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E se Napoleão tivesse vencido?

Brasil se tornaria Portugal – e sob pressão dos ingleses, abandonaria a escravidão. Na Europa, a unificação napoleônica não sobreviveria à morte do líder.

Por Fábio Marton
Atualizado em 25 jun 2021, 08h48 - Publicado em 17 jun 2021, 13h44

Mais de 200 anos depois, “napoleônico” ainda é sinônimo de megalômano: aquele que tem delírios de grandeza. Mas o Napoleão original, que, por 12 anos de guerras, fez com que até 6,5 milhões de pessoas perdessem a vida, nos dois lados do front, não era só delírio. Foi um dos indivíduos que de fato mais concentraram o poder de mudar profundamente os rumos da história.

Mas primeiro ele teria que vencer. E, nisso, esqueça Waterloo. Para Napoleão ter dominado a Europa, não adiantaria ser em sua última batalha. Naquele momento, um Napoleão desesperado só lutava para tentar assinar acordos para que seus inimigos o deixassem em paz, ao menos até consolidar novamente seu poder recém-reconquistado. 

E esses acordos não viriam. A paz não era opção, A Guerra da Sétima Coalizão, a que termina em Waterloo em 18 de junho de 1815, havia começado no mesmo 13 de março de 1815 em que Napoleão deu um golpe de Estado e reassumiu o poder na França. Reino Unido, Rússia, Áustria e Prússia (parte da futura Alemanha) declararam guerra diretamente a Napoleão – não à França, que julgavam ainda pertencer ao deposto rei Luís 18. Essas forças contavam com mais de três vezes os 280 mil soldados da França. 

Para o império napoleônico se estabelecer, a vitória precisaria ter chegado antes. O momento da derrota de Napoleão, a maioria dos historiadores concorda, foi sua invasão à Rússia, em 1812. Nesse instante, virtualmente a Europa inteira estava em mãos de aliados da França, exceto pela fatia que pertencia ao Império Otomano, nos Bálcãs. A Rússia era tecnicamente um desses aliados, mas se recusou a paralizar o comércio com o Reino Unido. Exatamente como Portugal em 1807. E, como Portugal, foi invadida numa expedição punitiva. 

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A invasão foi uma catástrofe: os russos simplesmente cederam território destruindo tudo, tornando impossível alimentar as forças invasoras. Mesmo com Moscou tomada, Napoleão foi forçado a se retirar em pleno inverno, para não morrer de fome. Dos 613 mil homens que invadiram a Rússia, só 10 mil saíram. 

Suponhamos então que Napoleão e o czar Alexandre 1º tivessem chegado a um novo acordo. O que haveria depois? 

Não a paz. Napoleão continuava em guerra contra Portugal e Inglaterra, e sofrendo ataques de guerrilha de rebeldes espanhóis, lutando pelo controle da Península Ibérica. Ao menos no curto prazo, continuaria num empate: o Reino Unido tinha uma Marinha muito mais potente que a francesa, mas nenhuma chance de enfrentá-los por terra. 

Haveria assim duas áreas de influência, e uma situação de guerra fria, na Europa. De um lado, a Inglaterra, de outro, a Europa continental, sob a batuta de Napoleão. Nas Américas, uma situação explosiva: os Estados Unidos, em guerra com o Reino Unido entre 1812 e 1815, terminariam aliados da França Napoleônica; o Canadá era parte do Império Britânico, e a América Latina estava quase inteira em conflito, em suas guerras de independência.

Exceto pelo Brasil, que era, desde a chegada da corte portuguesa, fugida de Napoleão em 1808, a sede do Império Português. Dada a parceria entre D. João 6º e a Inglaterra, o Brasil da época seria um aliado ainda mais estratégico dos britânicos do que foi na vida real. Os ingleses, afinal, estariam isolados dentro de seu próprio continente, precisando fazer “amigos” fora de lá para manter seu comércio ativo.         

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Em volta do Brasil, aliás, só guerra: a independência dos países da América Latina foi feita em meio ao caos do período napoleônico, quando a monarquia da Espanha foi derrubada e o irmão de Napoleão, Joseph, posto no trono local.

Se fosse uma independência contra uma Espanha bonapartista consolidada, e com o poder da França intacto nas décadas seguintes, seria uma batalha bem mais sangrenta e de resultados bem menos decisivos a favor da independência (a Espanha só conseguiu manter Cuba e Porto Rico). Poderíamos acabar com um mapa da América Latina cheio de colônias espanholas/francesas versus países independentes aliados aos britânicos mais o Brasil. Todos os inimigos dos EUA. 

Mais importante: D. João 6º não voltaria para Portugal (como fez em 1821). Seu país, afinal, se converteria em uma possessão napoleônica. Com o tempo, o pequeno país da Península Ibérica passaria a ter o francês como idioma oficial, e talvez até mudasse de nome. 

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Como a corte estava por aqui, poderia até rebatizar o Brasil como “Portugal” para oficializar que o Império lusitano não morreu. Só mudou de lugar. Com D. João e D. Pedro completamente estabelecidos, não teríamos uma independência – pois não haveria mais de quem nos tornarmos independentes. Seríamos portugueses.  

A monarquia provavelmente teria continuado até hoje, mas à imagem e semelhança da britânica: constitucional e parlamentarista. E a família Orleans e Bragança, nossa casa real, seria como a dos Windsor: um grupo de celebridades que não mandam em nada, mas inspiram bons seriados e altas fofocas. A Europa de hoje provavelmente já seria livre há mais de um século. O passado napoleônico sobreviveria como uma memória afetiva (equivalente à que os russos nutrem com força pela URSS). E isso poderia ter reflexos até na moda, como você vê aqui na imagem.   

Uma ironia: Napoleão se apresentava como o sucessor da Revolução Francesa, uma força de modernização iluminista contra o absolutismo, que reinava em lugares como Espanha e Portugal. Mas não seria esse o papel que ele ocuparia. Enquanto a Inglaterra foi, por interesse e ideais, uma força contra a escravidão no século 19, proibindo o tráfico de escravos em 1807, Napoleão restaurou a escravidão, abolida pela Revolução Francesa, em 1802. 

A economia escravocrata aqui dos trópicos seria um ponto de tensão na nossa aliança com a Inglaterra – ainda mais agudo do que foi na vida real. O tráfico, apesar das restrições britânicas (e a “lei pra inglês ver” que proibiu o tráfico de escravizados no Brasil em 1831), continuou ao longo do século 19, com navios negreiros brasileiros, por vezes apreendidos pelos britânicos, suprindo todo o continente. 

Nessa realidade em que o Brasil se chamaria Portugal e seria unha e carne com os britânicos, esquece. A abolição teria vindo ainda no início do século 19. Seria uma virada surpreendente. 

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Nenhum país se industrializou à base de escravidão. Para ter uma indústria, não bastam trabalhadores. Seu país precisa de consumidores. Como, no melhor cenário econômico possível, os consumidores são os trabalhadores, é preciso ter salários – e liberdade. E quem se industrializou no século 19 (EUA, nações da Europa Ocidental, Japão) entrou no século 20 com o pé direito, e a cama montada para se tornar país desenvolvido. O Brasil, nessa versão alternativa da história, teria sido um deles. Ops. Brasil, não: Portugal, ora pois.

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