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A energia nuclear pode mesmo ser eficaz contra o aquecimento global?

Um novo estudo afirma que sim – e a humanidade deveria dobrar a geração de energia desse tipo, até 2050, para alcançar a neutralidade nas emissões de carbono. Mas isso não é simples.

Por Reinaldo José Lopes e Bruno Garattoni
Atualizado em 22 jul 2022, 16h38 - Publicado em 22 jul 2022, 14h35

Texto Reinaldo José Lopes e Bruno Garattoni

Fazer com que a economia global se torne neutra em carbono (ou seja, deixe de aumentar a quantidade de CO2 e outros gases causadores do efeito estufa na atmosfera) até 2050 é uma tarefa hercúlea. Mas ficaria consideravelmente mais fácil com uma nova rodada de investimentos em energia nuclear. Essa é a conclusão de um relatório recém-publicado pela IEA (Agência Internacional de Energia), uma organização intergovernamental que reúne especialistas de 31 países.

A meta da neutralidade de carbono (também chamada de net zero) até 2050 é um dos pilares do Acordo de Paris, hoje o principal documento que baliza as ações de todos os países para enfrentar o aquecimento global. A ideia é que, ao colocar essa proposta em prática, seja possível limitar o aumento da temperatura média da Terra a, no máximo, 1,5 grau Celsius acima do nível pré-Revolução Industrial.

Um aquecimento maior que isso pode colocar o mundo numa trajetória de transformações climáticas bastante perigosas, com o aumento do nível do mar, efeitos sobre a agricultura e os ecossistemas. Também riscaria do mapa nações inteiras, como os pequenos países-ilhas do Pacífico, hoje os mais ameaçados pela elevação oceânica.

As usinas nucleares não emitem CO2, e por isso podem ser uma peça essencial no caminho para a neutralidade de carbono. Segundo o estudo da IEA, o ideal para alcançar net zero seria praticamente dobrar a geração de energia desse tipo: de 413 gigawatts, a capacidade global hoje, para 812 gigawatts em 2050.

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Esse aumento em números absolutos não significaria um grande crescimento da proporção das usinas atômicas na matriz energética global, já que, no cenário recomendado pela IEA, outras energias renováveis (solar, eólica, hidrelétrica, biocombustíveis) corresponderiam a quase 90% do consumo mundial em 2050. Mesmo dobrando de tamanho, a nuclear continuaria respondendo por uma fatia pequena do todo.

Apesar disso, não será exatamente um passeio adotar as recomendações do novo relatório. É preciso enfrentar problemas regulatórios e agilizar o desenvolvimento de algumas tecnologias que ainda não são usadas em larga escala, dizem os autores do levantamento, liderados por Keisuke Sadamori, coordenador de Mercados e Segurança Energética da agência.

A IEA diz que as recomendações valem apenas para os países que continuam considerando as instalações nucleares como uma parte importante de suas fontes de energia. Ela reconhece que, em algumas regiões do mundo, essa opção se tornou controversa demais por motivos ambientais e de segurança.

O relatório também prevê, seja qual for a região do planeta, investimentos maciços em energia solar e eólica. A geração nuclear complementa essas fontes, nas as substitui. Mas sua ajuda realmente parece ser importante.

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A IEA também analisou outro cenário, em que a maioria dos países dá as costas à energia nuclear, deixando de construir e operar usinas e reduzindo a geração desse tipo de energia de 413 gigawatts, hoje, para 310 gigawatts em 2050. Se isso acontecer, a participação dessa fonte cairá de 10% para 3% da matriz energética global.

Para compensar essa perda, seria necessário investir ainda mais em solar e eólica, com um preço mais alto: a construção de usinas desses tipos custaria US$ 500 bilhões a mais (do que no cenário com o aumento de energia nuclear), além de US$ 600 bilhões a mais nas contas de luz pagas pelos consumidores, daqui até 2050.

Além do custo, haveria um desafio de ordem prática. A cada 1 gigawatt perdido na geração nuclear, diz a IEA, seria preciso providenciar 3,5 gigawatts vindos de outras fontes limpas. Isso porque as energias solar e eólica são sazonais e variáveis (pode fazer menos sol ou ventar menos de um ano para o outro), e por isso elas precisam ser dimensionadas com capacidade a mais – você precisa ter mais “plantas” de geração –, para garantir segurança energética.

Só que isso teria outra consequência: pressionaria o consumo de minérios já escassos, como o lítio (usado em baterias) e o neodímio (empregado nos ímas das turbinas eólicas). Por isso, afirma a IEA, prescindir da energia nuclear e apostar apenas em solar e eólica não seria a melhor opção.

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De acordo com a agência, o crescimento da oferta de energia nuclear poderia acontecer principalmente em países como a China (hoje a nação que mais tem investido na área), os EUA, a França, a Índia e o Reino Unido.

Uma de suas grandes vantagens seria a de suprir um papel que hoje cabe a usinas termelétricas (que queimam carvão ou gás natural e emitem gases-estufa): o de dar estabilidade ao sistema energético.

Isso porque, embora o custo e a eficiência da energia eólica e solar estejam melhorando continuamente, elas ainda estão mais sujeitas a flutuações na geração por causa de variações nos ventos e na luminosidade, que são naturais. A energia nuclear, por outro lado, pode ser produzida de forma contínua, bastando que as usinas estejam abastecidas com urânio.

Numa projeção feita para a China, por exemplo, os especialistas calculam que, em 2060, a energia nuclear corresponderia a apenas 10% do que é gerado no país asiático, mas equivaleria a quase metade da chamada inércia do sistema – ou seja, a energia “pronta” para ser utilizada, independentemente de fatores ocasionais ou sazonais.

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Levando essas possibilidades em consideração, a energia “firme” das usinas também poderia ser empregada num combo de produção de hidrogênio como combustível. Esse gás, que poderia ser usado para alimentar carros e aviões, é outra aposta para descarbonizar a economia global, porque é totalmente limpo: os veículos movidos a hidrogênio emitem apenas água.

Mas esse combustível é produzido via eletrólise (separação dos átomos de hidrogênio e oxigênio presentes nas moléculas de água), um processo que requer bastante energia. Por isso, diz a IEA, seria um passo lógico alimentá-lo com a eletricidade vinda de usinas nucleares.

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Para que o plano funcione, um dos primeiros passos seria planejar uma boa recauchutada de parte das usinas nucleares antigas que existem mundo afora. Segundo os cálculos do relatório, cerca de 63% das instalações atuais têm mais de 30 anos, e estão chegando ao fim de sua vida útil.

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A ideia é que cerca de metade dessas usinas mais antigas seja revitalizada. Como elas já estão prontas, e só precisariam ser reformadas, o seu custo de produção de energia (que costuma ser um ponto fraco do sistema nuclear) ficaria mais barato, comparável à maioria das usinas solares e eólicas.

Outra aposta interessante, de acordo com o estudo, pode ser a construção dos chamados SMRs (“pequenos reatores modulares”, em inglês). Esse tipo de reator ajudaria a diminuir os custos de montagem e início das operações das usinas, porque ele é mais simples e fácil de fabricar.

Também exigiria menor investimento em mão de obra e poderia funcionar de forma combinada, com vários SMRs nas vizinhanças um do outro. Por ora, no entanto, eles ainda estão na promessa – espera-se que apenas alguns comecem a operar já nesta década, embora o relatório preveja que o ritmo de atividade deva aumentar a partir dos anos 2030.

O documento recomenda ainda que o planejamento das novas usinas inclua um forte componente de segurança e investimento em instalações de contenção do lixo nuclear, uma das grandes preocupações do público – e motivo pelo qual muitos países relutam em ampliar seu parque atômico.

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