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Por redação Super
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O primeiro (e cruel) sintetizador: o piano de gatos

No século 17 um inventor alemão bolou um instrumento em que cada gato, com o rabo espetado, produzia uma nota. A engenhoca, ainda bem, nunca saiu do papel.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 29 jan 2020, 11h20 - Publicado em 25 ago 2017, 17h34

O YouTube é um lugar peculiar. Por lá, batidas de carro na Rússia e a extração de cravos e espinhas têm audiência cativa, e há um vídeo de 10 horas (!) inteiro dedicado a um gato tocando órgão.

O fato é que Felis catus com jeito para a música já eram piada muito antes da internet. A Sonata em Sol menor K. 30, lançada em 1739 pelo compositor italiano Domenico Scarlatti, passou a ser conhecida, no século 19, como a Fuga do Gato. O motivo são as seis primeiras notas da composição – uma simulação do som que o gato de estimação do músico, Pulcinella, fazia ao caminhar rapidamente sobre as teclas do clavicórdio. Ninguém sabe se isso é verdade, mas que parece, parece. Use a música de trilha sonora para ler o resto, se quiser. 

Pena que a relação entre música e bichanos também tem seu lado cruel. Se há gatos que tocam teclado, também há teclados que tocam gatos. Essa história começa na Alemanha, no tempo de Descartes e Galileu.

O jesuíta alemão Athanasius Kircher, nascido em 1602, foi classificado como o pós-modernista do século 17 pelo New York Times. Ele era um intelectual à moda antiga – manjava de física e matemática, mas também de música e artes plásticas, sem distinções ou diplomas. Uma de suas obras, Musurgia Universalis (que Frederick Crane, da Universidade de Iowa, fez o favor de traduzir para o inglês), contém ensaios sobre instrumentos musicais – e um deles contém as instruções para um certo Katzenklavier (“piano de gatos”, em alemão).

“Não há muito tempo, para afugentar a melancolia de um grande príncipe, um notável e engenhoso inventor assim construiu um instrumento: ele pegou gatos vivos de todos os tamanhos e os trancou em uma caixa feita especialmente para este fim, de forma que suas caudas, passadas por buracos, forem inseridas em certos canais. Debaixo destes pôs ele (…) teclas com extremidades pontiagudas em vez de martelos. Então ele organizou os gatos de forma tonal, para que cada tecla correspondesse à cauda de um gato, e colocou o instrumento pronto para o relaxamento do príncipe [tradução livre].”

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Sim, é isso mesmo que você está pensando. Como cada gato, pelo menos em teoria, mia em uma frequência, é possível, com alguma paciência, encontrar um gato que corresponda a cada nota musical de um instrumento de teclas. Faça as teclas espetarem o rabo dos gatos corretos e bingo: você terá um piano de gatos (e uma máquina de tortura, evidentemente).

A história, ainda bem, é só ficção. Na prática, mesmo que você catalogasse todos os gatos da sua cidade com um afinador eletrônico, seria quase impossível encontrar bichanos que miassem notas nos intervalos necessários para a construção de um instrumento. O terceiro “dó” do piano, por exemplo, tem 261 Hz. Um gato de 262 Hz até faria um dó convincente, mas 268 Hz já seria algo imperdoavelmente desafinado. A próxima nota, dó sustenido, tem 277 Hz – ou seja, há uma janela de 16 Hz em que os gatos podem “errar” feio, e estatisticamente é mais provável que eles estejam ali.  

A impossibilidade técnica não mudou em nada, porém, o fascínio das gerações vindouras pela engenhoca. Em 1803, o psiquiatra alemão Johann Christian Reil afirmou que ela poderia ser um bom tratamento para pacientes que estão sempre no mundo da lua, sonhando acordados. Sua sugestão era colocar esses idealistas “sentados de forma que eles pudessem ver as expressões dos gatos conforme o psiquiatra toca uma fuga.”

O historiador francês Jean-Baptiste Weckerlin, por sua vez, fez sua própria lista de menções ao piano de gatos na obra Nouveau Musiciana, extraits d’ouvrages rare ou bizarre, de 1887. Ele descreve, inclusive, uma anedota anterior ao nascimento de Kircher. Em 1549, em uma visita do rei da Espanha à Bélgica, o cortejo do monarca teria incluído uma orquestra cacofônica com um piano de 20 gatos. Vai entender a ostentação.

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Irônico mesmo é que a lenda de que o piano levaria príncipes às gargalhadas só se provou verdadeira outro dia, em 2010. Príncipe Charles, herdeiro do trono inglês, efetivamente chorou de rir quando ouviu Somewhere Over the Rainbow em uma simulação de pelúcia do instrumento. Pois é, logo quando você achou que a popularidade dele não poderia cair mais.

Curiosidades históricas – e direitos dos animais – à parte, o piano de gatos têm sim real importância. Ele pode ser considerado o primeiro sampler da história. “Samplear”, grosso modo, é pegar um fragmento de som de uma música (ou até um som da natureza) e manipulá-lo para criar outra música. Os Racionais MC’s, por exemplo, já usaram trechos instrumentais de Tim Maia e Portishead como base para seus versos. E o Pink Floyd adiciona o canto de pássaros ao arranjo da canção Cirrus Minor.

Hoje, usando o computador, é possível gravar o miado de um único gato e colocá-lo para cantar todas as notas do teclado. É claro que alguém no YouTube já fez isso, então divirta-se.

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