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Queerbaiting na ficção: saiba o que é e por que é prejudicial

Por Gabriel Duarte
Atualizado em 4 jul 2018, 20h35 - Publicado em 17 ago 2017, 16h13

“Sherlock voltou e está apaixonado. Mas por quem? E o que ele fez com o seu melhor amigo?”

A frase postada por um dos perfis da BBC no Twitter resume bastante o lema da divulgação da quarta temporada de Sherlock, que foi ao ar no começo de 2017. Se você assiste à série, você provavelmente sabe que grande parte dos fãs acredita na “conspiração Johnlock”, que defende a existência de uma tensão romântica implícita entre os protagonistas Sherlock Holmes e John Watson. Não demorou muito até os sinais serem captados pelos fãs nas redes sociais: finalmente o casal ia se concretizar!

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A temporada passou e deixou inúmeras pontas soltas e buracos na história, alcançando a menor nota da série em sites de avaliação populares como o Metacritic. No entanto, a relativa queda na qualidade dos episódios não foi a principal fonte do descontentamento da audiência. A forma como o canal britânico insistiu em divulgar a série trouxe de volta um termo que assombra a produção desde o seu início: o queerbaiting.

Do inglês “queer” (termo antigamente pejorativo, mas que foi retomado pela comunidade LGBTQ) e “bait” (“isca”), o queerbaiting é uma estratégia midiática utilizada na indústria do entretenimento – seja em filmes, séries, livros, HQs, mangás ou animes – para atrair justamente o público que foge do padrão da cis-heteronormatividade. Ele se concretiza quando há alguma espécie de tensão sexual ou romântica entre personagens do mesmo gênero, tendo o intuito de tornar a produção representativa, mas sem desagradar a parcela conservadora da audiência.

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O termo se popularizou há alguns anos em redes sociais conhecidas pela presença massiva de fandoms de séries e pela disseminação de fanfictions, como o Tumblr e o Livejournal. De lá, o queerbaiting saiu das discussões online para chegar na boca dos próprios atores. Misha Collins, que interpreta o anjo Castiel na série Supernatural, foi um dos primeiros a levantar o assunto nas convenções, dizendo que o termo é uma forma injusta de descrever as amizades em tela. O posicionamento de Misha surgiu porque seu personagem também está envolto em uma dessas controvérsias, por causa da sua relação com o protagonista Dean Winchester, interpretado por Jensen Ackles.

Johnlock (John/Sherlock) e Destiel (Dean/Castiel) são apenas dois dos principais exemplos. Outras séries como Teen Wolf (com Derek e Stiles) e Once Upon A Time (com Regina e Emma Swan) também já foram alvo de reclamações. Até mesmo Glee, responsável por quebrar diversos tabus ao retratar uma grande diversidade de minorias em sua história, teve suas controvérsias. A série musical só passou a desenvolver o romance entre Santana e Brittany após os fãs levarem suas queixas para as redes sociais. Até então, a relação entre as duas era tratada apenas como uma diversão ocasional, sendo mais um caso problemático em que um relacionamento lésbico/bissexual era apenas um fetiche que não abalava a heterossexualidade das personagens.

DISCUSSÃO ANTIGA

Voltando a Sherlock: na mesma medida em que muitos fãs acreditam na conspiração, outra parcela acha a ideia inconcebível. No entanto, a base da Conspiração Johnlock pode ser achada muito antes de o assunto se tornar uma polêmica constante na vida dos produtores, lá em 2010, ano de estreia da série. Quando perguntado se pretendia algum dia fazer um drama com temática LGBTQ, Mark Gatiss, um dos co-criadores, respondeu que achava “muito mais interessante flertar com o homoerotismo em Sherlock”.

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Desde então, em diversos momentos, Gatiss, Steven Moffat e a própria BBC negaram a existência de qualquer subtexto narrativo homoerótico na série – inclusive numa carta aberta bem agressiva publicada pelo canal britânico após a exibição do episódio final da quarta temporada. Ainda assim, o trecho da entrevista de 2010 pode ser sustentado por diversos momentos em Sherlock em que as escolhas de roteiro, direção e montagem não fazem muito sentido se não considerarmos um contexto implícito. São tantas cenas construídas dessa forma que um grupo de fãs criou o canal The Johnlock Conspiracy Explained, que conta com quase 50 vídeos de análise. Entre eles, um dos mais visualizados traz o título: “se eles não são gays, então por quê?”.

Vale lembrar que a palavra “erotismo” designa um estado de excitação sexual que não envolve de fato o sexo carnal. Ou seja, a tensão não precisa ser necessariamente resolvida com um beijo ou uma transa. É por isso que não se sabe onde o subtexto homoerótico termina e o queerbaiting começa – e também é por isso que as séries sempre recorrem a essa justificativa quando querem acalmar os nervos dos fãs. No entanto, o problema não está na tensão sexual permanecer nas entrelinhas, mas sim na constante negação dela.

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Pegue Hannibal, por exemplo. Bryan Fuller, gay assumido e criador da versão televisiva do canibal, já falou abertamente do vínculo homoerótico que Will Graham (Hugh Dancy) e Hannibal Lecter (Mads Mikkelsen) têm entre si. Ele até chegou a afirmar que o envolvimento sexual dos personagens não é o foco principal da série, entretanto, a forma como os protagonistas são desenvolvidos não compromete o engajamento da audiência – muito pelo contrário, os fãs defendem a forma como a dupla é trabalhada.

A natureza física e psicossexual da relação entre os protagonistas de Hannibal serve para construir a codependência doentia que o detetive nutre pelo seu psiquiatra e vice-versa. Em momento algum a produção nega a existência do subtexto narrativo, já que ele é parte fundamental na construção da história. Para Fuller, o homoerotismo é essencial para retratar a dinâmica da grande intimidade desenvolvida entre homens héteros, sejam eles rivais ou amigos.

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Negar o homoerotismo, dizendo que é algo sem sentido e criado pelos fãs, é um desrespeito a uma comunidade que só há alguns anos passou a ser representada de maneira efetiva na mídia. A técnica do queerbaiting reforça a discriminação ainda existente dentro da indústria do entretenimento, invisibilizando a comunidade LGBTQ, principalmente os bissexuais, que já não têm muito espaço dentro do próprio movimento. Na vontade de parecerem inclusivas, as produções acabam se tornando prejudiciais, tratando como um tabu qualquer forma de relacionamento que fuja da cis-heteronormatividade.

Em uma época em que existem séries compromissadas em retratar os conflitos e os desejos das minorias de forma real, sem tabus ou estereótipos, é uma responsabilidade social dos roteiristas e produtores trabalharem seus personagens sem julgamentos ou censuras. Além disso, é um dever e um direito dos fãs questionarem as escolhas das séries, principalmente se elas estiverem usando casais com grande adesão dos fãs, como Johnlock e Destiel, para se autopromoverem.

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