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As espécies que mudaram o mundo: livro revela lado desconhecido da evolução

A cientista Alice Roberts desvenda como o homem moldou, ao longo da história, o código genético de espécies animais e vegetais

Por Joel Pinheiro da Fonseca, de Exame.com
Atualizado em 5 mar 2018, 17h59 - Publicado em 5 mar 2018, 17h52

 

Quando foi que a pretensão humana de ser senhor do universo nos levou a nos contentar não só com a natureza como ela é mas a querer modificá-la, editando, por exemplo, o código genético de plantas e animais? Quando é que entramos nessa era em que a humanidade determina até mesmo a genética de outras espécies?

Se o leitor pensou que isso ocorreu no século 20 ou 21, errou por uns 10.000 anos. Desde os confins imemoriais de nossa pré-história o homem vem alterando o mundo a seu redor, inclusive transformando espécies para melhor satisfazer seus fins. O mundo em que habitamos, e que quer levar essa transformação sempre mais longe, é o resultado também de milênios de seleção genética da natureza. A narrativa fascinante dessa intersecção entre biologia e História – uma intersecção inevitável, se lembramos que o homem, sujeito da história, é um ser biológico – é o tema do livro Tamed: Ten Species That Changed Our World (“Domesticado: dez espécies que mudaram o nosso mundo”, numa tradução livre), da cientista e autora inglesa Alice Roberts.

Roberts seleciona 10 espécies vegetais e animais que trazem, em si, os efeitos de milhares de anos de interação com seres humanos. Embora nos pareçam “naturais”, essas espécies são na verdade criações humanas – às vezes conscientes, às vezes inconscientes. Esses dez exemplos nos ajudam a entender melhor a nossa própria história e a, quem sabe, enterrar de vez o mito de que somos algo separado da natureza.

Os dez exemplos selecionados por Roberts são: cães, trigo, gado, milho, batata, frango, arroz, cavalos e, por fim, nós mesmos. Cada capítulo desvela um passado remoto e nos dá pistas sobre onde, quando e como viveram nossos antepassados.

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Arqueologia e genética (duas áreas nas quais a autora atua) são ciências muito diferentes, mas têm isso em comum: são janelas para o passado. Ferramentas de bronze e monumentos de pedra não são os únicos indícios que nossos ancestrais deixaram pela terra: nossos genes e os genes das espécies com as quais interagimos carregam consigo uma memória impressionante.

A história começa com os cachorros, a primeira espécie a ser domesticada pelo homem, mesmo antes da agricultura. A variabilidade dos cachorros é algo singular (pense nas diferenças entre um chihuahua e um dogue alemão), o que levou cientistas no passado (como Darwin) a especular que eles não tivessem uma origem única, mas fossem o resultado do cruzamento de várias espécies de ancestrais que lhes garantiram a presente plasticidade. Pelo estudo genético, hoje sabemos que não: todos os cachorros são descendentes do lobo cinzento.

A simbiose entre homem e cachorro é tão grande que o aparato emocional do cachorro evoluiu para ter empatia com expressões faciais e comportamentos humanos, coisa que os gatos domésticos, por exemplo, não têm. São mudanças profundas, mas que podem acontecer com uma rapidez surpreendente. Conforme citado no livro, um experimento soviético dos anos 50 conseguiu, em 20 gerações, produzir raposas domesticadas – experimento que é levado adiante até hoje na Rússia. Basta selecionar aquelas raposas selvagens (um animal extremamente arredio) que respondem de forma mais dócil ao homem, que logo os filhotes passam a exibir esses traços e a alcançar novos patamares de convivência.

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Em alguns casos, a mudança genética ocorreu tanto na espécie domesticada quanto no homem. O homem europeu selecionou (num processo que não precisa ser consciente) a vaca e a domesticou para ter uma fonte de carne. Mas o leite estava lá também e passou a ser consumido. O normal na espécie humana é que conforme o indivíduo crescia ele perdia a capacidade de digerir a lactose; uma mutação de um gene específico altera isso e permite a digestão durante toda a vida. Num ambiente em que se cria vacas, ter mais essa fonte de alimento e cálcio é uma grande vantagem. Resultado: hoje, 90% dos adultos europeus produzem lactase e digerem o leite sem problemas. Na Ásia, apenas 10% conseguem fazê-lo.

As curiosidades históricas são muitas: a maçã comum, por exemplo, foi trazida do Cazaquistão milênios atrás, embora existam variantes europeias da fruta – que nunca foram devidamente cultivadas. O cavalo existira na América antes da chegada dos espanhóis e portugueses, mas fora extinto pelo homem. Igualmente grandes são os enigmas e o que simplesmente não se sabe: o trigo do Crescente Fértil na Mesopotâmia chegou à Inglaterra via comércio milênios antes de ser cultivado em solo inglês? Como é que surgiu o milho domesticado dos povos americanos?

A parte final, sobre o próprio homem, mostra como nossa evolução foi similar à dos cachorros: a humanidade selecionou em si mesma as qualidades mais infantis e mais femininas, diminuindo a agressividade e criando uma espécie que – como os cachorros – gosta de brincar e jogar jogos até a vida adulta.

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As técnicas de edição genética – que nos permitem mudar letras específicas do código genético e testar seus resultados – prometem acelerar ainda mais esse processo. Mas a grande lição que o livro nos deixa é que não faz sentido diferenciar entre seleção natural e artificial. O processo em andamento é o mesmo sempre: seres vivos se moldando a um ambiente que é determinado também por outros seres vivos. Uma leitura interessante para todos os que se interessam por ciência e pela origem do homem.

Este conteúdo foi publicado originalmente em EXAME.com

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