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Por Alexandre Versignassi
Blog do diretor de redação da SUPER e autor do livro "Crash - Uma Breve História da Economia", finalista do Prêmio Jabuti.
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Médicos cubanos: ameo-os ou deixe-os?

Os médicos cubanos reduziram em 35% o número de municípios brasileiros sem atendimento.

Por Alexandre Versignassi Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 7 mar 2023, 16h52 - Publicado em 19 nov 2018, 17h21

Existem 55 mil médicos e enfermeiros cubanos trabalhando fora de Cuba. De acordo com o governo da ilha, a exportação de mão de obra médica gera US$ 8 bilhões por ano para o país, contra US$ 5 bilhões do que Cuba levanta exportando produtos. Cuba, afinal, tem 7,5 médicos para cada mil habitantes. Os países desenvolvidos têm 3,5. Logo, há um superávit. E deram um jeito de fazer dinheiro com esse superávit.

Se Cuba fosse uma empresa, o criador da exportação de médicos seria visto como um Jorge Paulo Lemann. O dinheiro levantado com a exportação de profissionais de saúde, com o Estado faturando 70% do salário de cada profissional, equivale a quase 10% do PIB cubano (de US$ 87 bilhões).

Para dar uma ideia do que isso significa: 10% do PIB é o valor de tudo o que o Brasil exporta – minério da Vale, petróleo cru da Petrobras, aviões da Embraer, Soja do Blairo Maggi (aqui são US$ 2 tri de PIB X US$ 200 bi de exportações).

Do ponto de vista macro, o comércio de médicos é uma operação ganha-ganha para o Brasil e para Cuba. O Brasil tem 2,1 médicos para cada mil habitantes. As áreas urbanas contam com tantos doutores quanto os países desenvolvidos. As mais afastadas, com menos de um médico para cada mil pessoas – uma proporção que a Organização Mundial da Saúde entende como perigosa.

A importação funcionou. Desde a implantação do Mais Médicos (que não conta apenas com cubanos, mas usa pesadamente o serviço deles), o número de municípios sem atendimento de saúde caiu de 1200 para 777. Trata-se de uma redução de 35%, algo que só seria possível no intervalo de uma geração inteira, com a economia crescendo forte.

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A importação de médicos cubanos começou no governo FHC, em 1998, por iniciativa de José Serra, então ministro da Saúde. Foram 210 médicos e 40 enfermeiros. No governo Dilma, com o Programa Mais Médicos, o número chegou a 11 mil. Hoje diminuiu um pouco, mas ainda é um número relevante: 8.332 – 45% das 18.240 vagas do Mais Médicos.

Bolsonaro agiu de forma atabalhoada ao tirar Cuba do programa. Sim, o Presidente eleito ainda nem assumiu e foi Cuba quem pulou fora. Mas pulou fora porque Bolsonaro avisou que o salário iria inteiro para os médicos – e o jogo do governo de Cuba não é esse; a exportação de médicos é uma indústria, e o país caribenho entende que deve receber pelo fornecimento do serviço.

Se Bolsonaro não concorda com a ideia de patrocinar a ditadura cubana, sem problema. Mas daria para ir dispensando os médicos de lá aos poucos, substituindo-os gradualmente por mão de obra nacional – e criando novos incentivos para a tal mão de obra nacional. Mas a dispensa, da forma como foi feita, vai deixar milhões de brasileiros desguarnecidos – e justamente os que mais precisam.

A justificativa de que se trata de trabalho escravo não procede. Os médicos imigram porque o salário médio de um doutor em Cuba é de US$ 40. E aqui, mesmo depois da tungada de 70% do contra-cheque, eles embolsam US$ 1.250.

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Ainda assim, o fato de isso ser só uma fração do que um brasileiro recebe para fazer a mesma função causa estresse nos médicos cubanos. Em 2016, 150 deles entraram com processos na Justiça brasileira pedindo equiparação salarial – e desafiando Havana, que os proíbe até de dar entrevistas sem autorização, quanto mais de abrir processos.

Nada disso significa que Bolsonaro esteja certo. De novo: tirar quase metade do contingente do Mais Médicos numa tacada só foi uma atitude irresponsável. E vai custar vidas.

Por outro lado, também é perturbador imaginar que ainda existe um país cujo produto mais lucrativo da balança comercial sejam seres humanos. Também é no mínimo indigesto saber que se trata de gente que nem tem poder de escolha. Se um cubano quiser revalidar seu diploma aqui e abrir um consultório no Brasil, o governo cubano não permite – primeiro porque, se Cuba não ganhar nada com o trabalho do profissional, isso quebra a lógica da exportação de médicos; segundo porque cubanos simplesmente não têm liberdade para imigrar.

Mas agora temos uma questão mais local, e vital, com a qual nos preocupar: como desfazer o estrago? Bom, o salário dos médicos não-cubanos que fazem parte do programa é de R$ 11.520. O dos cubanos, R$ 18 mil (sendo que R$ 4.600 ficam com o médico e R$ 14 mil vão para Cuba). Do ponto de vista do governo, é uma diferença de R$ 6.500 por médico. Se esse extra for redistribuído para as 18 mil vagas do programa, daria R$ 3 mil a mais por profissional. Os médicos poderiam passar a ganhar R$ 14.500 – existem 452 mil médicos no Brasil talvez esse extra ajude a tirar mais alguns doutoras dos centros urbanos (2% do total bastaria para repor a ausência dos cubanos).

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Mas se o salário que oferecerem no próximo edital do Programa for substancialmente menor do que esse, teremos um problema. E mais gente que não tem chongas a ver com ideologias políticas seguirá morrendo. Nada é mais perturbador do que isso.

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