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Por redação Super
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As grandes migrações da humanidade não foram migrações. Entenda.

A ocupação da América, há 15 mil anos, começou no estreito de Bering, mas não com uma travessia corajosa. Na verdade, ninguém nunca teve intenção de viajar.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 11 Maio 2018, 09h10 - Publicado em 9 Maio 2018, 15h56

Há cerca de 15 mil anos, um minúsculo grupo de nômades corajosos usou a ponte de gelo que unia os atuais territórios da Rússia e do Alasca para cruzar o estreito de Bering ao melhor estilo Moisés – e deu origem a toda a população que habitaria o Novo Mundo da pré-história até a chegada de Colombo, em 1492. Certo? Bem, não. A realidade, como sempre, é bem menos emocionante que um filme da Record.

O primeiro mito é que essa população fundadora chegou à América em uma tacada só, como um grupo coeso de viajantes. “A imagem do Moisés é meio inescapável”, admite o geneticista gaúcho Nelson Fagundes, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Mas a melhor maneira de entender essa ‘migração’ é imaginar que um grupo de pessoas se expande espacialmente e passa a ocupar os territórios adjacentes, sendo que eventualmente parte da área de onde se originou a migração pode ser abandonada.”

Um exemplo hipotético: imagine que um nativo da Sibéria pré-histórica tenha um filho. Aí esse filho cresce, conhece uma moça e vai morar com ela um pouquinho mais ao norte do lugar em que nasceu. Esses dois não fazem a menor ideia de que são os primeiros seres humanos da história a botar o pé ali. Quando as crianças deles, por sua vez, nascerem, crescerem e se emanciparem, elas talvez também façam algo parecido. E assim, de geração em geração, o território dessa população aumenta sem que ninguém se dê conta disso – sem que ninguém jamais tenha tido a intenção consciente de viajar.

Uma hora, alguém inevitavelmente vai estabelecer domicílio (para usar o termo do IBGE) em uma massa de terra que hoje atende pelo nome de América. Na época ela não tinha nada de diferente, até porque Ásia e América estavam conectadas por uma ponte de terra chamada “Beríngia”. Esse cidadão não tinha intenção de fazer história, naturalmente. Era só mais um habitante da periferia de uma tribo em expansão. Toda grande migração pré-histórica foi assim. Sem querer. Nada de refugiados fugindo da Síria pelo leste europeu ou de navios clandestinos cruzando o Mediterrâneo.

“Atualmente, se imagina que houve várias ondas migratórias distintas para as Américas, sendo uma delas principal em relação às demais, explica Fagundes. “Alguns autores propõem que é melhor imaginar o povoamento do nosso continente como uma migração principal seguida de contato secundário, via Bering, com outras populações.” Em outras palavras, uma leve salada, sem fronteiras claras entre grupos que atravessaram e grupos que ficaram para trás.

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No começo de maio, o professor da UFRGS publicou, em parceria com outros pesquisadores brasileiros e estrangeiros, um artigo científico em que tenta calcular qual é foi o tamanho dessa onda migratória principal. Ou seja: quantos siberianos de fato vieram morar, caçar e coletar no Novo Mundo – e que acabaram se tornando os avós de todos os nativos americanos: Esquimós, Apaches, Maias, Astecas, Incas, Tupinambás e por aí vai.

Os primeiros americanos deixaram pouquíssimos esqueletos e nenhum registro escrito, então o único jeito de descobrir mais sobre eles é analisando o DNA de seus descendentes: nós. A lógica é a seguinte: se você descobrir trechos de código genético que estão presentes em todos os nativos, do Alasca ao Chuí (ou melhor, à Terra do Fogo), você terá descoberto, por tabela, alguns dos genes que eram carregados pelos primeiros habitantes de Bering.

Tudo bem, não qualquer “nós”: se seu sobrenome é “Müller” ou “Aguilar”, você provavelmente tem muito material genético europeu no sangue, e aí não adianta muita coisa. Para garantir que a amostra fosse americana de verdade, Fagundes e sua equipe selecionaram dez voluntários oriundos de grupos étnicos de toda a América que não se misturaram tanto assim com os europeus nos últimos 500 anos – entre eles, índios brasileiros Arara, Waiwai, Xavante e Zoró.

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Depois, compararam esse material todo gene por gene. Se um índio do Brasil e um do Canadá têm genes muito parecidos entre si, por exemplo, significa que eles são filhos de uma população pequena, em que já não havia muita variabilidade genética para começo de conversa. Por outro lado, se eles forem muito diferentes, é porque o número de siberianos que fundaram a América foi relativamente alto, e forneceu às populações nativas uma variedade genética razoável.

Feitos os cálculos acima – acredite, não é porque a faculdade é de biologia que dá para pular a aula de matemática –, Fagundes e equipe concluíram que a onda migratória principal (margem de erro à parte) tinha apenas 250 indivíduos. Não fosse um problema: eles não são bem indivíduos. São perfis genéticos, que não necessariamente correspondem a pessoas de carne e osso.

Ficou confuso, mas não é. Entenda assim: seu material genético é 50% do seu pai e 50% da sua mãe. É muita coisa de cada um. Do ponto de vista demográfico, é quase como se eles, você e seus irmãos fossem uma pessoa só. Sim, vocês têm todos rostos e corpos diferentes, mas seus genes são tão parecidos que, na prática, vão contribuir mais ou menos da mesma maneira para a posteridade.

Ou seja: esses  “indivíduos” do ponto de vista genético talvez correspondam  mesmo a uma só pessoa que viveu há 15 mil anos – mas podem tão bem quanto ser uma espécie de média genética” de famílias que na verdade eram compostos de 10 ou 15 pessoas. Nunca saberemos. Eu sei que essa é uma explicação muito frustrante, porque, afinal, a gente quer saber quantas pessoas havia de fato”, diz Fagundes. A gente quer ‘ver o filme’ desse processo – e não daria um bom filme com atores e atrizes que fossem bolinhas em um gráfico.

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Você não deve encarar com decepção o fato de que, no estudo genético da pré-história, migrações não são bem migrações e de que indivíduos não são bem indivíduos. Pelo contrário, fique feliz: esse tipo de ponderação é sinal de que a ciência está sendo feita do jeito certo. Seria muita pretensão achar que é possível reconstituir, detalhe por detalhe, um fato que ocorreu há 15 mil anos. Ter uma aproximação dessas já é ótimo: atestado do quanto esse macaco cabeçudo chamado Homo sapiens é capaz de decifrar o segredo da própria existência. 

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