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Histórias esquecidas sobre os assuntos mais quentes do dia a dia. Por Felipe van Deursen, autor do livro "3 Mil Anos de Guerra"
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Há 100 anos, mesmo oficialmente em guerra, Brasil teve Carnaval

País havia declarado guerra à Alemanha três meses antes. Mas, com o conflito distante e sem mudar a vida do povo, a folia correu solta.

Por Felipe van Deursen Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 12 fev 2021, 12h22 - Publicado em 8 fev 2018, 13h09

“Cartas do Rio

Das notícias aqui, as que seriam interessantes comentar não podem ser comentadas: a censura não permite.

Uma preocupação muito geral é a de saber se haverá Carnaval. Pouco a pouco, ao menos nas camadas mais cultas da população, uma onda de indignação se está levantando contra essa ideia selvagem, que nos desonraria aos olhos dos estranhos.

Há quem diga que a população fluminense tudo pode dispensar, menos o Carnaval. (…) Ora, é incontestavelmente um tendência deplorável a de quem não abster-se de festas, quando deve manifestar pesar por qualquer lutuoso acontecimento (…) Há uma guerra. Nós somos parte nela. Insultados, tomamos nosso lugar ao lado dos povos, que se batem, pela Liberdade e o Direito (…)

Diante dele, seria um ato inominável que, enquanto nossos Aliados se batessem a obuses e granadas, ceifados às centenas e aos milhares, dando seu sangue pela causa comum, – nós nos batêssemos a “confetti”, serpentinas e “lança-perfumes”, entre flores e mascarados… E enquanto lá na Europa passam a cada instante padiolas carregando mortos e feridos – aqui passassem carros carnavalescos, com prostitutas seminuas…(…) Atualmente, para as viagens de um a outro Estado pede-se frequentemente a exibição da carteira de identidade e mesmo um passaporte ou salvo-conduto. Como, em uma tal situação, permitir o uso de máscaras? (…) Se tal coisa suceder, não é possível que ninguém nos tome a sério.

(…)

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Medeiros e Albuquerque, O Estado de S.Paulo, 3 de fevereiro de 1918*”

 

Assim se manifestou o Estadão quanto ao Carnaval de 1918, que seria dali a uma semana. Afinal de contas, o Brasil estava, oficialmente, em guerra contra a Alemanha desde o ano anterior, engrossando o teor Mundial da Primeira Guerra. Em 4 de abril de 1917, o vapor Paraná, maior navio mercante do Brasil, mesmo exibindo a bandeira nacional, como se pede, foi afundado pelo submarino alemão UB-32 na costa da França, inimiga dos germânicos.

Após o episódio, o país rompeu relações diplomáticas com a Alemanha. Em maio, outros dois navios brasileiros foram atacados. Em resposta, o governo tomou 35 navios alemães atracados em portos brasileiros. Um deles foi incorporado à frota nacional. E foi justamente esse, o Macau, que, ao ser torpedeado pelo U-93, fez o Brasil declarar guerra contra o Império Alemão, em 26 de outubro de 1917. O clima no país era propício. Manifestações nacionalistas e ataques a propriedades de alemães no Sul e em São Paulo mostravam que parte da população queria que o governo tomasse uma iniciativa

“Até hoje, porém, não mandamos para as linhas de batalha combatentes de espécie alguma”, lembra o editorial pré-carnavalesco do Estadão, escrito mais de três meses depois. A Divisão Naval de Operações de Guerra (DNOG), que patrulharia a costa ocidental da África, partiu de Fernando de Noronha rumo a Dakar, Senegal, somente em agosto de 1918. Depois, o Brasil enviaria também uma missão médica e um grupo de oficiais do Exército à França.

Marcelo Monteiro, autor do livro U-93: A Entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial, explicou, à DW Brasil, que a participação brasileira foi simbólica, antes de tudo. Foi menos importante militar do que geopoliticamente (o país foi um dos 32 que integraram a Conferência de Paz em Paris, em 1919, que levou ao Tratado de Versalhes, o pacto que encerrou a Grande Guerra). De fato. O Brasil teve um saldo de quase 200 mortos na Europa. Muito menos, por exemplo, do que em uma guerra civil aqui que terminara pouco tempo antes, em 1916: o conflito entre a comunidade de base mística do Contestado, região entre Paraná e Santa Catarina, e as forças do governo deixou, em quatro anos, algo entre 3 mil e 10 mil mortos.

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Mas, ainda assim, como o texto do Estadão deixa claro, parte da elite intelectual queria que o povo se comportasse como uma nação em guerra, mesmo que “simbolicamente”. Seis anos antes, outra sombra cobriu a folia. Em 10 de fevereiro de 1912, morreu o Barão do Rio Branco, diplomata que ajudou a garantir o Acre e as fronteiras do Amapá, um monarquista respeitado e admirado nas rodas republicanas. Foi um dos maiores nomes da história do Brasil, tão grande que o governo decretou luto oficial e transferiu o Carnaval de 17 de fevereiro para 6 de abril.

Apesar de lojas e repartições públicas permanecerem de portas fechadas, o Carnaval como o calendário lunar indica e sua majestade imperial e foliã, o Rei Momo, determina – ou seja, naquele ano de 1912, em meados de fevereiro – aconteceu assim mesmo. E com direito a repeteco, afinal, foi o presidente que disse que sim, oras. Então, em abril, teve de novo e 1912 ficou conhecido como o ano dos dois Carnavais. Graças a Rio Branco. E com direito a marchinha de humor negro:

“Com a morte do Barão/tivemos dois carnavá/Ai que bom, ai que gostoso/Se morresse o Marechá”o “Marechá” era o Marechal Hermes da Fonseca, presidente da República entre 1910 e 1914. 

Se nem a morte de uma figura histórica, mesmo que de maneira não trágica, já em idade avançada, não segurou a folia em casa, uma guerra distante, em que a participação brasileira nem tinha começado para valer, faria o quê?

Sim, teve Carnaval em 1918, com o Brasil oficialmente em guerra e tudo. E não foi pouco Carnaval. Em São Paulo, a revista A Cigarra, disponível hoje no Arquivo Público do Estado de São Paulo, deu bastante destaque ao “Corso na Avenida”, o Carnaval na Avenida Paulista:

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Há um século, já tinha fantasia de grupo. E bebês, pelo visto, sempre foram um sucesso (A Cigarra/Reprodução)

 

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Já os pierrôs não são mais tão comuns (A Cigarra/Reprodução)

 

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Naquela época, o prefeito de São Paulo participava da folia: Washington Luís, que seria presidente do Brasil de 1926 a 1930 (A Cigarra/Reprodução)

 

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Não tinha flamingo nem unicórnio, mas tinha ganso (A Cigarra/Reprodução)

 

No Rio de Janeiro, aquele Carnaval ficou marcado por ser o último da história sem o maior e mais longevo de seus blocos. Em dezembro, um mês após o fim oficial da Primeira Guerra, Caveirinha, Chico Brício, Eugenio Ferreira, João Torres, Oliveira Roxo, Joel, Jair e Arquimedes Guimarães fundaram o Cordão da Bola Preta, que já desfilaria no pré-Carnaval, antes mesmo do Réveillon.

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O Bola Preta, 100 anos atrás (Bola Preta/Reprodução)

 

Se a participação brasileira na Primeira Guerra foi mais diplomática que militar, que bom que o povo correspondeu com o melhor da nossa diplomacia. Na rua, coberto de confetes.

Que bom que teve Carnaval.

 

*Texto atualizado para a ortografia atual

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