Assine SUPER por R$2,00/semana
Imagem Blog

Supernovas Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Por redação Super
Este blog não é mais atualizado. Mas fique à vontade para ler o conteúdo por aqui!
Continua após publicidade

Será que vozes da pré-história ficaram gravadas em potes de cerâmica?

A ideia de que recipientes de argila pré-históricos foram os primeiros LPs está por toda a cultura pop – e é uma viagem às origens da indústria musical

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 21 Maio 2018, 17h10 - Publicado em 21 Maio 2018, 17h02

Em 30 de abril de 1877, a carta mais importante da história da música saiu do escritório do inventor Charles Cros rumo à Academia de Ciências de Paris. Ela continha as instruções para fabricar o paleophone (neologismo de raiz grega que significa “voz do passado”), a primeira máquina capaz de gravar e reproduzir som. Como a engenhoca não pôde ser construída na prática, o francês não entrou para a história como fundador da indústria fonográfica – as láureas ficaram para o norte-americano Thomas Edison, mais famoso pela invenção da lâmpada.

Não importa: hoje sabemos que o paleófono de Cros – tomei a liberdade de aportuguesar o nome –, caso tivesse saído do papel, teria funcionado razoavelmente bem. Ele consistia em uma membrana sensível, uma haste e algo próximo de uma lâmina de estilete. A haste conectava a lâmina à membrana. A lâmina ficava em contato com um disco giratório cuja superfície tivesse sido amolecida pelo fogo.

“Se a membrana estiver em repouso, a lâmina traçará uma simples espiral [no disco aquecido]. Já se a membrana estiver vibrando, a espiral ondulará, e essas ondulações serão representações exatas de todos os movimentos de ida e vinda da membrana, com suas durações e intensidades”, lê-se na carta de Cros. E assim ocorre a gravação. É como uma versão analógica do equipamento que lê nossos batimentos cardíacos e os transforma em um gráfico: quando a pessoa está morta, a linha fica reta. Se o coração bate, aparecem picos e vales.

Para ouvir a música depois, basta seguir o processo oposto: posicionar a lâmina no sulco e deixá-la correr – exatamente como seria feito com os LPs décadas depois. Conforme a lâmina passa pelas imperfeições, ela vibra. A vibração é transmitida pela haste para a membrana, que nada mais é que um alto falante rudimentar. Bingo. Hoje, estamos tão acostumados a ouvir músicas gravadas em outras décadas que é difícil entender o quanto esse era um fenômeno fantasmagórico para alguém do século 19. Uma voz do passado. Uma tecnologia capaz de dar voz a pessoas mortas.

Continua após a publicidade

Spotify da Antiguidade

Esse princípio básico pelo qual o som pode ganhar forma física – ser transformado em uma espécie de escultura de baixo relevo em um disco – se tornou uma pulga atrás da orelha de alguns arqueólogos de imaginação mais fértil. Afinal, uma das matérias-primas mais usadas pelo ser humano desde a pré-história, a cerâmica, tem várias características de um bom suporte de gravação: de início, é maleável, mas depois enrijece na forma desejada pelo artesão. Também é comum que vasos de argila sejam fabricados com ajuda de um suporte giratório – técnica, ao que tudo indica, foi inventada pelos sumérios há mais de 5 mil anos.

Se um artesão dessa época cantasse ou conversasse enquanto moldasse vasos, há uma probabilidade mínima de que fragmentos de sua voz, de alguma forma, ficassem gravados na cerâmica e tivessem sido preservados até hoje. Essa ideia fascinante foi considerada seriamente pela primeira vez em 1969, em um artigo científico de um certo Richard Woodbridge – sobre o qual, em uma pesquisa rápida, não consegui encontrar mais informações. O pesquisador afirma, em um texto breve e inconclusivo, ter sido capaz de ouvir sulcos que ele próprio criou em um fragmento de cerâmica.

Continua após a publicidade

De lá até aqui, a ideia circulou por todos os cantos, sempre com mais imaginação que rigor. Esta página dá um resumo de suas aparições – que incluem um conto de ficção científica de 1979 intitulado Time Shards, de Gregory Benford, um episódio de X-Files e um de CSI. A hipótese dos vasos falantes também foi tema de uma notícia falsa veiculada de brincadeira por uma TV belga em 1º de abril. No final das contas, porém, o consenso científico é que os vasos falantes pertencem mesmo à ficção. E só a ela.

Pé-no-chão

Não fique triste. A arqueologia acústica não é bagunça, é claro. Embora ela tenha essa face com jeitinho de teoria da conspiração (ou de episódio do Mythbusters), há maneiras comprovadamente eficientes de usar o som para estudar o passado da espécie humana. Em fevereiro deste ano, por exemplo, o linguista Shigeru Miyagawa, do MIT, publicou um artigo científico em que associa a posição de pinturas pré-históricas em paredes de cavernas com o comportamento do som lá dentro. Ao que tudo indica, os primeiros artistas plásticos pintavam animais mais ruidosos nos cantos das câmaras em que as vozes deles ressoavam com mais intensidade – uma associação clara entre som e sentido que indica o quanto a capacidade cognitiva de nossos ancestrais já era elevada.

Muitos outros pesquisadores se dedicam a recriar os primeiros instrumentos musicais ou a compreender a acústica de lugares como o Stonehenge. Avançando um pouco no tempo, há inclusive análises detalhadas da reverberação do som em anfiteatros do período clássico e reconstituições sonoras da música contida em partituras da Grécia Antiga. Quem se interessa pelos barulhos do mundo pré-fonógrafo, em resumo, tem um prato cheio de evidências silenciosas. Tocar vaso em vitrola, só em último caso.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Super impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 12,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.