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O inventor da máquina inteligente

Ray Kurzweil, cientista, escritor e inventor, diz que, em breve, não será possível distinguir o pensamento humano da capacidade das máquinas de processar - e compreender - dados

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h32 - Publicado em 30 nov 2002, 22h00

Fábio Schivartche

Aos 16 anos, o americano Raymond Kurzweil apareceu na televisão tocando ao piano uma peça composta por seu computador. O garoto-prodígio tornou-se o inventor do primeiro sistema computacional de reconhecimento de voz, além de uma máquina que lê textos para deficientes visuais. Um de seus grandes amigos, por sinal, é o músico cego Stevie Wonder, para quem ele criou um sintetizador que reproduzia os sons de todos os instrumentos de uma orquestra. Kurzweil escreveu best-sellers como A Era das Máquinas Espirituais e, aos 53 anos, é um dos maiores gurus da inteligência artificial na atualidade.

Do seu quartel-general, na Kurzweil Technologies, em Boston, Estados Unidos, onde trabalha em numerosos projetos, esse explorador do futuro contempla o século XXI convencido de que os avanços tecnológicos encontram uma metáfora perfeita no velho conto do tabuleiro de xadrez e os grãos de trigo. Trata-se de colocar um grão na primeira casa, de dobrar a quantidade na seguinte e assim por diante, dobrando a quantidade a cada vez, até preencher todos os quadrados. Após a metade do tabuleiro, a progressão exponencial supera todas as expectativas. Isso é o que Kurzweil conta sobre o futuro, com um discurso apaixonado e visionário.

Super – Segundo suas previsões, dentro de três décadas haverá computadores baratos que se igualarão à potência do cérebro humano. Que contribuição fundamental você espera desse evento?

Kurzweil – A criação de uma inteligência superior. Um computador é mais rápido que o cérebro humano em algumas coisas, mas é difícil que ele tenha a riqueza, a sutileza e a profundidade do nosso pensamento. Para isso, será fundamental o software da inteligência, baseado na engenharia inversa, que copia o funcionamento do cérebro humano. Nossos circuitos cerebrais são tridimensionais e se baseiam em conexões muito complexas. Escaneando o cérebro, poderemos criar uma réplica e, usando circuitos artificiais tridimensionais de nanotubos, poderemos imitar seu funcionamento e criar uma inteligência artificial avançada. O professor americano Andreas Nowatzyk já trabalha em um projeto para copiar o cérebro de um rato. É o primeiro passo para o que virá em breve.

Super – O que virá em breve?

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Kurzweil – Graças à nanotecnologia, poderemos colocar robôs minúsculos no cérebro para melhorar sua capacidade. Construiremos seres não-biológicos com cópias do cérebro humano e teremos pessoas com milhares de robôs microscópicos no cérebro, o que aumentará sua habilidade para pensar e para viver em uma realidade virtual.

Super – Qual será, então, a diferença entre o humano e o não-humano?

Kurzweil – Esse é o ponto. Em muitos casos não haverá.

Super – Suas previsões têm gerado forte polêmica…

Kurzweil – Diferentemente de outros, não vejo limites para o desenvolvimento tecnológico. A tecnologia supõe uma ruptura com a lenta evolução biológica e a entrada de um processo mais rápido. Muitos cientistas têm uma perspectiva linear e vêem o futuro como uma cópia retocada do passado. Isso é um erro. Estamos em uma fase de crescimento exponencial em que confluem a informática, a biotecnologia, a física quântica, a nanotecnologia… Este século será equivalente a 20 mil anos de desenvolvimento linear.

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Super – Alguns especialistas crêem que, ainda que os computadores sejam cada vez mais potentes, não podem abrigar uma inteligência verdadeira.

Kurzweil – Em 1990, Kasparov disse que um computador nunca ganharia dele no xadrez – sete anos depois, Deep Blue o derrotou. Devemos usar os fabulosos recursos com que a informática nos brinda para melhorar os processos do cérebro humano. Esquecemos que nossa inteligência é fruto de um complexo sistema de informação e análise que pode ser reproduzido. Quem diz que as máquinas não são inteligentes esquece que eu entendo inglês apesar de nenhum de meus neurônios, individualmente, entender.

Super – Como será essa inteligência artificial de que você fala?

Kurzweil – Será uma inteligência que, imitando o modelo humano, poderá responder com emoções, comunicar-se mediante a arte ou chegar a novas idéias filosóficas. Uma vez que tenhamos o modelo que funcione, a capacidade de aprendizado das máquinas será imensa.

Super – Alguns estudos, como a clonagem e a manipulação genética, criam inquietude. Deve haver proibições?

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Kurzweil – Proibições de pesquisa, não. Abandonar áreas polêmicas supõe relegá-las a um mundo marginal em que seu desenvolvimento continuará da mesma forma, porém sem o debate ético. E isso facilitaria a usuários menos confiáveis e controláveis, como governos totalitários, a aquisição de um poder perigoso. Nós, cientistas, devemos continuar trabalhando em todos os campos, enquanto filósofos e cientistas sociais debatem o uso e o controle adequados das tecnologias.

Super – É ético investir tanto dinheiro em pesquisa de ponta enquanto há milhões de pessoas de regiões pobres sem acesso às tecnologias básicas para a sobrevivência?

Kurzweil – Esse é um velho dilema. O ideal seria fazer as duas coisas. Pessoalmente, acredito que o desenvolvimento da tecnologia, impulsionada pela pesquisa de ponta, está tornando mais acessíveis muitos produtos básicos para milhões de pessoas. Pensemos, por exemplo, em toda a informação valiosa e gratuita que está disponível na internet.

Super – Há indícios de que o abismo tecnológico entre ricos e pobres está ficando cada vez maior.

Kurzweil – Sim, e isso é um mau sintoma. Mas o desenvolvimento tecnológico pode significar sofrimento ou liberação e acho que, no conjunto, veremos mais liberação do que sofrimento.

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Super – Seu próximo livro se intitula The Singularity Is Near (A singularidade está próxima, ainda inédito). Qual é a mensagem central?

Kurzweil – A singularidade é um conceito criado nos anos 50 por John Von Newmann, um dos pais da cibernética, para se referir ao impacto que o desenvolvimento tecnológico teria sobre o futuro. Também é um termo que, em matemática, significa infinito. No livro, falo da mudança crucial e profunda que representará a união das inteligências artificial e humana. Será uma ruptura na história.

Super – A singularidade tem data?

Kurzweil – Em cinco décadas, nascerá uma inteligência artificial tão humana que mudará a civilização, pois alterará o conceito que temos de nós mesmos, da nossa relação com as máquinas e do papel delas.

Super – O passo seguinte é pensar que a inteligência humana será superada pela artificial. E isso evoca muitas visões apocalípticas…

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Kurzweil – Uma vez que os computadores alcancem o nível humano de inteligência é natural que eles o superem, já que têm mais capacidade de memória e de processamento de informação. Isso envolve perigos – solucionáveis, porém. Há milhares de anos convivemos com os perigos da tecnologia. Por outro lado, a singularidade nos abrirá portas que nos enriquecerão.

Super – Por exemplo?

Kurzweil – Seremos mais inteligentes, pensaremos com mais rapidez e profundidade. Iremos além do nosso corpo. Viveremos em entornos de realidade virtual que integrarão todos os sentidos, assim como pensar em algo parecido com a imortalidade.

Super – Esse ponto de vista tem um componente religioso?

Kurzweil – Não necessariamente, mas estamos falando de uma coisa tão transcendental que, para explicá-la, há de se usar uma linguagem quase religiosa.

Super – A tecnologia será nossa aliada ou é um terreno imprevisível?

Kurzweil – Há algo de imprevisível. O problema é que a tecnologia perigosa é a mesma que nos ajuda. A história é nossa e temos de escrevê-la com a tecnologia como aliada. Não podemos nem devemos renunciar a ela.

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