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Histórias esquecidas sobre os assuntos mais quentes do dia a dia. Por Felipe van Deursen, autor do livro "3 Mil Anos de Guerra"
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Guia histórico para entender a segunda temporada de “The Crown”

Entenda aquilo que a série mostrou apenas por alto (ou preferiu não mostrar)

Por Felipe van Deursen Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 22 dez 2017, 12h34 - Publicado em 22 dez 2017, 12h03

A segunda temporada de The Crown cumpriu o esperado e avança um pouco no tempo (não de cara, mas ao longo dos episódios). A suntuosa megaprodução da Netflix chega aos anos 1960 e mostra um casal real menos jovem (“ou de meia idade”, dizem alguns detratores da rainha). No início, sentimos a ausência de Winston Churchill (John Lithgow), que renunciou ao cargo de primeiro-ministro em 1955. Sob sua sombra, dois sucessores surgem na temporada: os também conservadores Anthony Eden (Jeremy Northam) (1955-57) e Harold MacMillan (Anton Lesser) (1957-63). Devemos nos acostumar: se The Crown chegar aos dias de hoje, veremos 13 mudanças de primeiro-ministro até chegar à atual, Theresa May.

+ Guia histórico para a primeira temporada de The Crown

Vejamos agora os momentos históricos tratados na temporada – e a verdade por trás de alguns episódios cruciais para a família real. Evidentemente, há spoilers. Então, se você não assistiu ainda, faça isso e volte depois. O blog não sairá daqui.

 

CRISE DE SUEZ
Em 1952, o coronel Gamal Abdel Nasser e seus homens derrubaram o rei Farouk. No ano seguinte, o Egito se tornou uma república, e em 1954 Nasser virou presidente. Ele promoveu a reforma agrária e a industrialização do país, que fora ocupado pelos britânicos de 1882 a 1922. Em 1956, Nasser nacionalizou o Canal de Suez, obra desejada desde o tempo do faraó Sesóstris III (séc. XIX a.C.) e tocada por britânicos e franceses 3,8 mil anos depois. Como a Zona do Canal ainda era ocupada pelos ingleses, a nacionalização surtiu como uma afronta em Londres, que lançou uma ação militar fracassada, tal qual a série mostra.

Mas a grande tensão do evento se deu entre Egito e Israel: Nasser proibira o trânsito de navios israelenses no canal, e o vizinho reagiu invadindo a Península do Sinai (com apoio de ingleses e franceses). A crise arrefeceu, mas 11 anos depois Israel tomou para valer a península das mãos de Nasser (que vinha investindo cada vez no nacionalismo árabe), durante a Guerra dos Seis Dias. Somente em 1979 o Sinai voltaria para o Egito.

A popularidade de Nasser em 1956 (Desconhecido/Domínio Público)

 

A TURNÊ DO PRÍNCIPE PHILIP
Na série, com o casamento em crise, a rainha Elizabeth II (Claire Fox) envia o Duque de Edimburgo, o príncipe Philip (Matt Smith), para uma viagem de cinco meses a bordo do iate real Brittania. A rainha encontra, entre os pertences do marido, uma foto de Galina Ulanova, uma notória bailarina russa, que realmente se apresentou na Inglaterra com o Bolshoi, em 1956. A cena, além de outros elementos na história, sugere um suposto caso extraconjugal. Em 1994, o casal real assistiu ao mesmo espetáculo, ao lado do então presidente russo, Boris Yeltsin. Elizabeth estava, aparentemente, triste.

Mas os casos de Philip são apenas rumores, embora ele tenha saído algumas vezes com outra dançarina, Pat Kirkwood, na época em que a esposa estava grávida do príncipe Charles. Kirkwood negou por anos a fio qualquer relacionamento, enfatizando que teria tido “uma vida mais feliz e mais fácil se o príncipe, em vez de visitar o camarim dela sem ter sido convidado, tivesse ficado em casa com a mulher, grávida”.

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Nada como ser um príncipe consorte para poder extravasar o macho-alfa reprimido pelo protocolo real. Em todos esses meses, o Duque de Edimburgo joga críquete com povos nativos e roda o mundo em aventuras e esportes. A série mostra (ou ao menos cita) o príncipe em vários lugares:

– Gibraltar (território britânico na costa sul da Espanha);

– Gâmbia (pequena colônia inglesa na costa atlântica da África, usada a partir do século XVII como entreposto de escravos);

– Mombasa (importante cidade costeira do Quênia, ainda uma colônia britânica, mas com crescentes movimentos pela independência);

– Victoria, capital de Seicheles (arquipélago no Índico que pertenceu ao Reino Unidos até 1976);

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– Colombo, capital do Sri Lanka (ex-colônia britânica, antigamente chamada de Ceilão);

– Papua Nova Guiné (país que passou por várias potências até passar ao controle australiano após a Segunda Guerra. Conquistaria a independência apenas em 1975, integrando a Comunidade Britânica, a Commonwealth);

– Tonga (arquipélago no Pacífico, então um protetorado britânico)

Além disso, Philip foi o primeiro membro da família real a cruzar o Círculo Polar Antártico (o que lhe rendeu o ingresso na Ordem do Nariz Vermelho) e inaugurou as Olimpíadas de Melbourne, na Austrália, em 1956.

 

“TONY”
Em 1960, a princesa Margaret (Vanessa Kirby) se casou com o fotógrafo Antony Armstrong-Jones (Matthew Goode) (que, apesar do desprezo que mostra pela realeza, ganha o título de conde e passa a ser conhecido como Lorde Snowdon). A série o mostra como um talentoso profissional, e seu currículo não diz o contrário, com trabalhos publicados na Vogue, na Vanity Fair e em outros veículos importantes da Inglaterra.

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Mas o auge do trabalho de Armstrong-Jones seria somente na década de 1970, especialmente no campo em que se destacou mais, o retrato. Ele fotografou David Bowie, Elizabeth Taylor, Marlene Dietrich, Laurence Olivier, Princesa Grace de Mônaco, Lady Di, Vladimir Nabokov, J.R.R. Tolkien, Meryl Streep, Tom Cruise e muitos outros (você pode ver as fotografias no site da National Portrait Gallery)

 

ATENÇÃO: se você não quiser saber o desfecho da relação entre a princesa e o fotógrafo, pule já para o próximo tópico

Princesa Margaret, 1965 (Dutch National Archives/Domínio Público)

A carreira continuou à toda. O primeiro documentário de Armstrong-Jones ganhou prêmios, incluindo o Emmy. Uma foto do Queen está na capa do Greatest Hits da banda (e um retrato do vocalista, Freddie Mercury, estampa um box da carreira solo dele). Isso veio depois do divórcio, em 1978. No mesmo ano, ele se casou de novo. Armstrong-Jones morreu em 13 de janeiro de 2017.

Armstrong-Jones, 1965 (Dutch National Archives/Domínio Público)

 

LORD ALTRINCHAM
O personagem que modernizou a monarquia existiu, como a série deixa claro. Seus textos na National and English Review, sua própria revista, de fato fizeram barulho na Inglaterra, assim como a entrevista na TV

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A rainha seguiu os conselhos de Altrinchan. Naquele mesmo ano, ela iniciou a tradição das mensagens televisionadas:

 

Em uma reunião de pauta, Altrinchan e seus colegas discutem outros assuntos além da apatia da soberana. Um deles foi “Sacerdotisas na Igreja Anglicana poderão salvá-la?”. A ordenação de mulheres era uma discussão na época, mas só virou realidade nos anos 70.

 

EDUARDO VIII E OS ARQUIVOS DE MARBURG
Como vimos na primeira temporada, Elizabeth II não esperava ser rainha na infância. Quando ela nasceu, o rei era seu avô, Jorge V, rei durante a Primeira Guerra. Ele morreu quando Elizabeth tinha 10 anos e foi sucedido pelo filho, Eduardo VIII. Mas, em um escândalo da época, o novo monarca abdicou do trono no mesmo ano (1936) para se casar uma cidadã americana que estava rumo ao segundo divórcio. Então, seu irmão assumiu a coroa como Jorge VI até morrer e ser sucedido pela filha mais velha, Elizabeth II.

Em 1945, 400 toneladas (!) de arquivos nazistas caíram nas mãos de americanos, ingleses e franceses. Os arquivos de Marburg, como ficaram conhecidos, revelaram a intrincada relação de Eduardo VIII com o nazismo. Não que isso fosse um mistério. Em 1940, no começo da Segunda Guerra, o ex-rei e agora Duque de Windsor foi nomeado governador das Bahamas, então um domínio britânico. Isso o afastaria do centro do conflito e o distanciaria dos nazistas. Mas, em vez de ir, ele passou uns meses em Lisboa, onde manteve contato com simpatizantes de Hitler.

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Em Portugal, o duque foi alertado que a viagem às Bahamas seria um risco para ele e sua esposa, e que ele poderia ser morto a mando do próprio irmão. Esse argumento fazia parte, na verdade, da trama para convencê-lo a aceitar o plano de Hitler. Por ser um suposto simpatizante do nazismo (pelo menos até o início da guerra ele era: meses após abdicar, encontrou-se com o próprio Hitler na Alemanha, com direito a saudação nazista e tudo) e por desejar um rápido acordo de paz na Europa, Eduardo VIII era o rei ideal que o Führer reinstalaria na Inglaterra ocupada, após o triunfo total nazista.

O episódio foca mais na divulgação dos arquivos e no impacto disso na família real, mas a interessante história dos 12 anos até a publicação passou batido, praticamente. Foram várias reviravoltas políticas (o primeiro-ministro Clement Attlee tinha permitido a divulgação, mas Churchill, em seu novo mandato, em 1951, retomou o veto) e constrangimentos internacionais (em 1946, a imprensa americana revelou que o país se comprometera a não expor o duque, o que demonstraria uma submissão intolerável dos EUA, recém-vitoriosos na guerra). Leia aqui para mais detalhes.

O duque e a duquesa de Windsor ao lado de você sabe quem, em 1937. (Desconhecido/Domínio Público)


OS KENNEDY
Em 1961, o Palácio de Buckingham abriu as portas para o novo presidente dos EUA, John F. Kennedy e a primeira-dama, Jacqueline Kennedy. O casal americano era um arrasa-quarteirão, e é possível que a rainha tenha se sentido insegura e quase eclipsada, como a série mostra. Jackie era um ícone da moda, Elizabeth II, não tanto. Jackie era culta, poliglota, cativante – a ponto de fazer a França e a Inglaterra pararem para vê-la.

Elas tiveram um momento a sós em um tour no palácio, mas não se sabe o que conversaram. Em todo caso, Jackie teria mesmo ficado pouco impressionada com a decoração e com o estilo e o cabelo da rainha. Além disso, o encontro posterior entre as duas, em 1962 – que na série é um solene rabo-entre-as-pernas perfumado com chá – realmente existiu. Não se sabe o contexto e, sobre a ocasião, a primeira-dama se limitou a declarar: “Não acho que eu tenha algo a dizer, a não ser o quão grata eu sou e o quão encantadora ela é”. 

E os momentos constrangedores, como a total falta de conhecimento do protocolo dos Kennedy, que pareciam uns caipiras republicanos americanos aos olhos soberbos dos monarquistas britânicos? O que se sabe é que houve uma tensão protocolar na lista de convidados. O evento não foi um jantar oficial, como o episódio deixa claro, mas ainda assim, é claro, as tradições deveriam se manter firmes. Por exemplo, divorciados não eram bem-vindos. A rainha não queria a presença da irmã de Jacqueline (um divórcio nas costas) e seu novo marido (dois divórcios). Jackie insistiu, negociou-se daqui e dali até que Elizabeth cedeu. Os dois puderam ir, e no lugar deles a rainha tirou a própria irmã e a tia, princesa Marina. Foi uma virada tática de jogo. Elizabeth sabia que Jackie adoraria uma foto ao lado de Margaret, a princesa muito mais estilosa que a irmã rainha. Ficou sem essa. “Nada de Margaret, nada de Marina, ninguém a não ser cada ministro da agricultura que eles puderam encontrar na Commonwealth”, teria reclamado Jacquie a um amigo, o escritor Gore Vidal. 

Philip, Jackie, Elizabeth e John, 5 de junho de 1961. (JFK Library/Domínio Público)

 

GANA
O episódio dos Kennedy envolve personagens gigantescos, mas é um caso anedótico, uma crônica de revista de celebridades do século XX – por mais deliciosa que a história seja. Mas no mesmo capítulo acontece algo realmente importante para a Comunidade Britânica no contexto da Guerra Fria, a crise em Gana.

Gana foi a primeira colônia da África Subsaariana a conquistar a independência, em 1957, reunindo dois territórios, a Costa do Ouro e Togolândia. Seu governante era Kwame Nkrumah, um homem que promovia o panafricanismo, que iniciou um processo de reforma agrária e que queria modernizar o país. Ele começou a flertar com a União Soviética ao mesmo tempo em que ameaçou cortar os laços de vez com a antiga metrópole. Para evitar que isso acontecesse, a própria rainha viajou à África para lidar com Nkrumah.

O roteiro da série amarra essa história com o encontro com a primeira-dama, como se essa atitude um tanto ousada de Elizabeth fosse uma resposta à atitude (e à personalidade) de Jacqueline Kennedy. Não foi bem assim. A rainha já pretendia ir a Gana, mas ficou grávida do príncipe Andrew e precisou cancelar a viagem. Enquanto isso, Nkrumah foi a Moscou, o clima esquentou na capital ganense, Acra, duas bombas explodiram, e havia temor real pela segurança da rainha, que ainda desejava a visita – afinal, “ela amava ser uma rainha, não uma marionete”, como dissera. “O quão tola eu iria parecer se tivesse medo de ir para Gana, só para [o líder soviético na época Nikita] Kruschev ir e ser bem recebido?”, perguntou ao primeiro-ministro, MacMillan. 

Elizabeth foi e conquistou Nkrumah no baile oficial a ela oferecido. McMillan ligou para Kennedy: “Eu arrisquei minha rainha, agora você arrisque seu dinheiro”. Os Estados Unidos patrocinaram a represa no rio Volta, que acelerarou o desenvolvimento de Gana. Mas Nkrumah se consolidou como um dos líderes mundiais do Movimento Não Alinhado, que não tomava partido na Guerra Fria (outra dessas lideranças era justamente o egípcio Nasser). Com isso (e com a movimentação da rainha), Gana permaneceu na Comunidade Britânica, e ainda assim fez muitos negócios com os soviéticos. 

  

Kennedy recebe Nkrumah nos EUA, em 1961. (John F. Kennedy Presidential Library and Museum/Domínio Público)

 

A ESCOLA DO PRÍNCIPE CHARLES
O emocionante episódio que trata a relação entre pai e filho, conectada por meio da fria escola escocesa Gordonstoun, onde tanto Philip quanto Charles estudaram, provocou uma resposta da diretoria da instituição. O episódio mostra a diferença que uma escola espartana pode fazer em um jovem atlético, cheio de si e encrenqueiro (Philip) e uma criança tímida, insegura e sem intimidade com aventuras ao ar livre (Charles).

Charles descreveu os anos que passou lá como um inferno, mas a direção da escola lembrou que, nos anos 1970, ele deu um discurso bem mais brando na Câmara dos Lordes (a câmara alta do Parlamento britânico): “Vivo me espantando com a quantidade de clichês usada para descrevê-la. Foi difícil no sentido de exigir mais de você como indivíduo do que a maioria das outras escolas – mental ou fisicamente. Tenho sorte, pois acredito que ela me ensinou muito sobre mim e minhas próprias habilidades e deficiências. Ensinou-me a aceitar desafios e tomar a iniciativa – como eu seria corajoso o suficiente para me levantar diante dos senhores agora?”. Além disso, em uma entrevista, ele disse: “Eu não gostei da escola o quanto eu poderia ter gostado, mas é só porque sou mais feliz em casa do que em qualquer outro lugar.”

“Mais feliz em casa do que em qualquer outro lugar.” Essa declaração conversa com o tom do episódio, talvez o melhor de toda a temporada por mostrar as cicatrizes que o bullying pode causar, até mesmo (ou por isso mesmo) no herdeiro da monarquia mais poderosa do Ocidente.

 

Aqui, imagens reais dos eventos da série:

Recepção à rainha em Acra, Gana:

 

Reverendo Billy Graham em Londres:

 

Casamento da princesa Margaret:

 

Príncipe Charles vai à escola:

 

Expedição do Duque de Edimburgo na Antártida:

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