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A esperança biônica

Braços, pernas, olhos e ouvidos eletrônicos devolvem movimentos e sensações a deficientes e vítimas de acidentes. E eles estão cada vez mais parecidos com os originais

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h48 - Publicado em 31 jul 2003, 22h00

Heitor Shimizu

“Steve Austin, astronauta. Um homem semimorto, mas nós podemos reconstruí-lo. Nós temos a tecnologia. Temos a capacidade de fazer o primeiro homem biônico do mundo. Steve Austin será esse homem. Muito melhor do que era, mais forte, mais rápido!”

O discurso de Oscar Goldman (o ator Richard Anderson) abria cada capítulo de uma das séries de maior sucesso na televisão na década de 70. Era Cyborg – O Homem de Seis Milhões de Dólares. Os trintões de hoje certamente se lembram do astronauta Steve Austin, interpretado pelo ator Lee Majors, que sofre um grave acidente aéreo em que perde um olho, um braço e as pernas.

Para “reconstruí-lo”, Goldman, chefe do Escritório de Inteligência Científica (OSI, na sigla em inglês), utiliza a tecnologia desenvolvida em um projeto ultra-secreto e implanta em Austin próteses artificiais, ao custo dos seis milhões de dólares do título. A operação é um sucesso e acaba não apenas resgatando os movimentos e a visão do personagem, como lhe dá superpoderes. Com força e velocidade sobre-humanas, olhos capazes de enxergar a quilômetros de distância, Austin torna-se, além de “homem biônico”, agente secreto. O resto é história.

O resto era história. Cientistas dos principais laboratórios de pesquisa do mundo estão desenvolvendo sistemas muito além das pernas e braços mecânicos ou aparelhos de surdez usados atualmente. São soluções que têm tudo para deixar até o homem biônico da TV para trás.

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Algumas estão se tornando comuns, como os implantes cocleares, que já ajudaram mais de 40 mil pessoas a ouvir novamente, inclusive no Brasil. O sistema é composto por um minúsculo microfone, que coleta ondas sonoras, e um processador, que transforma as ondas em impulsos elétricos. Os impulsos são transmitidos a um receptor que os envia a um conjunto de microeletrodos implantado dentro da cóclea, um dos orgãos internos que compõem o ouvido. Ali, os eletrodos estimulam os nervos auditivos, fazendo com que o usuário recupere a audição.

O implante coclear, entretanto, não funciona para casos em que os nervos auditivos estão irremediavelmente danificados. Para tentar resolver a limitação, laboratórios como o do Centro Médico da Universidade de Georgetown, estão desenvolvendo a nova geração de ouvidos artificiais. A idéia é fazer com que o som, convertido em sinais elétricos, seja enviado diretamente aos centros no cérebro responsáveis pela audição.

MÃOS À OBRA

Centros como o Departamento de Engenharia Biomédica da Universidade Rutgers, nos Estados Unidos, estão desenvolvendo sistemas para restaurar a mobilidade de indivíduos que têm mãos e braços paralisados. Aparelhos minúsculos, pouco maiores do que um grão de arroz, já foram implantados em músculos de pacientes com resultados mais do que animadores. Os dispositivos, chamados bions, têm eletrodos que estimulam os músculos a partir de sinais enviados via ondas de rádio por transmissores contidos em um pequeno computador, que pode ficar no bolso da camisa. Cada bion recebe sinais diferentes, para permitir que o paciente realize movimentos como abrir a mão ou agarrar um objeto.

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Um dos mais avançados projetos de mão artificial é conduzido na Universidade Loughborough, Inglaterra. O projeto, liderado por Homer Rahnejat e Russell Speight, desenvolveu uma prótese que interpreta sinais cerebrais para realizar movimentos. Tem 16 diferentes níveis de movimento e mexe os dedos independentemente para realizar tarefas complexas, como tatear e pegar pequenos objetos. Ou seja, nada parecido com o movimento de Capitão Gancho das mãos mecânicas comuns. Rahnejat e Speight estão trabalhando em um sensor táctil para ser inserido sob uma pele artificial que irá cobrir a mão biônica.

PERNAS ARTICULADAS

Desenvolver pernas artificiais eficientes é outro desafio que a ciência tem conseguido resolver. Há quase quatro anos, a empresa alemã Otto Bock tem vendido versões da C-Leg, uma perna computadorizada que permite aos usuários andar com surpreendente facilidade. O equipamento tem processadores e motores que controlam dispositivos hidráulicos e ajudam a ajustar os movimentos adequados. Apesar do preço – cerca de US$ 40 mil -, a empresa já vendeu mais de 4 mil unidades.

O problema dessa e de outras pernas artificiais está na precariedade do joelho, articulação complexa que permite movimentos como agachar, girar para os lados ou chutar uma bola. Para tentar solucionar a questão, alternativas estão sendo desenvolvidas em alguns laboratórios, a principal delas no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).

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Hugh Herr, do Leg Lab (“Laboratório de Pernas”) do MIT, tem motivos ainda maiores para o esforço de seu trabalho. Herr perdeu as duas pernas aos 17 anos, quando caiu de uma montanha que tentava escalar. O pesquisador, que ajudou a desenvolver a C-Leg – da qual é usuário -, deu um grande passo em busca da perna perfeita ao criar um notável joelho biônico. Com 15 centímetros e 1 quilo, o órgão artificial é feito de titânio, alumínio e carbono, tem diversos sensores e consegue misturar maleabilidade com resistência, para executar os complexos movimentos de torção.

CHIP NA RETINA

Certos tipos de deficiência visual podem ser solucionados com transplantes – mas ocorre que a oferta de córneas para doação é muito menor que a demanda. Por isso, cientistas em todo o mundo pesquisam alternativas biônicas. Como um dos principais motivos de cegueira deve-se a problemas na retina, o processador neural localizado no fundo do olho, é aí que se concentram as principais experiências.

Os dois principais modelos que estão sendo testados de retinas artificiais são o implante subretinal e o epiretinal. O primeiro, inserido na própria retina, é um chip com milhares de minúsculos dispositivos sensíveis à luz, equipados com eletrodos instalados em uma finíssima placa. A luz, ao atingir a retina, ativa os diodos. Estes passam a corrente aos eletrodos que estimulam os neurônios. A equipe de Alan Chow, da empresa americana Optobionics, já implantou seis chips subretinais em pacientes que, segundo o pesquisador, “têm mostrado ganhos substanciais de suas funções visuais”.

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No implante epiretinal, o chip é inserido externamente à retina. O chip recebe sinais elétricos, que contêm informações de imagens capturadas por uma câmera, e gera outros sinais que estimulam o nervo óptico, que, por sua vez, leva os impulsos até o cérebro.

Os dois maiores problemas encontrados em todas as pesquisas têm sido a rejeição e a durabilidade dos dispositivos. O grupo de Martin Stelzle, do Instituto de Ciências Médicas em Reutlingen, Alemanha, implantou 50 chips em porcos e coelhos. Teve de extraí-los 28 meses depois, ao descobrir que os implantes estavam sendo corroídos. Uma solução, de acordo com o cientista, poderia ser a troca dos chips de silício por implantes de outro material.

DOUTOR CIBORGUE

Há centenas de cientistas em todo o mundo pesquisando tecnologias para que seres humanos recuperem sentidos ou movimentos. Certamente nenhum tão radical quanto o inglês Kevin Warwick. O professor da Universidade de Reading não quer apenas ajudar na criação de homens biônicos – ele quer ser o primeiro.

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Em 1988, Warwick implantou no próprio antebraço um chip que emite sinais para ativar aparelhos como seu computador. No ano passado, tornou-se cobaia de um novo implante, capaz não apenas de enviar, mas de trocar informações. Um conjunto de 100 eletrodos, do tamanho de uma moeda, foi inserido próximo a seu punho esquerdo, ligado a 22 fios que percorrem seu braço e saem próximos ao cotovelo. Deixando o corpo de Warwick, os fios são ligados a uma série de equipamentos eletrônicos e computadores que convertem os impulsos provenientes de seu sistema nervoso em sinais digitais.

Warwick não se contentou em inserir o novo implante apenas em seu braço. Outro dispositivo foi colocado em sua mulher, Irena. A cada vez que Irena realizava movimentos, como esticar um dedo ou fechar a mão, os sinais eram captados e encaminhados a um computador. De lá, eram processados e transferidos a outro computador, que os enviava por ondas de rádio ao implante no braço do cientista.

Ao chegarem na forma de um “leve choque elétrico”, como os descreveu Warwick, os sinais fizeram história. Era a primeira vez que um homem e uma mulher tinham uma interação desse tipo – trocando sinais diretamente de seus sistemas nervosos, sem usar linguagem de nenhum tipo.

Para Warwick, as experiências são um grande passo para um futuro em que homens não utilizarão implantes artificiais somente para superar suas deficiências, mas para aumentar suas habilidades. No lugar de próteses para ajudar a andar ou escutar, o cientista imagina dispositivos que aumentam a força, a velocidade, o alcance da visão ou da audição. Um ciborgue nos moldes do Steve Austin da série de TV? Exato.

“Como ciborgues, nossas capacidades humanas evoluirão tecnologicamente. Poderemos ter mais capacidade de memória ou de processamento de informações, capacidade extra-sensorial, habilidade de podermos nos comunicar ou operar máquinas apenas com o pensamento. São bons motivos para nos transformarmos em ciborgues”, disse Warwick em entrevista à Super. Para o cientista, o surgimento de homens biônicos é inevitável. “Será necessário, se quisermos competir com máquinas mais inteligentes que humanos. O upgrade para ciborgues fará com que as máquinas não fiquem contra nós, pois estaremos unidos a elas.”

 

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