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Por Alexandre Versignassi
Blog do diretor de redação da SUPER e autor do livro "Crash - Uma Breve História da Economia", finalista do Prêmio Jabuti.
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Gente de bem X gente do bem

O embate agora é o das “pessoas de bem” contra as “pessoas do bem” – a troca do artigo depois do “d”determina de qual lado você está. E ambos estão errados.

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Atualizado em 5 out 2018, 17h46 - Publicado em 5 out 2018, 16h58

O perigo imediato de uma vitória de Bolsonaro não é exatamente um golpe militar. É provável que o capitão reformado não precise dar golpe nenhum para se consolidar no poder. Que o eventual governo do cara goze de um apoio razoável do Congresso.

Como Vinicius Torres Freire escreveu na Folha, ele tem entrada de sobra nos “partidos reais” da Câmara. PP, DEM, MDB são abstrações jurídicas. O que conta mesmo são as ligas suprapartidárias – bancada da bala, bancada da Bíblia, bancada do boi. Metade dos deputados pertencem a algum desses três grupos – 10% estão simultaneamente nas três bancadas.

E os representantes delas no Congresso veem em Bolsonaro um semelhante. Mais do que isso: enxergam o sujeito como um líder que emergiu justamente do caldo Tradição Família e Propriedade que os pariu. O mesmo caldo de conservadorismo obsessivo onde quase metade da população brasileira chafurda neste momento, para desespero de quem toma IPA artesanal de lúpulo fresco no Brooklyn treinando o inglês com a balconista que estuda cinema na Universidade Columbia; e para o regozijo de quem come camarão empanado num Bubba Gump da Times Square usando boné do Mickey e dando ordens ao garçon em português pausado, pra ver se ele entende.

Nada contra quem prefere o Bubba Gump…. Não. Espera. Claro que tenho algo algo contra. Quando fico bravo, acho que os Homers Simpsons e as Paris Hiltons dos prédios com varanda gourmet não têm mesmo grandes contribuições a dar para a sociedade. Seriam meio que um fardo a suportar.

O problema é que, quando o sangue sobe para a cabeça, eles pensam exatamente o mesmo de mim e dos meus amigos sommeliers de lúpulo que acham que Lula foi preso “sem provas” – não é o meu caso, mas, por questões de preferência estética e identidade biográfica, minha turma é meio que essa.

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Uma turma arrogante, que acha mesmo que quem usa camisa pólo e canta sertanejo em happy hour no Outback do shopping não merece o brilho da nossa companhia. Temos uma sensação de superioridade moral sobre a “classe média clássica”. Não suspeitamos de que nós, daqui dos arredores da Vila Madalena, talvez sejamos só a “classe média neoclássica” – um bando de descabelados de bom coração, mas que não pensa duas vezes antes de partir para a ofensa contra nossos pares que nutrem mais ambições financeiras do que intelectuais.

Nosso ideal de mundo é a convivência pacífica, o diálogo. Contanto que o diálogo consista em eu destilar minha sapiência e você baixar a orelha. Qualquer outra forma de interação consiste em heresia, punível com emoji de vômito e posterior bloqueio.

Enquanto não superarmos essas diferenças banais e caminharmos todos juntos… Não, não. Claro que não. A gente nunca vai caminhar junto. A gente só vai se dar bom dia na garagem de vez em quando. Claro. A cisão de grupos é da natureza humana. Não começou em 2013. Talvez esteja por aí há dois ou três milhões de anos, quando o gênero Homo começou a estruturar-se entre os mamíferos africanos.

Nossa natureza faz com que, na falta de inimigo comum, emulemos ambientes de guerra criando times dedicados a combater-se mutuamente. O embate atual (não exatamente novo, mas atual) é o das “pessoas de bem” contra as“pessoas do bem” – a mera troca do artigo que vem depois da letra “d”determina se você tira selfie com PM ou se coleciona vinis do Cartola (se você faz os dois, perdão).

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O ponto é que as últimas sete eleições presidenciais tiveram resultados completamente palatáveis para o meu time, a arrogante “galera do bem”. Em 1994 e 1998, o ungido foi um intelectual da Sorbonne; em 2002 e 2006, um herói do proletariado (com aspas ou sem, dependendo de quem lê); em 2010 e 2014, uma mulher alçada das salas de tortura do regime militar ao posto de Comandante Supremo das Forças Armadas (uma das atribuições de quem ocupa a Presidência) – o que daria um bom seriado de seis temporadas.

Você, amigo do bem, pode até não ter votado em algum deles, pode ter gritado “Fora FHC, Fora FMI”, pode ter se desiludido com Lula e concordado que Dilma criou uma tragédia econômica, mas as eleições e reeleições de cada um desceu mais ou menos redondo pelas nossas goelas.

Agora não. Pela primeira vez desde Collor, existe a chance real de um representante do outro lado da Força sair vencedor. Está difícil de engolir. Mas. se for para ser isso mesmo, que seja. A democracia tem dessas. Demorou, na verdade, para que um representante do conservadorismo linha-dura surgisse com chances reais de vencer. O Brasil é conservador e cheio de fobia por qualquer coisa que não faça parte do tripé tradição-família-propriedade. Um Brasil democrático mais hora menos hora elevaria um deles a Chefe de Estado. E natural que esse ungido fosse justamente o mais estridente dos conservadores.

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Mas claro: que Bolsonaro, se eleito, siga as regras do jogo democrático da forma que a Constituição e nossas instituições determinam. Porque se não seguir, aí sim, teremos um inimigo comum. Aí não vamos ter outra saída: será a hora de revermos nossas diferenças e nos unir por um bem maior. Seja você uma pessoa de bem ou uma pessoa do bem.

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