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Por Maria Clara Rossini
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Marcela Uliano monta quebra-cabeças de DNA para organizar a árvore da vida

O genoma de todo ser vivo é picotado antes de ser lido. A #MulherCientista desta semana usa algoritmos para juntar os pedaços de volta na ordem certa.

Por Maria Clara Rossini
Atualizado em 3 ago 2022, 11h03 - Publicado em 25 jun 2021, 20h32

Ler o DNA de qualquer ser vivo é como montar um quebra-cabeça. Um quebra-cabeça com milhares de peças minúsculas, em que você não sabe qual é a imagem final. Ou melhor: é como se a imagem final fosse um céu liso e azul, sem nenhuma nuvem. Milhares de peças iguais, que poderiam facilmente se encaixar em qualquer lugar da imagem.

É assim que a bioinformata Marcela Uliano-Silva descreve o sequenciamento do genoma. Ela monta quebra-cabeças de várias espécies em um dos principais institutos de genômica do mundo: o Wellcome Sanger Institute, no Reino Unido. 

Uliano-Silva começou a carreira de pesquisadora estudando mexilhões-dourados no Brasil. Ela conheceu os mexilhões durante a graduação em biologia na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e trabalhou com eles durante o mestrado e doutorado, realizados na Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Esses mexilhões merecem atenção porque eles não são tipicamente do Brasil. O Limnoperma fortunei é uma espécie invasora que foi introduzida no país em 1990 por navios mercantes. Sem predadores naturais, o mexilhão-dourado se tornou uma praga em lagos e rios do Brasil. Ele entope as tubulações de usinas hidrelétricas e se espalha em regiões que seriam ocupadas por outros animais, o que coloca a biodiversidade nativa em risco. 

Um jeito de entender por que o mexilhão-dourado se adaptou tão bem ao Brasil é olhando seu genoma. Inicialmente, Uliano-Silva fez o sequenciamento apenas dos genes dos mexilhão (ou seja, aqueles trechos do DNA que codificam proteínas), mas logo viu que precisaria sequenciar o material genético inteiro para entender as características do animal.

Agora que entramos no quebra-cabeça. O DNA de todos os seres vivos é composto por uma longa sequência de moléculas adenina, timina, citosina e guanina, representadas pelas letras A, T, C e G. No genoma humano, por exemplo, existem 3 bilhões de repetições dessas letras, que são chamadas de pares de base. Mas não existe nenhuma tecnologia capaz de escanear as fitas de DNA de uma vez só. O material genético, então, é cortado em partes menores, como as peças do quebra-cabeça. E aí o trabalho dos bioinformatas é montar tudo de volta para que o resultado seja o mais próximo possível da realidade. 

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Como montar o genoma sem saber a imagem final? Afinal, a sequência AACGT vem antes ou depois da GTCGA? Aí é que entra a informática. O DNA é cortado de uma maneira que “sobram” alguns trechinhos que podem ser sobrepostos. No exemplo acima, o AACGT viria antes do GTCGA, porque as letras GT se repetem. Então o resultado desses dois pedaços juntos seria AACGTCGA.

Agora imagine isso em uma escala bilhões de vezes maior. Ninguém consegue verificar os trechinhos um por um, então os bioinformatas programam algoritmos para fazer essa sobreposição, além de comparar os pedaços de DNA com o de espécies próximas já sequenciadas.

Enquanto estudava o mexilhão-dourado, Uliano-Silva aprendeu a utilizar programas já existentes e também programar novos algoritmos. Um dos que ela programou, por exemplo, ajuda a identificar o DNA mitocondrial da espécie.

A pesquisadora fez seu pós-doutorado na Alemanha, onde sequenciou o genoma do bicho-preguiça. O que chama a atenção no animal é que ele existe apenas na América Latina – e sua evolução isolada o tornou tão único quanto os ornitorrincos e cangurus australianos.

Ele é o único quadrúpede com os membros invertidos (os braços e pernas virados para dentro) e é o mamífero com o menor metabolismo do mundo. O objetivo da pesquisadora é entender como essas características tão peculiares evoluíram e sobreviveram até hoje. Os resultados da pesquisa devem sair em breve.

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Atualmente, Uliano-Silva também trabalha em um dos projetos de sequenciamento mais ambiciosos da Europa, chamado Darwin’s Tree of Life (“Árvore da Vida de Darwin”), do Instituto Wellcome Sanger. Eles pretendem sequenciar o genoma de todos os seres vivos eucariontes que habitam a Grã Bretanha e a Irlanda. A pesquisadora faz parte do time de genome assembly (“montagem de genoma”), que recebe os trechos já sequenciados e os organiza para montar o genoma final.

Hoje em dia existe uma vantagem em comparação à época dos mexilhões: as peças do quebra-cabeça ficaram maiores. Durante o doutorado, Uliano-Silva teve que juntar 20 mil trechos cortados de DNA, enquanto hoje ela pode fazer o trabalho com 80 peças. O quebra-cabeça nível hard agora se assemelha mais a um jogo de criança.

É por isso que a pesquisadora está orientando um doutorando que está sequenciando o genoma do mexilhão-dourado novamente. Existe um esforço na biologia para refazer os genomas de todos os seres vivos de uma forma mais precisa. Afinal, é mais provável que você encaixe alguma peça errada em um quebra-cabeça de peças pequenas do que em um de peças grandes.

Uliano-Silva também é líder do comitê de diversidade, inclusāo, equidade e justiça do Earth Biogenome Project, que pretende sequenciar os genomas de todos os seres vivos da Terra. A ideia do comitê é fazer com que haja diversidade entre os pesquisadores envolvidos no projeto, incluindo países em desenvolvimento, como o Brasil, para que também sejam protagonistas na montagem do maior quebra-cabeças biológico do mundo.

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