A curva impossível
Cientistas conseguem obrigar a luz, que sempre anda em linha reta, a dar guinadas de 90 graus dentro de um cristal. Está superada mais uma das grandes barreiras da Física.
Flávio Dieguez
Desde que foram descobertos, em 1897, os elétrons se tornaram indispensáveis. Sem eles, não haveria telefones, rádios, computadores e uma infinidade de outros inventos, que só existem porque os elétrons podem ser guiados pelo homem, dentro dos fios, com grande precisão.
Já os fótons, as partículas de luz, protagonistas desta reportagem, não aceitam as rédeas elétricas e resistem, com tenacidade, a mudar de rumo. O primeiro meio eficiente de domá-los surgiu em 1970. Foram as fibras ópticas, longos tubos de vidro, espelhados por dentro, nos quais os fótons correm disciplinados. Mas, se a fibra fizer um ângulo reto, numa distância menor que 20 milímetros, as partículas vazam pelas paredes do tubo.
Este ano, os gênios do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), em Boston, Estados Unidos, bolaram uma solução para o problema. Eles descobriram como empilhar uns poucos átomos do elemento químico silício de modo a criar uma barreira intransponível. Com essas pilhas, nas quais os fótons batem mas que não atravessam, foi possível construir uma canaleta sensacional. “Dentro dela, a luz fez o que parecia impossível”, disse à SUPER o físico canadense Pierre Villeneuve, do MIT. “Ela dobrou uma quina de 90 graus em apenas 1 milésimo de milímetro.”
Claridade aprisionada
Construida há dois anos, esta peça representa uma das primeiras tentativas de controlar os raios luminosos da mesma maneira como os circulos eletrônicos controlam a corrida dos elétrons
Modelo avançado
A visão macro do cristal montado nos Estados Unidos este ano.
Esta é uma foto ampliada das barrinhas usadas na montagem de cristais condutores de luz nos Laboratórios Nacionais Sandia, em Albuquerque, nos Estados Unidos. Cada uma mede 1 milésimo de milímetro de diâmetro. Esse tamanho é calculado para forçar a energia a correr entre elas e a mudar de direção em certos pontos. O cristal todo tem 1 milímetro de largura, bem menor do que o da foto ao lado.
Para quebrar o monopólio da eletricidade
Voando nas fibras ópticas que conectam telefones, tevês a cabo e redes de computadores pelo mundo todo, a luz transmite 1 bilhão de bits por segundo, mil vezes mais do que os elétrons carregam dentro dos chips. Basta isso para imaginar o poder dos fótons, partículas que compõem os raios luminosos. Pois bem, esses fragmentos brilhantes estão se preparando para quebrar o monopólio dos elétrons e tomar o seu lugar em todos os aparelhos que utilizam circuitos eletrônicos.
A troca tornou-se viável, este ano, com a descoberta de um cristal de silício que manobra os fótons com precisão. Em relação às fibras ópticas, a maior vantagem das novas peças é o tamanho, pois as primeiras são grandes demais. Embora meçam menos de um décimo de milímetro de diâmetro, as fibras não podem competir com as conexões metálicas nas quais andam os elétrons, que são centenas de vezes menores que isso.
Gargalo fatal
Com isso, o resultado é frustrante porque, se as fibras se saem muito bem carregando dados de um lado para o outro do mundo, não podem levá-los para dentro de um aparelho. Ao entrar num computador, as informações têm que ser convertidas para a linguagem dos elétrons, criando um gargalo que consome tempo e atravanca a comunicação. Com o novo cristal, tudo muda. Nele, os fótons disparam em canaletas atômicas tão pequenas quanto os cabos dos circuitos atuais. Que deixarão, daqui para a frente, de ser apenas eletrônicos. Vão ser fotônicos, também.
O caminho para o futuro fica mais perto
Os cristais de silício montados este ano não vão começar a funcionar de imediato. O motivo é o tipo de fótons que eles conduzem. Isso mesmo: não existe apenas uma classe de partículas reluzentes. As mais importantes para nós são as da luz visível, as únicas que o olho humano pode captar. Já as fibras ópticas canalizam uma categoria de cintilações chamadas de infravermelhas. E os fragmentos brilhantes que correm nos cristais do MIT recebem o nome de microondas – são os mesmos que aquecem a comida no forno da sua casa.
Passo inicial
Para aproveitar as informações transmitidas pelas fibras ópticas, o ideal seria construir cristais que, em vez de fótons de microondas, conduzam os fótons de infravermelho. “Esse vai ser o primeiro passo no aprimoramento do cristal fotônico”, diz o físico brasileiro Anderson Gomes, da Universidade Federal de Pernambuco. Daí para a frente, vai ser preciso esculpir canaletas cada vez mais refinadas para controlar todos os movimentos das partículas. “Não dá para prever quanto tempo isso vai demorar”, diz Villeneuve. A previsão, até o início de 1998, era de uma ou duas décadas. Mas, no ritmo em que as coisas vão, o mais provável é que, imitando as curvas da luz, a Ciência pegue um atalho e encurte consideravelmente o caminho para o futuro.
Para saber mais
Grupo de fotônica do Instituto de Tecnologia de Massachusetts: https://ab-initio.mit.edu
The New Physics, Paul Davies (coordenador), Cambridge University Press, Cambridge, 1989.
Corrida maluca
Siga os passos dos elétrons e das partículas de luz na transmissão de informações.
1878
Desde a invenção do telégrafo, as informações fluem nos fios na forma de sinais transportados por elétrons. Estes últimos, hoje, carregam de tudo: dados numéricos, sons, imagens. Dos fios, os sinais vão para aparelhos diversos. Como os telefones, nos quais eles são convertidos em sons por circuitos eletrônicos.
1947
Com a invenção dos chips, os circuitos ficaram minúsculos, reunindo milhões de fios quase microscópicos. Os elétrons seguem por eles tomando uma direção ou outra sob o comando de forças elétricas e trocam informações à taxa de 1 milhão de bits por segundo.
1970
Surgem as fibras ópticas, nas quais os dados fluem na forma de partículas de luz, os fótons, e não de elétrons. Transportam 1 bilhão de bits por segundo. Mas, como são muito grandes, não cabem nos chips. Antes de entrar nos aparelhos, os dados têm que voltar para a linguagem dos elétrons.
1998
No cristal construído no MIT, a luz que vem das fibras ópticas entra numa boa. Ele tem canaletas tão estreitas quanto os fios metálicos. Nelas, os fótons até fazem curvas ao bater em barreiras de átomos. Quando se conseguir um controle mais completo sobre a luz, o cristal poderá processar informações 10 000 vezes mais depressa que os circuitos eletrônicos atuais.