (a “gaiola” do Google em um galpão onde várias outras empresas alugavam espaço), os cabos dos terminais pareciam cobras caindo do teto. Para aproveitar espaço, não havia entrada para placas de vídeo e pelo menos 4 placas-mãe eram agrupadas em cada bandeja dos racks de quase 2,5 m de altura. Em caso de defeito, era difícil identificar a origem do problema. Para garantir que todas as máquinas estivessem funcionando, Larry tinha mandado tirar os botões off. “Nenhuma empresa tinha servidores tão bagunçados quanto o Google. Ninguém entendia direito como eles não saíam do ar o tempo todo”, escreveu Edwards. A lógica da empresa era economizar sempre. Nos servidores ou no táxi numa viagem de negócios a Milão. Os sócios preferiam investir no conforto dos funcionários a gastar com marketing. E o novo gerente descobriu o que era realmente usar criatividade e ousadia no trabalho.
 

Mentira útil
Como transformar um site iniciante em uma marca conhecida sem gastar muito? Abusando de campanhas virais e bem-humoradas, como o trote de 1º de Abril. No Dia da Mentira de 2000, a empresa lançou o Mentalplex, um software fake que “lia a mente” do usuário para fazer a pesquisa. O resultado trazia mensagens de erro do tipo: “pedido obscuro, tente de novo depois de remover óculos, chapéus e sapatos”. Em alguns casos, eram “capturados” pensamentos em língua estrangeira e surgiam resultados em alemão, tailandês ou português. Mas os internautas não gostaram de encontrar idiomas diferentes. Sob protesto dos engenheiros, Edwards convenceu sergey a tirar essa parte da piada. Mas a brincadeira pegou, e o 1º de Abril virou um clássico do Google. O gerente de marketing muitas vezes se envolveu em disputas sobre como fazer seu trabalho. Do jeito previsto nos manuais ou do “jeito Google”. Quando Sergey, por exemplo, teve a ideia de transformar os Google doodles, os desenhos que brincam com a logomarca, numa espécie de cartoon diário, Edwards ficou apavorado. Achava que a marca seria descaracterizada e enfraquecida. De novo estava errado. Os usuários adoraram. Fugir das soluções previsíveis, ele admite, revelou-se um dos segredos do sucesso do Google. Inclusive internamente. Quando a empresa começou a melhorar o filtro contra pornografia, por exemplo, um funcionário criou gifs sensuais e espalhou pela web. Ele pediu que os colegas o ajudassem a procurar pelos vídeos, testando o filtro, mas ninguém se empenhou. Ao reclamar com a mulher, ela deu a ideia: ia assar cookies para que ele premiasse quem achasse os gifs. Foi um sucesso: a gincana virou febre entre os funcionários.

 

 

Se a ordem é absurda, não obedeça

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O engenheiro Paul Bucheit (que depois ficaria famoso por criar o Gmail) estava preocupado: Larry havia pedido a ele que solucionasse um problema técnico de um jeito que não fazia o menor sentido. Foi consultar o então vice-presidente sênior de operações, Urs Hölzle, e ouviu a dica: “Larry tem muitas ideias. Você deveria continuar fazendo do seu jeito”. Bucheit aprendeu: no Google, se a ordem dos patrões é bizarra demais, é melhor ignorá-la. Para Edwards, o episódio reflete a falta de hierarquia na empresa. O resultado era uma rotina caótica e cargas horárias desumanas. Muitas decisões cruciais eram tomadas depois da meia-noite, mesmo que nem todos os envolvidos estivessem presentes. Mas como deu tão certo? Segundo o gerente, a fórmula do Google era contratar pessoas brilhantes e inseguras. Pressionadas até o limite, elas sempre achavam que a falta de critérios claros seria, na verdade, um problema de desempenho pessoal. E dá-lhe mais trabalho.

Dilemas

Foi Edwards quem escreveu os princípios do Google com afirmações como “você pode ganhar dinheiro sem fazer o mal”. A frase (do original Don’t Be Evil) surgiu no início de 2000, quando Paul Bucheit reclamava com os colegas sobre a Realnames, empresa que vendia um mecanismo para garantir que seus clientes estivessem no topo dos resultados dos sites de busca. Eles eram pagos para destacar esses links, inclusive o Google, que debatia como deixar claro que aquilo não era fruto de seus serviços nem era um anúncio vendido por ele. O sistema foi banido, mas a mistura de dados e anúncios ainda daria dor de cabeça. O Google decidiu criar sua própria versão de publicidade na web, testada com a Amazon. Cada vez que um internauta chegasse ao link do produto pelo Google, este tinha uma comissão. Funcionou, mas era hora de ganhar mais dinheiro. Os anúncios começariam a aparecer na página inicial como caixas de texto no alto, à direita. Medidos, os cliques definiam a remuneração. Nos testes, um usuário reclamou que não estava clara a distinção entre anúncio e informação e citou um dilema ético. Mas o modelo vingou. Além disso, a companhia enfrentou acusações de invasão de privacidade ao lançar o Gmail, que tem uma barra de notícias e anúncios relacionados aos interesses do usuário. Como assim, a empresa lê seus e-mails? Ela jura que não. É tudo automático.

 

 

 

“Quando estivemos errados?”
Em 2002, o funcionário 59 teve uma rara oportunidade de conversar sozinho com Larry. “Percebi que, na maioria das vezes em que discordamos, eram vocês quem estavam certos. Sinto que estou aprendendo muito e agradeço esta oportunidade.” Larry retrucou: “Mas quando estivemos errados?” Parece arrogância, mas a resposta tinha outro sentido. Assim como Sergey aproveitava as entrevistas de candidatos para aprender, seu sócio levava a sério o que parecia um elogio inócuo. Ele realmente queria saber onde errou, e por que, para usar a informação no futuro. Para Edwards, Larry era o visionário tímido e direto e Sergey o operador bem-humorado.

Adeus e sorte
Uma série de mudanças internas levou Edwards a perder espaço. Ele negociou sua saída da empresa em 2005. Exerceu o poder de compra sobre as ações que eram parte de seus benefícios quando foi contratado. Pagou 20 centavos de dólar por cada uma. Elas agora não valem menos de 600 dólares. Douglas Edwards nunca mais trabalhou. Tem mais é de se sentir com sorte mesmo.

Para saber mais
The Confessions of Google Employee Number 59
Douglas Edwards, Houghton Mifflin
Harcourt, 2011.

 

 

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