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Por Alexandre Versignassi
Blog do diretor de redação da SUPER e autor do livro "Crash - Uma Breve História da Economia", finalista do Prêmio Jabuti.
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Tudo errado, mas tudo bem

Cuide bem do seu passado: o único momento que você tem para transformá-lo é agora.

Por Alexandre Versignassi Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 24 jul 2017, 16h09 - Publicado em 24 jul 2017, 15h37

Olho pra trás, pra umas épocas em que eu sabia que a minha vida era horrível, e não vem nada, nenhuma memória de horror. Só os momentos em que, mesmo estando tudo errado, estava tudo bem – as conversas boas, os alívios, os amigos hoje fazem falta.

Meu subemprego dos 20 e poucos anos não foi no McDonald’s. Foi na Embratel, quando a empresa ainda era estatal, e ainda tinha telefonistas. Celular era coisa de milionário lá nos anos 90, e não existia roaming internacional, nem chip, muito menos internet. Quando alguém ia para a gringa e queria telefonar para dar notícias, então, ia até um telefone público e ligava para mim. Para mim ou pra qualquer outro dos 200 telefonistas com quem a ligação caísse. Então a gente conectava o orelhão no exterior com o número que ele queria chamar no Brasil, e transferia a ligação a cobrar (esse serviço ainda existe, chama “Brasil Direto”).

Pareceu legal no começo. Era bacana a ideia de conversar com gente que estava em outros países. Mas no final do primeiro dia, depois de 380 chamadas em 6 horas, já tinha ficado claro: não, aquilo não era bacana. Em seis meses eu estava com o cérebro cozido. Em um ano, com cérebro frito, e um diagnóstico de tendinite. Em dois anos, o conceito de “feriado” e “fim de semana” já tinha desaperecido da minha cabeça. A coisa funcionava 24 horas por dia, 7 dias por semana. Só o executivo que tomava conta da parada toda tirava sábado e domingo. Lá no chão da fábrica, a gente folgava quando dava. Quase sempre de dia de semana.

Meu horário lá (11h às 17h) coincidia com o do almoço. Mas não tem “hora de almoço” em turno de 6 horas. O que a gente tinha era o direito de passar 5 minutos sem atender ligações a cada uma hora, e o de tirar 15 minutos para tentar comer alguma coisa no bar do Cássio – um dos poucos lugares que vendiam comida lá por perto, num canto da Penha que ficava longe não só do centro de São Paulo, mas do centro da Penha também.

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Não estou pagando de coitado, de vítima. Sei que há empregos bem piores. Sei que existe trabalho escravo. Mas perrengues são relativos. Esse foi o meu trampo perrengue. Perto daquilo, o que eu faço hoje aqui na redação é vagabundagem.

O que me vem na cabeça quando lembro daquela época, porém, não é a tendinite, o tédio, a raiva, o salário piada, o cérebro derretendo a cada chamada, a obrigação de segurar a bexiga quando batia vontade de ir ao banheiro logo depois te ter tirado meus 5 minutos. Não. O que vem são as feijoadas que a gente mandava para dentro naqueles 15 minutos (com cerveja E caipirinha, graças aos nossos metabolismos ainda adolescentes), as amizades fortes, as conversas com valor de terapia, daquelas que a gente vai tendo cada vez menos conforme fica velho. A cabeça filtrou o lixo, e guardado com carinho a parte boa. É isso, afinal, o que cabeças fazem todos os dias.

Se você tem certeza que está na merda, então, não se iluda: você está mesmo. Só cuida pra ter conversas boas, pra se aliviar, pra ser uma companhia pra quem gosta de você. Porque aí, quando a sua merda passar, é só disso que você vai lembrar.

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