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iCar: por dentro do carro da Apple

Por Ulisses Cavalcante
Atualizado em 8 mar 2024, 15h30 - Publicado em 15 dez 2015, 18h00

Os rumores de que a Apple estaria desenvolvendo um carro são bem sérios. O Wall Street Journal deu no começo do ano que executivos da empresa, inclusive o designer-estrela Jonathan Ive, criador do iPhone, já tinham começado a recrutar engenheiros, técnicos e especialistas da indústria automobilística. O jornal americano e outras fontes disseram que pelo menos mil profissionais debandaram de seus escritórios em montadoras como Ford e Tesla Motors para ocupar algum posto no galpão misterioso que a Apple montou nos arredores de sua sede – galpão que abrigaria a equipe encarregada de projetar um carro com uma maçã incrustada no capô. Alguns desses profissionais nem guardam segredo sobre a transferência, como o renomado Johann Jungwirth, ex-vice-presidente de pesquisa e desenvolvimento da Mercedes-Benz.

Ao seduzir gente ultraespecializada do mundo dos carros a morder a maçã, a Apple já causou muita dor de cabeça por aí. Um dos problemas foi o processo movido pela A123, uma fabricante de baterias para carros elétricos. Dois Ph.Ds da A123, os cientistas Dapeng Wang e Indrajeet Thorat, trocaram seus empregos por um crachá e um contracheque emitidos por Tim Cook. A empresa que ficou na mão não conseguiu encontrar substitutos para tocar os projetos e foi levada a encerrar as pesquisas. Além disso, a dupla tinha um “contrato de fidelidade”, impedindo-os de trabalhar em rivais do mesmo setor. Mas, ora, desde quando a Apple atua no setor automotivo, foco da A123?
 

Pois é. A ideia de produzir um veículo já circula há pelo menos 15 anos nos corredores da Apple. Steve Jobs mesmo nunca escondeu esse sonho. Ele próprio era fã de carros, especialmente os da Mercedes.

Os advogados de Jobs, aliás, foram os primeiros funcionários da Apple a começar a trabalhar no assunto. Desde 2003 o departamento jurídico da empresa vem expandindo a abrangência das marcas da companhia para o setor automobilístico. E a graduação dos profissionais automotivos que estão se mudando para a Califórnia sugere que a ideia não é só dar uma turbinada no CarPlay, o software que permite o uso do iPhone direto no “multimídia”, a telinha que enfeita o painel dos carros mais recentes.

Mas, embora possa fazer sentido a Apple querer produzir um carro, a probabilidade de ela realmente sair para enfrentar grandes grupos automotivos é baixa. Mais plausível seria a ambição de se tornar um dos principais fornecedores de várias empresas. Isso seria, inclusive, mais lucrativo do que suar a camisa para vender automóveis. No ano passado, a Ford obteve 2,9% de margem de lucro por carro vendido, enquanto a fatia da Apple fica na casa dos 30%. Trocar uma margem pela outra seria transformar ouro em chumbo

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Mas não falta quem tente transformar ouro em platina, reinventando a indústria do automóvel. O Google faz pesquisas com carros que andam sozinhos há quase uma década. E a Tesla já rivaliza com Apple e Google no papel de empresa mais inovadora do mundo. A companhia de Elon Musk conseguiu tornar um carro elétrico, o Model S, um dos mais desejados do mundo. Na Noruega, ele é nada menos que o carro mais vendido do país, logo à frente do Volkswagen Golf.

A Tesla, aliás, mostrou que não é tão impossível assim bater os Golias da indústria automobilística (GM, Ford, Toyota, Volkswagen…). Esses mastodontes construíram por gerações o hábito de inovar a passos apenas graduais, sem grandes revoluções no meio do caminho. Ao romper com essa tradição slow motion e construir um carro elétrico com mais do que o dobro da autonomia da concorrência (470 quilômetros com uma carga completa) a Tesla mostrou que, sim, dá para sacudir uma indústria centenária.

E essa de chacoalhar mercados velhos é a especialidade da Apple. Quando o produto mais sofisticado da empresa era o iPod, há dez anos, não faltavam boatos sobre um futuro celular com a maçã estampada entre a tela e o teclado. Os mais conservadores, para variar, achavam que não, sem chance. O mercado de telefonia seria muita areia para o caminhãozinho de Steve Jobs. Negociar com centenas de operadoras, uma mais jurássica que a outra, seria coisa só para gente grande: Motorola, Nokia… Aí a realidade chegou e deu no que deu: a Apple inventou o celular sem teclado, aniquilou a concorrência e virou a empresa mais valiosa do mundo – já está em quase US$ 1 trilhão (dez Ambevs, ou 15 Petrobras, a preços de maio). Além disso, eles têm US$ 194 bilhões em caixa. Dinheiro vivo mesmo, que ela pode usar hoje se quiser. E se resolvesse usar, poderia comprar a GM (US$ 57 bi), a Ford (US$ 62 bi) e a Tesla (US$ 30 bi). Tudo à vista, e ainda sobraria US$ 45 bilhões para ir tocando a vida. Só para dar uma ideia: a própria Tesla precisou de meros US$ 500 milhões para sair do papel. Até os bichos de estimação de Tim Cook estão acostumados com cifras maiores.

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O fim da baliza

A ideia de que a Apple está projetando um carro, então, não tem nada de absurda. Mas qualquer afirmação sobre o suposto iCar é tão especulativa quanto o carro do anúncio falso que abriu esta matéria – a propaganda de um carro com rodas esféricas. A ideia foi tentar mostrar alguma inovação que tornaria todos os outros carros do mundo obsoletos do dia para a noite, como a Apple fez com os celulares. Um carro com rodas esféricas, capaz de estacionar de lado, cumpre bem esse papel, além de permitir um slogan constrangedoramente fácil de imaginar.

O fim da baliza, porém, talvez seja algo mais utópico que o fim dos teclados. Até existem projetos de carros assim nos estúdios de design das montadoras, mas fazer um veículo desses, com esferográficas no lugar das rodas, exigiria toda uma nova indústria de pneus, freios, suspensão… Talvez seja muita areia até para uma empresa trilionária. O que dá para saber mesmo é que uma Apple Motors teria outro desafio: tornar os carros elétricos viáveis. Elétricos porque todos os especuladores da indústria apostam que o que o projeto secreto é o de um carro elétrico – tanto que, entre os novos contratados da Apple, estão ex-engenheiros da Tesla. Além disso, o mercado dos carros elétricos ainda é quase tão virgem quanto era o de tablets antes do iPad: a frota mundial movida a elétrons ainda é pífia, de 400 mil veículos – só uma ilhota energizada num oceano de 88 milhões de carros convencionais.

Para dar um choque nas gigantes, a Apple precisaria contornar a baixa autonomia desses carros. O Nissan Leaf, elétrico mais vendido no mundo, é capaz de rodar no máximo 130 km com uma carga completa. E a concorrência não vai além, com exceção do Model S e seus 470 km. O problema é que o carro da Tesla custa US$ 77 mil. Com essa grana, nos EUA, dá para levar para casa dois Range Rovers Evoque (ou três Nissans Leaf). Aí só dá para vender bem na Noruega mesmo. Outro sinal de que a nova corrida do ouro é a corrida tecnológica por baterias mais eficientes foi uma movimentação da Samsung. Recentemente a coreana adquiriu a divisão de baterias da Magna International, uma das maiores fabricantes mundiais do equipamento. Não por coincidência, é a principal fornecedora da Tesla.

Por trás dessa aquisição está uma preocupação com o futuro próximo. Hoje, os carros utilizam baterias de íons de lítio, cujo avanço tecnológico deve atingir seu pico em 2020, por conta de uma limitação química das substâncias utilizadas. Quem descobrir primeiro uma alternativa viável e eficiente aos íons de lítio, então, terá encontrado a Pedra Filosofal – aquela que, nos delírios dos alquimistas, transformava chumbo em ouro.

O Leaf, por exemplo, precisa de pelo menos oito horas de sono em uma tomada 220V para recarregar suas baterias. Quem reduzir esse tempo para 15 minutos ou menos convenceria a população mundial a trocar a combustão pela eletricidade. Afinal, um tanque cheio de gasolina custa caro: facilmente atinge R$ 150. Uma carga completa de bateria custa menos de R$ 10. Isso sem falar na parte ambiental.

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Em maio, a Tesla Energy, uma das divisões do grupo de Elon Musk, apresentou um sistema de baterias residenciais que pode armazenar energia de painéis solares. Batizado de Powerwall, a tecnologia permite que o dono de um Tesla carregue as baterias à noite usando pura energia solar estocada de dia. Custa uma bica: US$ 3.500 pela bateria, mais outros tantos em painéis solares, instalação… Para o bolso não vale a pena. É mais barato continuar plugado no grid de eletricidade, usando energia suja produzida em grande parte por termelétricas. Mesmo assim, só a possibilidade de ter um “carro solar” já é sedutora o bastante. E faz da Tesla a grande estrela do momento no universo da tecnologia. Mas esse é um título que a Apple está acostumada a roubar da concorrência.

Maçã Motors

A Apple estaria desenvolvendo um carro elétrico. Com base no histórico da empresa, na sua tradição de mudar a lógica das indústrias em que entra e no que é possível deduzir a partir de fatos, imaginamos nove itens que esse carro teria. Veja.

1. TUDO SE COPIA

Carro com iPad gigante no painel, que nem este aqui, já existe. É o Tesla S. Waze no parabrisa também não é novidade – a Navdy, fabricante de GPS, já vende um assim por US$ 299. Como a Apple não apenas cria, mas copia, taí dois acessórios que têm tudo para equipar um iCar.

2. RODAS ESFÉRICAS

O equivalente ao que foi o celular sem teclado em 2007 seria um carro com rodas esféricas, capaz de estacionar de lado. A tecnologia existe, e está em carros-conceito, como o Peugeot Q – o problema é que nem existe uma indústria de pneus esféricos.

3. CÂMBIO? NÃO: JOYSTICK

Todo projeto de carro metido a futurista tem joystick. Mas no nosso iCar ele é útil de verdade: como é que você iria estacionar o carrinho de lado usando o volante, afinal?

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4. MERCEDES DA BRAUN

A frente é inspirada num carro-conceito da Mercedes, o BIOME, e a traseira, nos Porsche. Eram as montadoras favoritas de Steve Jobs. As linhas curvas vêm dos projetos de Dieter Rans, criador dos eletrodomésticos da Braun e guru de Jony Ive, chefe de design da Apple.

5. UM CARRO AUTÔNOMO, SÓ QUE NÃO

Carro do futuro bom é carro que se dirige sozinho. Mas calma. Já reportaram seis acidentes com carros autônomos do Google em vias públicas. Imaginar carros assim à venda num futuro vislumbrável, então, é exagero. Mas sensores anticolisão, que freiam o carro, já são carne de vaca.

6. BATERIAS DE GRAFENO

A Apple deve apostar em baterias de lítio, como a Tesla. Mas o lítio é ineficiente. Esperamos que um iCar 6S da vida tenha bateria de grafeno, um material recém-desenvolvido, que armazena mais energia e carrega dez vezes mais rápido.

7. SEM MISÉRIA

Nos elétricos de hoje, o assoalho tem centenas de baterias de lítio, iguais às de laptop. Num com baterias de grafeno, a carroceria toda seria uma bateria, já que o material promete ser nano o bastante para caber em qualquer lugar.

8. ARMÁRIO

Portas que abrem como um armário, cada uma para um lado, são uma marca da Rolls-Royce. Com o Apple Watch, a empresa mostrou que gosta de luxo. Então dá para esperar portas de Rolls-Royce, oras.

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9. KING KONG GLASS

A Apple virou especialista em desenvolver vidros: o smart relógio deles usa um certo Ion-X Glass na versão mais barata; o iPhone, o Gorilla Glass (que forma belos fractais quando quebra, hehe). O iCar, então, talvez tenha tanto vidro quanto metal. E será um vidro com nome bacana.

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