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(Re)made in China

Fábricas piratas vão além da mera falsificação - e começam a produzir aparelhos que oferecem mais recursos do que os originais. A história secreta do golpe chinês contra as grandes empresas de celular

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h46 - Publicado em 26 fev 2011, 22h00

Bruno Garattoni

Tela touchscreen de 3,2 polegadas com sensor de movimento. Câmera de 9 megapixels com flash e zoom. Aceita duas linhas telefônicas, de operadoras diferentes, que podem ser usadas ao mesmo tempo. Tem antispam telefônico, para bloquear as ligações de pessoas inconvenientes. Filmadora, webcam, rádio, pendrive, tocador de vídeos e mp3. Sintoniza e grava os canais de TV – de graça e em qualquer lugar. Não, não se trata do Palm Pre, de um Blackberry ou do novo iPhone. Esse conjunto de recursos só existe nos celulares chineses: aparelhos genéricos, que são feitos por empresas obscuras e geralmente não têm marca própria – se apropriam dos nomes e dos logos de grandes fabricantes. São produtos modestos, com acabamento pobre e certas armadilhas (alguns recursos não funcionam como deveriam). Sem falar que eles chegam ao Brasil via contrabando. Nós não recomendamos que você compre. Mas uma coisa é fato: eles incorporam funções e tecnologias que não existem nos melhores telefones das grandes marcas. Como é possível que um clone seja mais avançado que o original? E como fábricas desconhecidas, com quase nenhum investimento em tecnologia, podem fazer celulares cheios de recursos exclusivos? A resposta mistura segredos tecnológicos, política industrial e intrigas de mercado – e uma boa dose de esperteza.

A conspiração

Hoje em dia, quase tudo é made in China. Não existe uma grande empresa de eletrônicos, da Apple à Sony, cujos produtos não sejam fabricados por lá. Disso você já sabe. O que você não sabe é que, na maioria dos casos, essas empresas não fazem os próprios produtos – na verdade, elas nem têm fábricas na China. O iPod e o PlayStation 3, por exemplo, não são fabricados por subsidiárias da Apple e da Sony. São feitos numa empresa chamada Hon Hai, que tem 550 mil funcionários (e também é a verdadeira mãe do Nintendo Wii, do Xbox 360 e de centenas de outros produtos superconhecidos). Existem milhares de fábricas operando nesse esquema. O cliente manda as especificações técnicas do produto e uma equipe de engenheiros para a China. Eles ficam algumas semanas supervisionando a operação, mas depois os chineses fazem tudo sozinhos. Isso resulta em produtos mais baratos e margens de lucro maiores, mas também cria um potencial problema.

Se os chineses têm as ferramentas e o conhecimento para fazer qualquer tipo de eletrônico, nada impede que comecem a fabricar clones por conta própria. E é justamente isso que eles estão fazendo – acredita-se que a China fabrique de 250 milhões a 300 milhões de celulares piratas por ano. Por motivos óbvios, os donos das fábricas não falam com jornalistas. Mas, se você se identifica como empresário – e potencial comprador dos produtos deles -, o discurso se torna aberto e franco. “Sim, nós clonamos o iPhone”, conta Ming*, gerente de marketing de uma fábrica de médio porte no parque industrial de Shenzen (sul da China). Os chineses chegam a dar dicas para evitar problemas judiciais. “Se você mudar 5 detalhes do celular, não é pirataria. Passa a ser um novo aparelho. Mas por fora ele continua idêntico ao original”, ensina Victor*, diretor de uma fábrica de Shenzen que diz ter 2 mil funcionários – 50 deles engenheiros especializados em projetar e copiar circuitos eletrônicos. O celular dele toca (com um ringtone extremamente brega, típico dos aparelhos chineses) e nossa conversa é interrompida por alguns momentos. Quando ele volta, me diz o preço do serviço: por US$ 40 mil, eles clonam o aparelho que eu quiser – e constroem uma linha de montagem só para produzi-lo. “Demora um mês”. Isso, é claro, se eu não estiver satisfeito com os produtos que a empresa dele já faz, e incluem cópias de quase todas as marcas de celular. As fábricas agem com tranquilidade porque o governo chinês não costuma combater as falsificações. Nos raros casos em que uma fábrica é fechada pela polícia, os imitadores simplesmente levam seus equipamentos para outro lugar. Ou nem isso. Em 2007, uma grande marca de celulares descobriu uma empresa falsificando seus produtos na China.

Impressionada com a qualidade dos aparelhos, decidiu oferecer empregos a alguns dos falsários. Eles recusaram, alegando que ganhavam mais fazendo os celulares por conta própria, e continuam operando até hoje. Em alguns casos, as falsificações se antecipam aos originais. O Nokia N86, por exemplo, só deve chegar ao mercado europeu neste mês; mas desde maio os chineses já vendem um clone. Eles são competentes e não têm medo de ninguém. É por isso que resolveram dar o próximo passo – e começaram a aperfeiçoar os aparelhos originais.

O golpe

A maioria das pessoas compra seu celular diretamente das operadoras. Por isso, essas empresas têm poder para ditar aos fabricantes quais recursos farão parte, ou não, dos novos modelos. É assim que o mercado funciona. Só que esqueceram de contar isso aos xing-ling. “Os fabricantes chineses estão dispostos a contrariar as operadoras de celular”, diz o analista Tuong Nguyen, do Gartner Group. As empresas preferem não se manifestar, mas não é difícil entender o raciocínio delas. “Imagine oferecer para o seu cliente um celular em que ele possa usar o seu chip e o chip do seu concorrente. Não faria sentido”, explica o analista Vinicius Caetano, do IDC. Isso também vale para outros recursos dos aparelhos chineses, como a TV aberta. “A tendência é a operadora oferecer o serviço de TV por meio da sua própria rede”, diz Vinicius. Elas querem fornecer a programação para cobrar por ela. É por isso que mesmo os celulares mais sofisticados, que transbordam de recursos, não têm certas qualidades dos xing-lings. Não é uma limitação tecnológica. É uma decisão comercial. Os chineses só aproveitaram uma lacuna do mercado. E eles não são os primeiros a fazer isso.

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No começo dos anos 80, só existia uma marca de PC: a IBM, que não tinha muita fé nesse produto (e cobrava R$ 7 mil por ele). Um grupo de empresas pequenas conseguiu clonar o PC e saiu lançando variações. A IBM não fez nada. E isso foi ótimo: a competição explodiu, os preços despencaram – e hoje há 1 bilhão de PCs espalhados pelo mundo. O Japão e a Coreia começaram como fabricantes de clones, e hoje são símbolos de inovação. E os chineses parecem caminhar nessa mesma direção. Victor me conta sobre o 727In, que será lançado este mês. É o primeiro telefone chinês que realmente reproduz todos os recursos dos smartphones – tanto é que roda o sistema operacional Android, o mesmo usado no celular do Google. Como o Android é um software livre, o smartphone chinês está 100% dentro da lei. Exceto por um detalhe. “Se você quiser, nós podemos fazer o telefone com o logotipo do Google. Sem problema.” Certos hábitos são difíceis de largar.

Veja o que é que os chineses têm
Saiba no que eles se sobressaem – e no que deixam a desejar


Ying Tai TV700

Tela giratória
Avaliação: ótima. Quando está fechado, o celular parece um flip comum. O segredo é que a tela pode ser girada, e aí fica com 3,2 polegadas – quase tão grande quanto a tela de um iPhone.

Software
Avaliação:
péssimo. A interface é bizarra. Se você está ouvindo mp3, não pode fechar o flip do aparelho – senão o arquivo para de tocar. Pelo menos dá para rir com o bonequinho que fica dançando na tela.

TV embutida
Avaliação:
boa. Sintoniza todos os canais da TV aberta. Como o receptor é analógico, a imagem não é perfeita. Mas isso também traz uma vantagem – a TV funciona em qualquer lugar do Brasil (os celulares com TV digital só funcionam em 19 cidades do país).

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Fly-Ying F200

Câmera
Avaliação:
péssima. Promete zoom óptico e alta resolução. Tudo enganação – o flash é patético, o zoom não aproxima nada e a verdadeira resolução é ridícula (0,3 megapixel).

Câmera 2

Avaliação: regular. Há uma segunda câmera na frente do aparelho. Mas ela tem pouca utilidade – só serve para bater autorretratos. Bom para os narcisistas.

Touchscreen
Avaliação:
regular. O celular vem com uma canetinha para auxiliar no uso da tela. Pena que tenha quebrado com apenas um dia de uso.

Entrada para 2 chips
Avaliação:
excelente.Dá para colocar duas linhas telefônicas no aparelho. Você escolhe qual delas vai usar antes de cada ligação. E, com isso, aproveita as promoções de todas as operadoras.


Sang Teng T8

Touchscreen
Avaliação:
ruim. Imita bem a aparência do iPhone. Mas os menus são confusos. E não dá para acionar os ícones com o dedo – a tela só responde se você apertar com a unha (e com força).

Internet

Avaliação: péssima. Não tem wi-fi nem 3G, muito menos um navegador decente (só dá para acessar os precários sites WAP, em modo texto).

Filtro de ligações
Avaliação:
excelente.Permite bloquear para sempre, com apenas dois cliques, chamadas de certos números (como telemarketing, cobradores ou uma antiga paixão).


E entenda por que são mais baratos
Veja quanto custa fazer um iPhone de verdade – e a imitação chinesa

iPhone 3G

Tela: R$ 81

Placa-mãe: R$ 54

Memória (8 GB): R$ 46

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Receptor 3G: R$ 30

Wi-Fi:
R$ 8

GPS: R$ 7,30

Câmera:
R$ 14

Bateria: R$ 8

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Carregador: R$ 3,60

Outros componentes: R$ 75

Total: R$ 326,90

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Sang Teng T8*

Tela: R$ 11

Placa-mãe:
R$ 41

Memória:
não tem

Receptor 2G:
R$ 0,60

Wi-Fi:
não tem

GPS:
não tem

Câmera:
R$ 2,67

Bateria:
R$ 3

Carregador:
R$ 1,20

Outros componentes:
R$ 19

Total:
R$ 78,47

*Estimativa
Fontes iSuppli e Cloned in China.


Para saber mais


Poorly Made in China
Paul Midler, Wiley, 2009.

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