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Teorias de Freud deram impulso à indústria do cigarro nos EUA

Um sobrinho do pai da psicanálise aproveitou suas ideias para acabar com o tabu de que mulher não devia fumar – organizando uma encenação histórica.

Por Alexandre Carvalho
Atualizado em 18 ago 2022, 18h18 - Publicado em 18 ago 2022, 17h52

Pioneiro da propaganda nos Estados Unidos e considerado “pai das relações públicas”, Edward Bernays (1891–1995) era filho de imigrantes austríacos. Numa viagem a Paris, em 1919, aproveitou a estada na Europa para se conectar com a família que tinha ficado no continente. E mandou um presente para um tio querido, irmão de sua mãe: uma caixa de charutos cubanos. Em retribuição, recebeu do tio uma cópia de um livro escrito por ele: Conferências Introdutórias à Psicanálise.

Bernays ficou fascinado pela obra. Especialmente pela ideia desse seu tio, Sigmund Freud, de que o ser humano é dominado por desejos irracionais – que permanecem numa parte obscura da mente e respondem pelos nossos comportamentos e, mais importante ainda, por nossas escolhas.

Foi aí que Bernays teve a grande ideia de sua vida: fazer dinheiro explorando as descobertas do seu parente amante de charutos, influenciando operações mentais que a maioria das pessoas nem tinha noção de que existem. 

Anos depois, outro grande teórico das relações públicas, o americano Scott Cutlip, escreveu: “Quando alguém se encontrava com Bernays, não demorava nada até que seu tio fosse trazido à conversa. A relação dele com Freud estava sempre à frente do seu pensamento”.

Decidido a usar as teorias do pai da psicanálise em seu trabalho, Edward Bernays tornou-se figura-chave por trás do impulso ao consumismo nos EUA. E chamou atenção da indústria com uma campanha revolucionária – curiosamente relacionada ao hábito de fumar, tão caro ao tio Sigmund.

Cigarro (um símbolo fálico) também para as mulheres

Contratado pela corporação americana de tabaco, Bernays recebeu uma missão que parecia impossível à época: quebrar o tabu de que mulheres fumando em público era uma coisa grotesca, um atentado à moral e à decência. 

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Empolgadíssimo com as ideias de Freud, Bernays pediu ajuda a um dos primeiros psicanalistas dos EUA, Abraham Arden Brill, porque seu tio nunca se envolveria com a mercantilização das próprias teorias. 

O que o sobrinho queria descobrir, via psicanálise, era o que o cigarro significava para as mulheres – e o que poderia vir a significar. Brill, que foi tradutor de obras de Freud para o inglês, respondeu com um simbolismo que hoje é clássico, mas que na época podia ser tão surpreendente quanto ultrajante: o cigarro simbolizava o pênis e, consequentemente, o poder masculino sobre a mulher. Bernays entendeu, então, que o desafio estava em mostrar às consumidoras que fumar representava se contrapor ao domínio do homem, porque “a mulher teria seu próprio pênis”.

“Tochas da Liberdade”

Para chamar atenção do país todo para essa ideia, Bernays organizou, em 1928, um manifesto fake durante um dos eventos mais midiáticos daqueles tempos nos EUA: a Parada de Páscoa em Nova York. Pegando carona no movimento sufragista, que tinha conquistado o direito de voto às mulheres em 1920, ele convenceu um grupo de debutantes ricas a esconder cigarros sob a roupa. Elas deviam juntar-se ao desfile e, num determinado momento, sob o comando de Bernays, acender seus cigarros Lucky Strike todas ao mesmo tempo, e da maneira mais teatral possível. 

Sim, era um flash mob.

Mas antes ele havia preparado a imprensa: espalhou que um grupo de feministas estaria armando um escândalo bem no meio da parada. Um protesto chamado “Tochas da Liberdade”. 

A encenação foi um sucesso. Avisados sobre o “protesto”, os fotógrafos ficaram a postos, e não faltaram registros daquelas mulheres jovens e bonitas fumando, legendados com um slogan para lá de libertário. 

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Assim, a notícia viralizou: os nova-iorquinos haviam testemunhado um grito impactante de igualdade entre os gêneros. E os costumes nunca mais seriam os mesmos. Ainda que tudo não começasse com uma encenação de marketing.

A partir daquele ato histórico, mais e mais mulheres resolveram fumar sem disfarces nos EUA, e a publicidade do cigarro começou a ser dirigida para elas também. Resultado: o público-alvo da indústria tabagista dobrou de tamanho.

A ideia de que, ao fumar, as mulheres se tornaram mais poderosas e livres é completamente irracional (como o nosso inconsciente, segundo Freud) – e até absurda. Fumar só deixa a gente sem fôlego e provoca câncer. Mas de fato, na época, e até bem pouco tempo atrás, essa conquista deu às mulheres um sentimento de independência – e à indústria do tabaco, um oceano de dinheiro. 

Alexandre Carvalho, autor deste texto, escreveu o livro Freud sem Traumas (LeYa Brasil).

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