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Ó, raio!

Há trinta anos o laser fazia sua estréia no mundo prático. Hoje ele está no cotidiano de todos nós. No futuro poderá ser uma arma contra o câncer e até uma fonte limpa de energia nuclear.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h36 - Publicado em 30 nov 1999, 22h00

Gabriela Aguerre e Claudio Angelo

Pouca gente notou o estranho raio de luz que saiu do teto do observatório Lick, no Estado americano da Califórnia, na noite de 31 de agosto de 1969. O mundo estava ocupado demais comemorando os primeiros passos de um homem na Lua, dados por Neil Armstrong apenas dez dias antes.

Para os físicos, no entanto, aquele feixe luminoso foi um dos maiores saltos da tecnologia no século XX. Lançado ao espaço, ele chegou à superfície lunar, sendo rebatido por um refletor instalado pelo próprio Armstrong durante a visita. O raio voltou à Terra com a primeira medição precisa da distância entre nós e o nosso satélite natural: 384 400 quilômetros. Foi a primeira demonstração prática de um novo tipo de luz, o laser – sigla em inglês para amplificação de luz por emissão estimulada de radiação.

Antes da medição histórica do observatório Lick, o laser não passava de um brinquedo de cientistas em laboratórios ultra-avançados. “Nenhum de nós, que trabalhamos com os primeiros lasers, imaginou a quantidade de usos que eles teriam”, disse à SUPER o físico americano Charles Townes, um dos criadores da luz mágica. Trinta anos depois, difícil é imaginar para que não serve o laser. Ele está em computadores e aparelhos de som, consultórios médicos e odontológicos e laboratórios de Física, ajudando os cientistas a entender cada vez melhor o comportamento da matéria. Nas próximas páginas, você vai descobrir o que faz do laser uma luz tão especial. E por que ele vai continuar espantando tanta gente nas próximas décadas.

gabriela.aguerre@abril.com.br

cangelo@abril.com.br

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Algo mais

O laser ganhou fama na série de filmes Guerra nas Estrelas (1977-1999), de George Lucas, ao ser usado nos sabres de luz dos guerreiros Jedi. Mas essa arma é inviável, uma vez que não é possível controlar o comprimento de um feixe de laser.

O segredo é estimular os fótons

Só foi possível medir a distância entre a Terra e a Lua com o laser porque ele é um tipo de luz com propriedades especiais. Seu raio não se espalha, como a luz comum, e não sofre oscilações de elétrons, sendo por isso chamado de coerente. É monocromático, ou seja, tem uma única freqüência de cor. Essas características garantiram que fosse até a Lua e voltasse sem perder intensidade.

Essa ferramenta demorou muito tempo para ser produzida. Afinal, não se encontra laser em estado bruto na natureza. “O que houve não foi realmente um eureca!, e sim uma corrente contínua de muita pesquisa e muito estudo”, contou à SUPER o físico Ricardo Horowicz, da Universidade de São Paulo.

A primeira lâmpada acendeu na mente do físico alemão Albert Einstein (1879-1955), que em 1917 propôs o conceito de emissão estimulada. Ele calculou que os fótons, as partículas de luz, são capazes de estimular certos átomos a gerar energia luminosa de forma coerente. Ou seja, ao incidir sobre os átomos, eles provocam a emissão de outros fótons, que têm todos o mesmo tamanho e se propagam no mesmo sentido, sem dispersão. É como se a luz laser fosse um batalhão marchando e a luz comum uma manada de búfalos em correria.

Em 1954, o físico americano Charles Townes desenvolveu uma maneira prática de produzir essa energia. Usando um campo elétrico, ele conseguiu estimular o gás amônia a produzir um feixe de microondas, um tipo de luz fora do nosso espectro visível. Estava criado o maser, o pai do laser.

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Só em 1960 o americano Theodore Maiman construiu o primeiro laser. Para isso usou um cristal de rubi, uma pedra preciosa. “Em termos práticos não servia para nada, pois era preciso muita energia para gerar pouca luz”, disse o físico Carlos Henrique Brito Cruz, da Universidade Estadual de Campinas.

O desafio, então, passou a ser como descobrir quais outros materiais poderiam gerar esse tipo de luz. Estudando as propriedades ópticas das substâncias, os cientistas descobriram que coisas tão distintas como um gás e um semicondutor são capazes de emitir laser. Hoje há centenas de tipos de raios, produzidos com substâncias como gás carbônico, argônio, cristais sintéticos e neodímio. Cada um para um fim diferente – de shows de rock a cirurgias plásticas, de armas de guerra a pacíficos hologramas e CD-players.

Um século iluminado

1917 – Pedra fundamental

O físico alemão Albert Einstein (1879-1955) publica um estudo onde afirma que os fótons, ao incidir sobre átomos, podem fazê-los produzir uma grande quantidade de luz. É o princípio do laser.

1954 – Quase lá

Na Universidade de Colúmbia, o físico americano Charles Townes (foto) inventa o maser, cujo princípio é o mesmo do laser, mas em vez de luz gera microondas. Ganhou o Prêmio Nobel de Física de 1964 pela invenção, junto com os físicos russos Aleksandr Prokhorov e Nicolai Basov, que chegaram independentemente ao mesmo resultado.

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1958 – O nascimento

Charles Townes e Arthur Schawlow publicam um artigo onde demonstram que é possível usar o princípio do maser para produzir luz visível. É o nascimento do laser. Dois anos depois, em 1960, o americano Theodore Harold Maiman criou a primeira máquina capaz de emitir raios laser. O aparelho funcionava com um cristal de rubi e gerava luz vermelha.

1966 – Fibra óptica

Charles Kuen Kao e G. A. Hockman, da empresa de telecomunicações ITT, americana, comprovam que a luz pode ser conduzida dentro de tubos finíssimos de vidro. É o laser que entuba a luz para dentro da fibra óptica.

1979 – Laser doméstico

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A empresa holandesa Philips lança o CD-player, um aparelho que em vez de agulha usa laser para ler os discos. Seis anos depois, o laser chegou à informática, com a criação do CD-ROM. Naquela época, o pequeno canhão de raios usado para ler CDs custava 10 000 dólares. Hoje custa 1 dólar.

1983 – Arma de guerra

O presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, propôs o mais ambicioso projeto de uso de lasers da história, o Guerra nas Estrelas (em alusão ao filme). Era um sistema de defesa antimísseis por meio de radares e lasers que destruiriam o alvo inimigo. A idéia não colou – ainda bem.

1999 – Mais um Nobel

O químico egípcio-americano Ahmed Zewail ganha o Prêmio Nobel por mostrar como os átomos se movimentam nas diferentes etapas de uma reação química. Ele usou lasers de femtossegundos de duração (milionésimos de bilionésimos de segundo) para fotografar o processo passo a passo.

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Luzes que ninguém vê

Nem toda radiação é cor.

O olho humano só enxerga ondas luminosas numa faixa muito estreita do espectro. Mas o laser pode usar outros tipos de luz, como a infravermelha.

Microondas (maser)

Ultravioleta

Luz visível

Infravermelho

Raios X

Como o laser é produzido

Sob o efeito da radiação, o cristal de rubi gera um raio.

1. Impacto inicial

Uma lâmpada especial emite fótons, partículas de luz que vibram os átomos do cristal de rubi até eles atingirem altos níveis de energia.

2. Para todo lado

Sob essas condições, os átomos começam a emitir fótons, que formam ondas de luz propagadas desordenadamente.

3. Arrastão

O aparelho possui dois espelhos. Um reflete 100% da luz e outro, semitransparente, 50%. Cada fóton, ao bater nos espelhos, volta arrastando vários outros para a frente e para trás, sempre vibrando mais átomos. Esse processo se chama amplificação.

4. Saída direta

Quando a amplificação é muito grande, as partículas que saem pelo espelho semitransparente formam um feixe de laser.

Tiros na poluição

O Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), em São Paulo, está desenvolvendo um aparelho para medir a poluição atmosférica que usa tiros de laser. Ao bater em partículas de sujeira espalhadas no ar, os raios sofrem uma pequena dispersão. Um telescópio capta a luz e mede o total disperso. “Aí dá para calcular a quantidade de poluentes e ver como eles se movem na atmosfera” diz o físico Nilson Vieira, do Ipen. O sistema deve ajudar a prever o comportamento das enormes nuvens de poluição que se formam na Grande São Paulo.Entrevista

“Não paro de me surpreender”

O pai do laser conversou com a SUPER, de sua casa nos Estados Unidos.

Por Alessandro Greco

O físico americano Charles Hard Townes fala de suas descobertas com o ânimo de um jovem cientista. Tudo bem se ele não tivesse 84 anos e um Prêmio Nobel de Física no currículo.

Em entrevista exclusiva, Townes, que lançou este ano o livro How the Laser Happened (“Como o Laser Aconteceu”, inédito no Brasil), fala do seu filho ilustre.

Por que o senhor decidiu criar o maser?

Queria muito obter ondas curtas na região do espectro luminoso onde ficam as ondas de rádio e de microondas. Procurava a onda mais curta possível. Minha idéia era criar um novo instrumento para fazer ciência, mas percebi que o maser poderia ter também uso prático em relógios atômicos, por exemplo.

Como foi a evolução do maser para o laser?

Ninguém deu a menor atenção à idéia do maser até que, em 1957, sentei em meu escritório e comecei a pensar como construir um. Não sabia como fazê-lo, mas comecei a escrever equações para ver quanto de energia era preciso para obter ondas tão curtas. Percebi que era possível estender o mesmo princípio para ondas de luz visível. Falei com meu colega Arthur Schawlow (morto em 1998) sobre o tema e criamos o primeiro laser.

Nas últimas três décadas o laser encontrou aplicações inéditas em campos como a Medicina, Astronomia e indústria. Na sua opinião, quais áreas da ciência vão utilizá-lo nos próximos anos?

É difícil responder. Os lasers têm características tão diversas que podem ser utilizados em quase todos os campos. Estamos também tentando fazer fusão nuclear com um laser de raios X. Pode-se usá-los para tarefas delicadas como pegar uma célula e movê-la de um lugar para outro. São tantas as possibilidades de uso que fica difícil prever qual será a próxima aplicação. Acho que a utilização do laser ainda está no início. Não paro de me surpreender com a potência dos raios que estão aparecendo e pelos novos experimentos que estão sendo feitos com eles.

À procura de problemas para atacar

O laser é uma tecnologia domada. Os cientistas já conhecem de cor todas as etapas de sua construção. O alcance do que pode ser feito com ele, no entanto, continua em aberto. “Nós costumamos dizer que o laser é uma solução à procura de problemas”, disse à SUPER o físico Vanderlei Bagnato, do Laboratório de Óptica Quântica da Universidade de São Paulo em São Carlos.

A lista – de problemas – é interminável. No topo dela está o câncer, uma das doenças que mais matam no mundo. A equipe de Bagnato está fazendo no Brasil os primeiros testes com o laser como ferramenta contra tumores. “Temos conseguido localizar células cancerosas e exterminá-las de um só golpe”, contou Bagnato. Usando uma substância chamada hematoporfirina, eles pintam o tumor. Sob a luz do laser, o corante provoca uma reação química que mata as células doentes. O problema, até agora, é que a hematoporfirina colore células sadias também, causando sua destruição.

A Medicina é uma área de expansão do raio. Cirurgias plásticas e operações de miopia a laser, impensáveis na década de 80, estão virando lugar-comum. O Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), em São Paulo, desenvolveu um laser especial para tratamento odontológico que substitui as brocas com precisão total.

Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o laser já funciona como pinça óptica, capaz de fecundar um óvulo com um espermatozóide, manipulando-os isoladamente. Também ali se esticam as células vermelhas do sangue para testar a sua elasticidade. Assim se analisa o envelhecimento humano.

Nos últimos anos, cientistas do mundo inteiro têm buscado um tipo de laser que, até agora, só é viável no papel: um gerador de raios X. Com um aparelho desses, seria possível realizar o sonho da fusão nuclear controlada.

Teoricamente, bastaria bombardear isótopos de um elemento químico com as ondas produzidas pelo aparato para fundir seu núcleos e obter energia. “A vantagem desse processo é que ele não produz resíduos, ao contrário dos reatores atômicos”, empolga-se o físico Niklaus Wetter, do Ipen. “Não é o Santo Graal, mas é uma fronteira da ciência”, afirma. E o laser pode atravessá-la bem rápido – aliás, nos últimos trinta anos ele não tem feito outra coisa.

Para saber mais

Luzes, Cores… Ação, Ricardo Horowicz. Editora Moderna, São Paulo, 1999.

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