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Por redação Super
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A breve história do “Parabéns pra você” – a canção mais famosa do mundo

Ela rendeu US$ 2 milhões por ano para a Warner – e chegou ao Brasil em um concurso da rádio Tupi com a Academia Brasileira de Letras.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 2 mar 2021, 13h38 - Publicado em 5 set 2019, 17h38

Algumas canções dão a impressão de sempre terem existido. E “Parabéns pra você” dá a impressão de ser uma delas. Não é: foi composta em 1893 por Patty Hill, diretora de uma escola de educação infantil na cidade de Louisville, nos EUA, e sua irmã, Mildred Hill, que além de pianista experiente foi pioneira da área de etnomusicologia (isto é, o estudo da música no contexto do grupo étnico que a produz).

A canção era parte de uma coletânea de partituras intitulada Song stories for the kindergarten (em português, “histórias cantadas para o jardim de infância”), composta para uso em aula e publicada em 1894. Originalmente, a letra de happy birthday to you dizia good morning to all (“bom dia a todos”). A versão de aniversário só surgiu em 1912, e é anônima.

Ninguém sabe se as irmãs bolaram a quadrinha do zero ou se ela foi inspirada em uma melodia folclórica pré-existente. Mas a maior parte da documentação disponível aponta para o segundo caso. Mildred, graças a sua experiência com antropologia e etnografia, conhecia bem a música popular da época. E canções parecidas estavam na ponta da língua das crianças do século 19.

“Havia numerosas canções populares do século 19 que eram substancialmente similares, incluindo “Happy Greetings to All” de Horace Waters, publicada em 1858”, escreve o professor de música Kembrew McLeod, da Universidade do Iowa. “Isso sugere uma melodia, um título e uma letra emprestados livremente, que foram usados e retrabalhados ao longo do século.” Outros acadêmicos afirmam que McLeod exagerou, e que os exemplos mais antigos que ele cita no máximo inspiraram Mildred.

A herança do blues

Mildred tinha muito repertório, e possível encontrar as raízes do “Parabéns” em seu trabalho acadêmico. Em um artigo publicado no periódico especializado Music em dezembro de 1892, ela analisa a tradição musical afro-americana – e já identifica, nas canções dos escravos do sul dos EUA e seus descendentes, os elementos essenciais do que se tornaria o blues (para se esquivar do machismo da época, ela assinava com um pseudônimo masculino – Johann Tonsor).

Um deles é a escala pentatônica. Ela consiste em cinco notas, em vez das sete da escala diatônica maior – que é a escala em que se baseia a música europeia erudita. Outro é a blue note – uma nota que não pertence à pentatônica, mas é adicionada estrategicamente para transmitir melancolia e incerteza. Por fim, há a síncope – o ritmo quebrado que no Brasil é uma característica essencial do samba.

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Mildred previu corretamente que esses três elementos se tornariam alicerces da música popular dos EUA. De fato, a pentatônica se infiltrou em todos os descendentes do blues: é a sequência de notas mais importante do funk, do soul e do rock n’roll. Solos como os de “Comfortably Numb” (Pink Floyd) ou “Stairway to Heaven” (Led Zeppelin) giram em torno desse jogo de cinco notas. 

A melodia e a letra do “Parabéns pra você”, de acordo com o crítico de música Stephen Burton, ecoa a estrutura de versos dos spirituals – os lamentos entoados em coro pelos negros nas plantações, que foram a semente do blues.

“Ela consiste em uma melodia de seis notas”, escreve Burton. “Aí as palavras se repetem, e o motivo melódico também, mas um degrau mais alto. Ele se repete ainda uma terceira vez, ainda mais alto, e então emenda uma quarta repetição, voltando para baixo. É um arco perfeito, ou o que Leonard Bernstein [um famoso maestro] chamava de método de composição preparar (verso 1), apontar (verso 2), fogo (versos 3 e 4). O estudo dos spirituals negros certamente influenciou nesse construção repetitiva.”

Realmente: até hoje o blues segue um padrão muito parecido. O primeiro verso é repetido duas vezes, na segunda, a melodia é mais aguda que na primeira. O terceiro verso é diferente, mais longo, e cantado em cima do trecho em que a música completa um ciclo e volta para o começo. Veja a estrofe abaixo, de “Everyday I have the blues”.

Nobody loves me, nobody seems to care.
(“Ninguém me ama, ninguém liga pra mim.”)

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Yes, nobody loves me, nobody seems to care.
(“Pois é, ninguém me ama, ninguém liga pra mim.”)

Speaking of worries and trouble darling, you know I’ve had my share.
(“Falando em dúvidas e angústias, meu amor, você sabe que tive muitas.”)

Compare com o “Parabéns” em inglês:

Happy birthday to you
Happy birthday to you
Happy birthday, dear John, happy birthday to you.

Essa repetição hipnótica, somada à facilidade de cantar a melodia, formam a música infantil perfeita. É muito difícil compor algo tão simples e ao mesmo tempo capaz de sobreviver a um século sem alterações.

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Esse breve histórico aí em cima é um resumo do trabalho de Robert Brauneis, professor de Direito na Universidade George Washington que dedicou anos a pesquisar as origens da música – um de seus PDFs está aqui. O que deve ter feito você se perguntar: o que um professor de direito tem a ver com isso?

O processo

É que esse foi só o começo da saga do “Parabéns”. Entre 1915 e 1935, conforme a ideia de celebrar o aniversário com uma festa virou moda entre famílias de classe média, a canção se espalhou pelos EUA. Foi um meme do entreguerras – um meme no sentido que Richard Dawkins, o biólogo que criou o termo, o utiliza: uma pequena unidade de informação cultural que, por ser mais “chiclete” que outras parecidas, se replica de boca em boca, feito um vírus.

Hoje, há versões do “Parabéns” em no mínimo 18 línguas. Ela é uma das únicas canções de domínio público que praticamente todo habitante do Ocidente aprendeu por transmissão oral em um contexto familiar – algo extremamente raro, que remete à maneira como a música é ensinada em povos caçadores-coletores.

Com um porém: ela não é exatamente de domínio público. O livro de músicas infantis das irmãs Patty e Mildred foi editado por Clayton F. Summy, e a Summy Co. se tornou detentora dos direitos autorais. A empresa, que fazia gravações, publicava partituras e chegou até a construir pianos, foi vendida em 1932, dois anos antes da morte do patrão Summy, para um certo John F. Sengstack. Ele, por sua vez, comandou a companhia até 1958, quando morreu e legou o negócio para seu filho, que vendeu tudo para a Warner em 1988. Nessa altura, a empresa já detinha 50 mil títulos e valia US$ 25 milhões.

Enquanto isso, Jessica Hill, herdeira das irmãs Patty e Mildred, ficou responsável pelo copyright do “Parabéns”. Na época, os direitos sobre uma composição valiam por 28 anos e podiam ser renovados para um segundo período de igual duração. O original, referente à publicação em 1893, valeu até 1921, e foi estendido até 1949. E a história deveria ter acabado por aí. Mas não acabou.

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Quando a Warner adquiriu os direitos sobre a música, em 1988, ela fez uma manobrinha semântica para afirmar que a primeira publicação datava de 1935 – ano em que uma partitura com um arranjo de piano e a letra já na versão de aniversário foi lançada. Colou. E pela lei de copyright, isso garantiria os direitos sobre a melodia até 2030.

Assim, a Warner conseguiu fazer em média US$ 2 milhões por ano processando filmes, programas de rádio e outros produtos audiovisuais que contivessem a filmagem de uma festa de aniversário. Era uma mina de ouro. Os magnatas só perderam a briga na justiça em fevereiro 2016, quando uma documentarista chamada Jennifer Nelson, que teria que pagar US$ 1,5 mil para reproduzir a canção, entrou com um processo – e o juiz George H. King, após avaliar o histórico do caso, declarou que ela já era de domínio público. 

Versão brasileira, Herbert Richers

A tradução brasileira da música – bem mais sofisticada que a original em inglês, sem versos repetidos – nasceu em 1942. É obra da farmacêutica Bertha Celeste Homem de Mello, que morou em Pindamonhangaba, no interior de São Paulo, até sua morte aos 97 anos em 1999. Em 1942, um locutor da Rádio Tupi fez um concurso para escolher a melhor versão brasileira do coro. Sob o pseudônimo Léa Magalhães, Bertha levou a melhor dentre 5 mil participantes.

Em um texto escrito para a SUPER em 2001, o escritor Max Gehringer conta: “O júri encarregado da escolha era composto por membros da Academia Brasileira de Letras: Olegário Mariano, Cassiano Ricardo e Múcio Leão, e os três se encantaram com o versinho de Bertha Celeste, por dois motivos: era um dos poucos que tinha quatro linhas diferentes (a maioria preferiu repetir a mesma frase quatro vezes). Dava de goleada até na letra original…”

“Bertha Celeste tinha 40 anos quando escreveu a quadrinha de “Parabéns a Você”. Depois de se tornar conhecida em todo o Brasil, doutorou-se em Letras e dedicou-se à poesia (a coletânea de sua obra está no livro Devaneios). Aos 54 anos de idade mudou-se para a cidade vizinha de Jacareí, onde lecionou por mais dez anos e onde viria a falecer em agosto de 1999, aos 97 anos, de pneumonia.”

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Quando comecei a escrever este texto, hoje cedo, não fazia ideia de que até uma reportagem antiga da SUPER estaria nele. E nem entrei no bordão “é pique, é pique…” – que, por si só, vai render outro textão. Até lá!

 

 

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