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Enquanto o establishment tenta segurar a porta, sistema político brasileiro desmorona

Por Denis Russo Burgierman
Atualizado em 21 dez 2016, 10h38 - Publicado em 25 Maio 2016, 18h59

Como resolver nossos problemas, se um dos problemas é justamente o fato de que o sistema de resolver problemas pifou?

E agora, quem segura essa porta?
E agora, quem segura essa porta?

Durante a madrugada de segunda-feira, milhares de pessoas, piratas ou não, assistiram chocadas ao mais recente episódio do seriado Game of Thrones, que terminou com a cena do herói corpulento Hodor disposto a dar sua vida para segurar uma porta, enquanto o inferno inteiro se atirava sobre ela. Horas depois, antes mesmo que o sol nascesse, a semana política brasileira começou igualmente dramática, com a revelação de uma ligação telefônica de dois meses atrás entre o (já ex) ministro do planejamento Romero Jucá e o (também ex) presidente da Transpetro Sérgio Machado, discutindo estratégias para “estancar essa sangria” (a Operação Lava-Jato).

A conversa entre os dois macacos velhos da política em vários momentos revelava uma aflição que remetia à de Hodor: a sensação de que a casa estava caindo. Não é só a Polícia Federal que os dois temiam – é algo maior e mais profundo que isso. “Nenhum político desse tradicional não ganha eleição não”, disse o tradicionalíssimo político Jucá, em tripla negativa. Uma melancolia de fim de feira permeava a conversa.

Ao longo desta semana curta, vários analistas tentaram ajudar a segurar a porta, se esforçando para manter uma aparência de calma e normalidade e afirmando categoricamente que, com a demissão de Jucá, estava tudo resolvido. Mas a conversa telefônica, que disparou contra a reputação de quase todas as instituições da República – Supremo, Legislativo, governo, oposição, mídia – agravou a sensação de desmoronamento, e inspirou reportagens solenes na imprensa mundial. O sistema político brasileiro está em cheque, e é muito difícil imaginar o que precisa ser feito para consertá-lo.

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Afinal, sistema político é o mecanismo social para resolver problemas: se algo está errado no país, cabe a ele consertar. Duro é quando o sistema de resolver problemas dá problema, gerando um ciclo vicioso: o sistema político quebrado elege um Congresso ruim, que por sua vez é incapaz de consertar o sistema político, piorando o Congresso.

Tudo indica que, nas próximas eleições, um dos slogans mais populares entre os candidatos de todas as cores ideológicas será “eu sou contra o sistema”. Não é novidade: algo parecido está acontecendo em vários países do mundo. Na eleição presidencial americana, três dos quatro principais candidatos, na esquerda e na direita – Bernie Sanders, Donald Trump e Ted Cruz – são críticos radicais de seus próprios partidos e baseiam suas campanhas num discurso anti-establishment, “contra isso tudo”. Algo assim nunca havia acontecido antes na longa história democrática americana.

Mas, no Brasil, a crise é mais funda, e passa pela quebra definitiva na confiança entre governantes e governados, inspirada pela Lava-Jato. Em parte isso se deve ao fato de que a classe política brasileira virou uma espécie de casta – que tem benefícios, necessidades e interesses bem diferentes do resto da população. Com isso, ela deixou de ser “representativa” – se são uma casta, não podem mais decidir pelo Brasil inteiro.

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Já se nota nas redes sociais uma movimentação incomum – centenas de pessoas sem qualquer experiência política estão anunciando que pretendem disputar cargos legislativos nas próximas eleições. Só que esses largam em desvantagem – e, ainda que sejam eleitos, terão grandes dificuldades para causar impacto. As regras atuais do sistema são desenhadas para favorecer quem já está dentro dele e tendem a repelir mudanças. É muito improvável que haja uma grande renovação no Congresso Nacional, por exemplo, já que políticos de famílias políticas tradicionais ou aqueles que possuem currais eleitorais bem organizados são difíceis de vencer.

Esse não vai ser um problema fácil nem rápido para resolver, mas o pessimismo de Jucá na gravação que vazou talvez devesse ser razão de otimismo para o resto de nós. A terrível crise de credibilidade da política representativa pode ser o gatilho que levará a sociedade a exigir algo novo e diferente.

O que é essa coisa nova e diferente ninguém sabe ainda – o mundo inteiro está atrás dessa resposta. O que se sabe é que, com o tremendo aumento na complexidade de tudo, nossos sistemas políticos do século 19 ficaram obsoletos. Eles simplesmente não conseguem mais dar conta de representar os anseios, as necessidades e os interesses de nossas sociedades. Lamentemos a queda da porta ou não, um fato está dado: não há mais como segurá-la. Nem mesmo se tivéssemos um Hodor.

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