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Por Alexandre Versignassi
Blog do diretor de redação da SUPER e autor do livro "Crash - Uma Breve História da Economia", finalista do Prêmio Jabuti.
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Lá fora, até políticos turrões mostram racionalidade. E nós seguimos medievais

Boris Johnson deu uma inesperada mostra de lógica na luta contra contra a Covid-19. Já aqui lideramos o ranking mundial de contágios, e Bolsonaro chama para um churrasco.

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Atualizado em 11 Maio 2020, 17h34 - Publicado em 11 Maio 2020, 17h12

Boris Johnson assumiu o cargo de Primeiro Ministro do Reino Unido por ser o cão de guarda do Brexit. Com seu estilo folclórico, nacionalista e de direita, foi chamado de “o Trump britânico”. A pecha pegou. Vá ao Madame Tussauds, e procure a estátua de cera de Boris: ela fica ao lado da de Trump, com os dois praticamente de mãos dadas – numa intimidade que faria Bolsonaro ter uma crise de ciúmes.

Mas o Primeiro Ministro tem se mostrado muito mais racionalidade diante da pandemia do que seu par americano – sobre o par brasileiro a superioridade nessa seara é tão mastodôntica que vale a pena deixar esse assunto para mais adiante.

Ontem (10), Boris fez um pronunciamento deixando mais claras as diretrizes do Reino Unido. O país está sob há quase 50 dias sob lockdown – a forma mais pesada de quarentena, em que você só pode sair de casa basicamente para comprar comida, ir ao trabalho (caso sua função seja essencial e não tenha como ser feita de casa), e, claro, ir ao hospital.

Johnson anunciou um relaxamento nessas regras. De quarta-feira em diante, os britânicos estarão livres para fazer exercícios nas ruas e nos parques, contanto que mantenham as regras de distanciamento da OMS – dois metros de quem não mora na mesma casa que você. Também disse que quem tiver de ir trabalhar evite o transporte público. Que vá de carro ou, even better, a pé ou de bicicleta.

O debate sobre se é hora ou não de uma aliviada no lockdown segue aberto. Talvez não seja hora de substituir o mantra “fique em casa” por um “vá para a rua, mas tome cuidado”. O que importa, aqui, não é a decisão em si. É a forma como ela foi anunciada.

O R0 é a quantidade de gente que cada infectado contamina. No Brasil, ele é de 2,8. Isso significa que cada grupo de 100 portadores de Covid-19 infecta outras 280 pessoas.

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Johnson disse que qualquer decisão futura sobre o lockdown se dará de acordo com um guia: o R0 (pronuncia-se “érre-zero”). O R0 é a quantidade de gente que cada infectado contamina. No Brasil, ele é de 2,8. Isso significa que cada grupo de 100 portadores de Covid-19 infecta outras 280 pessoas. Essa 280 irão infectar 784, e assim por diante. No fim das contas, o fato é que um R0 acima de 1 significa que a doença está se espalhando exponencialmente.

Com o R0 abaixo de 1 o jogo se inverte. Se ele estiver, por exemplo, em 0,5, cada grupo de 100 infectados vai contaminar 50 pessoas. Essas 50 irão infectar 25… Ou seja: uma baixa radical o número de doentes (vale lembrar que “radical” vem de “raiz quadrada” – é o oposto, portanto, de “exponencial”).

No Reino Unido, após 48 dias de lockdown, o R0 ficou abaixo de um. “Estamos entre 0,5 e 0,9”, de acordo com o pronunciamento do Primeiro Ministro. E ele deixou claro: se o R0 cair, vai aumentando o relaxamento. Se subir, volta o isolamento, de forma mais intensa até, caso precise.

De acordo com ele, o Reino Unido vai adotar cinco níveis de alerta. O nível 1 é o país estar totalmente livre do vírus. O nível 4 seria o estágio em que eles estão agora – com o R0 perto de 1, mas não acima. O 5 é o cenário de terror: com o número de mortes crescendo exponencialmente e hospitais superlotados, com os médico tendo que decidir quem vive e quem morre. Caso o relaxamento faça o país roçar no nível 5, o governo volta atrás e passa a impor novas restrições – nas palavras de Johnson, com o objetivo de “aliviar o NHS” (o SUS deles).

Diante da ausência de racionalidade no Brasil, o Primeiro Ministro do Brexit, um sujeito criticado por agir mais com o fígado do que com o cérebro soa para os ouvidos brasileiros como se fosse Wiston Churchill em pessoa

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Concorde-se ou não com Johnson, o fato é que se trata de um raciocínio lógico. E, diante da ausência de racionalidade no Brasil, o Primeiro Ministro do Brexit, um sujeito criticado por agir mais com o fígado do que com o cérebro soa para os ouvidos brasileiros como se fosse Wiston Churchill em pessoa.

O que temos no Brasil um Palácio do Planalto onde pega mal usar máscara, e não dar a mão para cumprimentar. Parece que aparecer de máscara ao lado do Presidente é uma ofensa – tanto que, no pronunciamento sobre a saída de Moro, só Paulo Guedes apareceu devidamente mascarado.

Outro fator que mostra o abismo em que caímos é quase alegórico. Lá, Boris Johnson contraiu o vírus, anunciou publicamente e foi se tratar. Puxou alguns dias de UTI e saiu do hospital agradecendo os médicos e enfermeiros. Aqui, os resultados dos exames do presidente se tornaram um problema de Estado. Ele esconde – indicando que, se mostrar, terá problemas.

É isso. Enquanto mesmo políticos turrões lá de fora ensinam o que é R0 e mostram que porque esse é um conceito chave para definir as regras de isolamento, Bolsonaro segue tratando a ciência como um inimigo político, e, no dia em que o país ultrapassa a marca de 10 mil mortos, faz piada dizendo que vai marcar um churrasco (caso tenha sido piada mesmo, e não algo desmarcado por falta de quórum).

Talvez devesse mesmo ter feito o tal churrasco. Nosso R0, afinal, já é o maior do mundo – e caminhamos com firmeza para nos tornarmos o novo epicentro do coronavírus. Trata-se de uma liderança “conquistada” em grande parte pelas atitudes negacionistas do Presidente da República. Pela lógica de Bolsonaro, a de que 70% das pessoas vai pegar a doença, então melhor pegar de uma vez, trata-se de uma conquista. É o Brasil acima de todos.

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