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A triste história do pequeno Albert

Ele tinha menos de 1 ano. E foi submetido a uma experiência terrível: a indução do medo.

Por Salvador Nogueira
Atualizado em 12 jun 2020, 11h31 - Publicado em 6 jun 2020, 11h31
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O psicólogo americano John B. Watson, da Universidade Johns Hopkins, foi o fundador do behaviorismo (ou comportamentismo). Em 1919, ele e sua estudante de pós-graduação e futura esposa Rosalie Rayner decidiram realizar um experimento que lembrava os testes feitos pelo russo Ivan Pavlov em cães – ele demonstrou no século 19 que podia fazer cachorros salivarem só de ouvir uma sineta, depois de eles relacionarem o som à chegada de comida. Mas o “voluntário” aqui era um bebê com pouco menos de 1 ano de idade. Em essência, eles queriam condicionar fobias numa criança emocionalmente estável para demonstrar que o mecanismo funcionava também em humanos.

O escolhido foi o “pequeno Albert”, um bebê cuja identidade verdadeira até hoje suscita discussões entre os estudiosos. Numa etapa preliminar, ele foi submetido a uma bateria de testes emocionais, quando o expuseram, rapidamente e pela primeira vez, a um coelho branco, um rato, um cão, um macaco, máscaras, algodão, jornais pegando fogo e outros estímulos. Como você pode imaginar, um bebê de pouco menos de 1 ano não tinha razão para temer qualquer um desses objetos, e foi isso que Albert demonstrou. Beleza.

Próxima etapa: o pequeno foi colocado num colchão em cima de uma mesa no meio de uma sala. Então os cientistas soltaram um rato branco de laboratório perto de Albert e deixaram a criança brincar com ele. Nenhum medo, claro. O animal corria em volta da criança, que se esticava para pegá-lo. Estavam brincando. E assim eles fizeram diversas vezes. Tudo certo. Agora a coisa começa a ficar feia. Depois de diversas sessões de brincadeira, Watson e Rayner decidiram bater com um martelo numa barra de aço suspensa, colocada às costas do pequeno Albert, sempre que o bebê tocava o rato. O barulhão produzia na criança uma choradeira sem fim e a demonstração de medo típica de uma reação instintiva. E então, com pouco apreço pela aflição de seu “voluntário”, eles repetiram diversas vezes o procedimento.

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Eis que vinha o gran finale: Albert seria novamente exposto ao rato, mas dessa vez sem o barulho. A essa altura, pouco importava. Pois só de ver o animal por perto o bebê já se mostrava incomodado, apreensivo e choroso. Ele havia aprendido, por condicionamento, o que estava por vir. O medo que tinha do barulho, ele passou a ter do rato, que nada lhe fazia. Uma fobia instalada por condicionamento. Watson também testou outros objetos com Albert e disse ter notado reações similares com coisas tão díspares como um cão peludo, um casaco de peles e até uma máscara de Papai Noel com barba feita de algodão branco. O bebê supostamente havia generalizado seu medo do rato para algumas outras coisas peludas – mas não todas.

O bebê Albert: tratado como um cão de Pavlov. (Reprodução/Divulgação)

Curiosamente, o mesmo experimento, realizado com o mesmo bebê, não teve a mesma eficácia quando tentou atrelar o medo do barulho a um coelho e a um cachorro. No fim das contas, apesar do sucesso relativo, e do entusiasmo de Watson pelo que seria uma confirmação do método behaviorista, muitos consideram hoje que os resultados não são conclusivos. Isso sem falar nos problemas éticos que o experimento suscita. Watson estava numa cruzada ideológica. Ele acreditava poder demonstrar que a personalidade e as características são moldadas (condicionadas) pelo ambiente, e que apenas reações emocionais muito elementares vinham “de fábrica”: o medo, que ele investigou com seu experimento no pequeno Albert, era uma delas.

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Em 1930, ele chegou a escrever: “Dê-me uma dúzia de crianças saudáveis, bem formadas, e um mundo propriamente especificado por mim para criá-las, e eu garanto que posso pegar qualquer uma aleatoriamente e treiná-la para se tornar qualquer tipo de especialista que eu selecionar – médico, advogado, artista, gerente e, sim, até mendigo ou ladrão, independentemente de seus talentos, gostos, tendências, habilidades, vocações e raça de seus ancestrais. Estou indo além dos meus fatos e admito, mas os advogados do contrário também fazem isso e o têm feito por muitos milhares de anos”.

A convicção de Watson talvez até fosse um contraponto importante à obsessão, naquela época, com eugenia e a noção de que os genes eram mais importantes que o ambiente na formação dos humanos. (Basta lembrar que o nazismo era baseado na ideia de uma “raça superior” por virtude genética.) Mas o que mais perturba nessa história é a falta de apreço pelo pequeno Albert. Como sua identidade nunca foi confirmada, não há como saber se o experimento deixou sequelas. É improvável, uma vez que a exposição futura a um ambiente natural acabaria por desfazer qualquer condicionamento. Ainda assim, é chocante a indiferença de Watson pelos efeitos que o teste poderia provocar no bebê.

Às vezes, os cientistas têm tanta convicção em suas teorias que chegam a tratar os experimentos de forma prosaica, como se fossem demonstrações para leigos daquilo que eles próprios já sabem. Mesmo quando eles genuinamente estão em busca de respostas, podem atropelar seres humanos em nome de um avanço na compreensão da mente.

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