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As histórias por trás das relíquias perdidas no incêndio

10 mil pedaços de animais pré-históricos, 800 meteoritos e uma biblioteca de 400 mil itens. O que se perdeu e o que sobreviveu à tragédia no Museu Nacional.

Por Bruno Vaiano, Ana Carolina Leonardi e Felipe van Deursen
Atualizado em 3 set 2018, 22h31 - Publicado em 3 set 2018, 14h44

Esta matéria está sendo atualizada conforme a SUPER apura novas informações.

O meteorito do Bendegó, com 5 toneladas. E outros 800 meteoritos menores.

(Jorge Andrade/CC BY 2.0/Wikimedia Commons)

“A coleção de meteoritos contava com mais de 800 exemplares”, conta a pesquisadora Renata Schaan, que fez mestrado em patrimônio geopaleontológico no Museu Nacional – e é especialista em meteoritos. “Havia desde peças milimétricas e únicas – como o meteorito Angra dos Reis, que deu nome a uma categoria de meteoritos chamada angritos – até peças enormes e históricas, como o meteorito Bendegó. O Bendegó estava exposto na entrada do museu e foi trazido de charrete da Bahia até o Rio de Janeiro em 1888.”

O Bendegó foi descoberto em 1784, por um rapaz que cuidava do gado em uma fazenda nos arredores de Monte Santo, no sertão da Bahia. A notícia do achado correu o mundo, chegando aos ouvidos do governador D. Rodrigues Menezes, que em 1785 ordenou o seu transporte até Salvador. Tentaram retirá-lo com 24 bois atrelados em duplas, mas não deu certo: o pedregulho cósmico rolou morrou abaixo e caiu em um local a meros 180 metros de onde foi encontrado. Lá ele ficou por mais de 100 anos.

Foi só sob o governo de Dom Pedro II, em 1888, que a pedra finalmente foi movida para o Museu Nacional. O imperador era apaixonado por ciência, e promoveu uma marcha de 126 dias pela caatinga para levar a relíquia até a estação ferroviária de Jacurici, da Estrada de Ferro de São Francisco, a 108 km dali. 

O jornal O Globo publicou uma foto de um enorme meteorito que resistiu às chamas – julgando pelo formato e o tipo de pedestal em que está apoiado, ele é outra peça, sem relação com o Bendegó. É muito provável que o Bendegó, como ele, tenha sobrevivido. O problema é que exemplares tão grandes são raridade, e os menores, de apenas alguns centímetros, quase certamente se perderão entre os escombros.

Atualização: de acordo com o G1, a vice-diretora do Museu Nacional, Cristiana Serejo, disse em entrevista coletiva na tarde desta segunda-feira (3) que os meteoritos do prédio principal estão a salvo.

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Schaan explicou à SUPER que só peças comprovadamente valiosas entram para o acervo do museu: “Um material, para se tornar parte de uma coleção científica, já tem que ter valor. Pra tombar uma amostra, ela deve ser única, não estar mais disponível na natureza, ter valor histórico e científico, caracterizar uma espécie (biológica, mineral, rochosa, etc), estar contida em publicações científicas ou ser potencialmente utilizada em estudos futuros.” Além das peças em exposição e das coleções, o prédio também continha todos os equipamentos de pesquisa, como microscópios.

Este dinossauro, chamado Santanaraptor. E outros 10 mil espécimes fossilizados

Este esqueleto é uma reconstituição, e não o original, que estava exposto no Museu. (Kabacchi/CC BY 2.0/Wikimedia Commons)

“Na última atualização que eu vi – creio que de 2016 –, a coleção de paleovertebrados continha cerca de 10 mil espécimes”, afirma Helena de Bastos Cruz Machado. Ela analisou fósseis de cavalo disponíveis no museu em seu mestrado – e agora faz doutorado na Universidade de Oregon, nos EUA. É importante explicar que um espécime (com “m”) é diferente de uma espécie. “Espécime é como a gente chama cada peça fossilizada”, explica Machado. “Um espécime pode ser um dente isolado, um fragmento de osso, um crânio inteiro, etc. Ou seja, você pode ter vários espécimes preservados de uma espécie só.”

Em outras palavras, o que o museu continha eram mais de 10 mil pedaços de seres vivos fossilizados – e, às vezes, mais de um pedaço pertencia a um único ser vivo.

Vários destes espécimes eram holótipos, outro nome complicado. Um holótipo é o fóssil (ou os fósseis) em que o pesquisador se baseou para descrever uma espécie pela primeira vez. Quando outros fósseis do mesmo animal são encontrados, é o holótipo que serve de referência para classificá-los. Às vezes, o holótipo é o único exemplar da espécie que existe. É o caso do Santanaraptor que você vê aí cima, encontrado e identificado pelo setor de paleontologia de vertebrados do Museu Nacional. O pterossauro de nome científico Anhanguera blittersdorff também era uma peça única.

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(Dornicke/Wikimedia Commons (CC BY-SA 4.0))

“Além dos os holótipos ainda tinham inúmeros animais incríveis, fósseis do tigre-dente-de-sabre, de preguiças gigantes, como o Eremotherium [foto acima], tinha o enorme Maxakalissaurus [foto abaixo], etc.”, enumera Machado. “Tinha uma coleção enorme de peixes do Cretáceo do Nordeste do Brasil, tartarugas absurdamente bem preservadas de São Paulo, pterossauros também do Nordeste do Brasil, vários dinossauros do mesozóico e mamíferos do cenozóico… Só uma parcela bem pequena disso ficava exposta no Museu, na casa de dezenas.”

Schaan contou que alguns fósseis podem ter se salvado por estarem em um laboratório subterrâneo. “O Museu tem alguns outros prédios além do Palácio. A parte principal de preparação de fósseis vertebrados, por exemplo, é no subsolo ao lado do Palácio. Talvez essa parte tenha se mantido preservada. A preparação é uma coisa que demanda muito tempo e paciência, então as peças costumam passar um tempo considerável lá.”

O zoólogo Paulo Buckup, que cuidava da coleção de peixes, foi um dos pesquisadores que entraram com os bombeiros no prédio no começo do incêndio para resgatar alguns itens. Ele publicou o relato abaixo em seu Facebook. Os pesquisadores consultados pela SUPER afirmaram que a coleção de vertebrados a que ele se refere são esqueletos de animais contemporâneos, que ficavam em outro prédio – e não estão relacionados aos esqueletos fossilizados, que foram todos atingidos pelo incêndio.

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Edição de 1481 da Naturalis Historia, de Plínio, o Velho – e outras obras raras 

A biblioteca do Museu Nacional foi inaugurada em 1863. É uma das maiores da América Latina, especializada em ciências naturais e antropológicas. Hoje, são 474.866 volumes entre livros, periódicos, CDs, DVDs, folhetos, materiais iconográficos e cartográficos e outras publicações dos séculos passados.

O acervo ficava dividido entre o prédio do Palácio e um prédio separado, que ficava no mesmo terreno. A SUPER ainda não conseguiu apurar em qual dos prédios ficavam os volumes mais antigos e valiosos – e se eles foram ou não atingidos pelo incêndio.

Atualização: a vice-diretora do Museu Nacional, Cristiana Serejo, disse em entrevista coletiva na tarde desta segunda-feira (3) que boa parte das obras da biblioteca estavam localizadas em outro prédio, que não foi afetado pelas chamas.

Além do Naturalis Historia – o livro mais antigo da coleção –, há também uma edição em latim de Novus Orbis seu descriptionis Indiae Occidentalis, de 1633. A obra, uma descrição da recém-descoberta América, foi escrita pelo geógrafo Johannes de Laet, que foi diretor da diretor da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais. Também há um exemplar de Description de L’Egypte  – um marco da egiptologia, foi concebido durante a invasão de Napoleão no Egito (1798-1801).

Mas nem tudo está perdido. Pelo menos não para o fogo: em 2016, mais de 300 obras raras, o que incluía os 16 volumes da primeira edição dos Sermões de padre Antônio Vieira (1679), e Expédition dans les parties centrales de l’Amérique du Sud (1850-1859), do naturalista inglês Francis de Castelnau, com centenas de litografias pintadas a mão, foram furtadas da biblioteca. Elas não estavam no museu, portanto, na hora do incêndio.

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Múmias 100% brasileiras

Uma das atrações mais populares do museu eram suas múmias. Sim, algumas eram as clássicas múmias egípcias. Outras eram romanas. Mas o Museu Nacional era casa de algumas das raríssimas múmias amazônicas (você pode conhecê-las neste post – que a SUPER dedicou todinho aos emablsamados). 

Um dos exemplos impressionantes guardados no museu eram os do povo Jívaro, da Amazônia Equatoriana – especialistas em mumificar cabeças. Os cabelos dos seus cadáveres eram mantidos, e a extração do crânio era feita de forma a manter ao máximo a fisionomia do falecido. Para ter uma ideia do tamanho da realização, é só lembrar que a Amazônia não é o clima ideal para a preservação de nada. Com um calor e uma umidade tão grandes, imagine a dificuldade que era a manutenção de um cadáver.

(Dornicke/Wikimedia Commons (CC BY-SA 4.0))

Quer múmia mineirinha? Tinha também. Um grupo encontrado em uma fazenda de café, na Caverna da Babilônia em Minas Gerais, incluía uma mulher mumificada e dois bebês, que pertenceriam às tribos indígenas maxacalis, camacãs, ou manukis. Os corpos preservados foram doados pelos donos da fazenda de café onde foram encontrados a D. Pedro II, que redirecionou os achados ao Museu.

Ao que tudo indica, todas as peças de antropologia e etnologia que estavam em exposição – incluindo estas – foram destruídas.

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Múmias andinas

No acervo de múmias, o Museu Nacional continha ainda corpos dos nossos vizinhos do deserto do Atacama. A mais famosa é conhecida como a múmia atacamenha de Chiu Chiu.

(Agência Brasil/Fernando Frazão/CreativeCommons/Wikimedia Commons)

O homem que se tornou múmia teria vivido há quatro mil anos. Morreu com cerca de 40 anos de idade – e foi mumificado assim, meio sentado e abraçando os joelhos.

Ninguém sabe se o corpo da múmia de Chiu Chiu morreu nessa posição. Era comum enterrar os mortos mumificados e encolhidinhos assim – na medida em que as condições da morte permitiam, é claro.

A posição, aliás, é similar a que se encontra a múmia Aymara, outra relíquia do Museu Nacional, encontrada perto do Lago Titicaca, que fica entre o Peru e a Bolívia. Essa outra múmia andina também era um homem adulto, que morreu entre os 30 e aos 40 anos. O corpo preservado foi encontrado (e era exposto) com uma manta vestida sobre o corpo encolhido. Por baixo dela, o rapaz está sentado com os joelhos no queixo – e o corpo era amarrado nessa posição. Por último, vinha o tecido, que deixava os pés e o rosto para fora.

(Museu Nacional/UFRJ/Reprodução)

A assinatura de Marie Curie no livro de visitantes

Einstein não foi o único visitante ilustre do Museu Nacional – embora sua foto na porta do prédio tenha viralizado hoje mais cedo. A foto abaixo está no tweet de uma pesquisadora que trabalhava no museu. Clicando nele, é possível ver outras imagens de peças do museu – como esqueletos de uma girafa e um elefante ou uma armadura Samurai.

 

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