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A caminho de Mercúrio

Coordenador da missão da Nasa que vai levar uma sonda ao planeta vizinho do Sol, Mario Acuña explica o que a ciência pode aprender em um ambiente de extremos.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h46 - Publicado em 28 fev 2006, 22h00

Eduardo Szklarz

Mercúrio é o planeta mais difícil de avistar da Terra. Está tão perto do Sol que o telescópio Hubble nunca o fotografou – a intensidade da luz queimaria as lentes. As poucas imagens que temos dele foram feitas pela sonda Mariner 10, há 30 anos. E só abrangem a metade de sua superfície. “Chegou a hora do reencontro”, diz o astrofísico argentino Mario Acuña, que trabalha na Nasa e coordena a Messenger, uma das mais ousadas missões já arquitetadas pela agência espacial americana.

Para que a nave lançada em 2004 chegue lá, a equipe de Acuña a fará viajar por 7 anos em malabarismos siderais: serão 15 voltas em torno do Sol, uma ao redor da Terra e duas em Vênus. O desafio vale a pena? Segundo Acuña, Mercúrio guarda a chave para entender a origem do sistema solar.

Especialista em campos magnéticos, Acuña tem atraído as medalhas mais importantes da Nasa. Recebeu até o Prêmio por Mérito e Excelência no Serviço, a maior honra da agência espacial. Concedeu esta entrevista do Centro Goddard de Vôos Espaciais, em Maryland, onde trabalha.

O que torna Mercúrio um planeta tão curioso?

Mercúrio vive de extremos. A temperatura chega a 450 ºC de dia e cai para 150 ºC negativos à noite. Devido à pequena inclinação do eixo, as zonas polares estão sempre na sombra e talvez até contenham gelo. Não há atmosfera, mas apenas gases transitórios gerados pelo choque de cometas ou meteoritos. Por fim, para dar uma volta em torno do Sol (um ano) Mercúrio demora 88 dias terrestres. Mas na superfície do planeta, a distância entre dois amanheceres (um dia) é de 176 dias terrestres – ou seja, se você estiver em Mercúrio, verá um dia ser mais longo do que um ano.

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E o que podemos aprender em um planeta com características tão diferentes da Terra?

Assim como a Terra, Vênus e Marte, Mercúrio é um planeta rochoso. Isso quer dizer que tem superfície sólida, núcleo denso e crosta de densidade mais leve. Uma das coisas que despertou nossa atenção quando a sonda Mariner 10 passou por lá, em 1974, foi a presença de um campo magnético. A teoria aceita demonstra que a origem do campo magnético está nas correntes elétricas geradas a partir da rotação do planeta. Mas a rotação de Mercúrio é muito lenta, o que nos trouxe uma incógnita: por que alguns planetas produzem campos magnéticos e outros não? Queremos pesquisar Mercúrio para entender como se formaram os planetas rochosos. Ao estudá-lo, saberemos mais sobre a evolução da Terra.

Como a Messenger conseguirá suportar o calor provocado pela proximidade com o Sol?

Construímos um grande pára-sol, feito de tela de cerâmica, que garante a blindagem térmica contra a radiação solar. A sonda viaja na sombra desse pára-sol, onde a temperatura se mantém em torno dos 25 ºC. Outro problema é o calor que Mercúrio irradia. Por isso, a nave foi desenhada para suportar até 200 ºC. Mas se a missão se desviar num ângulo maior do que 15 graus em relação ao Sol, ficará diretamente exposta à radiação solar e fatalmente se destruirá.

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Por que a Messenger dará tantas voltas até entrar em órbita ao redor de Mercúrio?

Como a sonda está praticamente “caindo” no Sol por causa da enorme atração gravitacional, precisamos freá-la. A idéia é consumir sua energia para diminuir a velocidade. Fazemos isso de uma maneira muito complexa, utilizando as trações de gravidade da Terra, de Vênus e de Mercúrio. Por isso o trajeto é tão longo. A nave viaja no espaço ao redor do Sol e essa órbita vai mudando à medida que ela se aproxima dos planetas. Ela se aproximou da Terra no final de 2004 e neste momento está passando por Vênus. Uma vez que tenhamos reduzido sua velocidade o suficiente, ela poderá se aproximar de Mercúrio utilizando os motores de bordo e entrar em órbita em volta dele, não do Sol. No final, terá percorrido cerca de 6 bilhões de quilômetros para cumprir uma distância de apenas 180 milhões. O trajeto só termina em 2011.

E o que você vai fazer enquanto espera?

Temos coisas demais para fazer na Nasa. Essa é apenas uma entre as várias missões que coordenamos. Estamos trabalhando com as naves Voyager 1 e 2, que nos mandam informações sobre o limite do sistema solar. Também temos naves em órbita ao redor de Marte e preparamos uma volta à Lua.

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Você trabalhou na primeira missão a Mercúrio, em 1974. Que tecnologia temos hoje que nem sonhávamos ter naquela época?

Primeiro, a tecnologia de alta temperatura. Os painéis de energia solar da Messenger podem trabalhar a mais de 300 ºC. Eles fornecem a eletricidade que nos possibilita operar a nave. Hoje também podemos orbitar os planetas. Quando começamos a explorar o sistema solar, nos anos 60, a estratégia da Nasa era mandar sondas que se aproximassem dos planetas em vez de ficar em órbita. Em 1974, a sonda Mariner 10 passou perto de Mercúrio apenas 3 vezes. A Messenger ficará um ano em órbita.

A Nasa gasta em média 10 bilhões de dólares por ano para explorar o espaço. O que todo esse investimento nos ensinou?

Estamos tentando responder a duas perguntas. De onde saímos? Para onde vamos? Explorar o sistema solar nos dá acesso a laboratórios impossíveis de obter na Terra. Algum dia, todo esse conhecimento será aplicado aqui. Por exemplo: o que aconteceria se o campo magnético da Terra desaparecesse? Todo mundo pensa que ele vai durar para sempre. Mas sabemos que o de Marte desapareceu, que o de Mercúrio é muito fraco e que o de Vênus não existe mais. Quando o campo magnético desaparece, a radiação solar chega diretamente à atmosfera e, aos poucos, os ventos solares levam a atmosfera para o espaço. Essa é uma das razões pelas quais Marte perdeu um oceano que tinha 500 metros de profundidade e hoje é um deserto.

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O futuro do homem é no espaço?

Cedo ou tarde, a Terra desaparecerá. Se não for por nossas bombas, será pela ação do Sol em 5 bilhões de anos. Se quisermos pensar num futuro distante, temos de pensar no espaço e em habitar outro planeta, algo que não conseguimos hoje. É nisso que pensamos diariamente na Nasa: como é possível sermos os únicos? Deve haver outras respostas.

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Mario Acuña

• Participou de quase todas as missões planetárias da Nasa – só Plutão não recebeu sua visita.

• Está por trás de engenhocas usadas nas sondas Mariner 10, Pioneer 11 e Voyager 1 e 2.

• Garante ser uma pessoa normal. “A única diferença é que tenho acesso a coisas estranhas”, afirma.

• Gosta de fotografar como hobby, mas trabalha até 80 horas por semana. Como ele diz, “os astros não têm horário”.

• Acredita em Deus “com D maiúsculo”.

• Entre idas e vindas à Argentina, casou com uma americana e teve 4 filhos. Mas não perdeu o forte sotaque de Córdoba, sua cidade natal.

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