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Ainda não há prova de que pessoas curadas de Covid-19 estejam imunes, diz OMS

Países devem esperar estudos conclusivos antes de tomar essa suposição como verdadeira e criar políticas públicas, segundo a organização.

Por Bruno Carbinatto
27 abr 2020, 18h56

A Organização Mundial da Saúde (OMS) solto o alerta no último sábado: ainda não dá para afirmar que pessoas que se infectaram com o novo coronavírus e se curaram estão agora imunes. A afirmação vem em meio a iniciativas de alguns países de liberar seus cidadãos curados do isolamento.

Para entendermos o porquê, precisamos passar pelo processo de imunização do nosso corpo. Quando somos infectados por um novo vírus (ou bactéria, ou qualquer outro patógeno), nosso sistema imunológico aprende a reconhecer aquele invasor, e cria substâncias chamadas anticorpos para combatê-lo. Cada anticorpo tem um formato diferente e específico para seu antígeno, capaz de se ligar somente a ele e neutralizá-lo. (Vacinas funcionam de maneira parecida: elas injetam o patógeno atenuado ou parte dele em nossos corpos para estimular que nosso sistema imunológico produza os anticorpos contra eles.)

No caso da Covid-19, sabemos que funciona da mesma maneira: humanos que pegam a doença criam anticorpos contra o SARS-CoV-2 – e dá até pra detectar esses anticorpos em nosso sangue. Disso, pelo menos, temos certeza.

Acontece que somente ter anticorpos não significa, necessariamente, que uma pessoa está imune. Isso porque, algumas vezes, anticorpos conseguem se ligar ao invasor, mas não são bons o bastante para neutralizá-lo. Ou seja, eles até tentam combater o patógeno, mas não conseguem. E, com isso, a doença pode aparecer mesmo em pessoas com anticorpos. Não é algo comum de acontecer, mas não é impossível.

O alerta da OMS não diz que a Covid-19 tenha algo de especial: o que a organização lembra é algo mais brando, Como a doença é nova, não temos nenhum estudo provando nem o cenário de imunização, nem o de falta dela. Além disso, há também outras questões sem resposta sobre o mesmo tema: se de fato os anticorpos forem protetivos, o quão efetivo eles são em diferentes populações? E por quanto tempo eles duram? Por essas e outras perguntas é que os governos têm que ter cautela antes de assumir que pessoas curadas estão totalmente seguras, segundo a OMS.

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A divulgação da nota causou uma certa polêmica. Em seu perfil do Twitter, a OMS inicialmente resumiu demais a informação – o que acabou gerando pânico em quem não leu a nota completa. A construção da frase dava a entender de que não havia imunidade para quem contraía a doença (como se fosse uma certeza). Após críticas, a organização apagou seus tweets anteriores e refez as postagens para deixar sua mensagem mais clara:

“Passaporte de imunidade”: um tiro no pé?

Alguns países, buscando evitar crises econômicas maiores devido à quarentena, consideram oferecer um “passaporte de imunidade” para quem se curou da doença – ou seja, permitir que aquelas pessoas voltem a normalidade, já que estão, teoricamente, imunes. 

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A esperança desses países é que os chamados testes de anticorpos possam dizer quem seriam essas pessoas. Esses exames procuram os anticorpos que criamos contra o vírus em nosso sangue, e não o vírus em si. Quem testa positivo já foi infectado (mesmo que não tenha apresentado sintomas) e tem os anticorpos.

Mas a ideia é prematura, já que não há provas de que essas pessoas estejam realmente imunes. E isso pode gerar uma falsa sensação de segurança para quem já se curou da doença, podendo fazer com que indivíduos ignorem recomendações de saúde pública e contribuam para o espalhamento da doença.

Além disso, como já explicamos na SUPER, os testes de anticorpos têm outro problema: a maioria acabou de ser desenvolvida e ainda não passou pelos rigorosos testes de controle de qualidade que geralmente existem em situações normais (ou seja, quando não há a urgência de uma pandemia). Por isso, muitos apresentam taxas de acerto questionáveis. 

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O que de fato sabemos até agora?

Alguns países, como China e Coreia do Sul, já relataram casos de pessoas que se curaram da doença e voltaram a testar positivo para o vírus. Mas não está claro se esses casos (que são poucos) foram de “falsas curas” – ou seja, quando os sintomas passam e o vírus parece sumir, mas permanece silencioso em baixas quantidades para retornar – ou se foram de pessoas que de fato contraíram o vírus duas vezes. Neste último caso, isso poderia indicar que aquelas pessoas não estão imunes à doença. Mas, novamente, ainda não dá para saber.

Um estudo feito com macacos-rhesus mostrou que, depois de infectados e curados, os bichos ficaram sim imunes ao vírus. É um bom sinal, mas não é a prova de que o mesmo aconteça em nós, humanos.

A dúvida, aliás, é a mesma para as vacinas que estão sendo desenvolvidas. Todas passarão por testes rigorosos, pois tem que demonstrar, tanto em laboratório como em animais e, por fim, em humanos, que não só produzem anticorpos, mas que também esses anticorpos são bons o suficiente para combater a doença. Esse é um dos motivos que explica o porquê de o tempo de desenvolvimento de uma vacina ser tão longo.

De qualquer forma, a OMS admite que a presença de anticorpos geralmente indica um fator protetivo. Mas, mais do que nunca, tudo tem que ser provado pelo método científico, e não dá para combater a pandemia com base apenas em suposições positivas.

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