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As peças invisíveis do univeso

Cientistas dizem ter detectado a famigerada matéria escura, que responderia por mais de 80% da massa do universo. Mas nem todo mundo concorda com eles.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h45 - Publicado em 30 set 2006, 22h00

Texto Salvador Nogueira

No fim do mês de agosto, a Nasa reuniu cientistas e jornalistas para um anúncio importantíssimo: pela primeira vez, um grupo de pesquisadores obtinha evidências diretas de uma coisa que ninguém sabe direito o que é, de que é feita ou se existe mesmo. Acredite se quiser, mas, a despeito desses senões, todo mundo ficou interessado –afinal, esta questão é uma das mais cruciais a respeito do Universo. Estamos falando da enigmática matéria escura.

Mas que diabos é matéria escura? Boa pergunta. Se alguém hoje soubesse, ela provavelmente nem teria esse nome. O “escura” vem do fato de que, tudo bem, ela deve existir, mas nunca terá como ser vista. Ao que parece, ela praticamente não interage com a matéria que a gente conhece – a que está no seu corpo, nos planetas, nas estrelas. Você mesmo pode estar rodeado de matéria escura neste momento, mas nem percebe. A única maneira pela qual essa estranha substância parece manifestar sua existência é pela gravidade que exerce sobre as coi sas. E é uma senhora manifestação.

Ei, espera aí. Se você está rodeado por matéria escura e ela pode atrair você gravitacionalmente, por que você não é chutado pelos cantos por ela como um cachorro pulguento? Ocorre que a gravidade é uma força peculiarmente fraca – a despeito da impressão que seus tombos ocasionais possam dar. Para derrubar você no chão, por exemplo, é preciso um planeta inteiro atrai-lo. Não seriam, portanto, umas míseras partículas de matéria escura ao seu redor que fariam alguma diferença – mesmo porque elas estariam por todos os lados, até dentro de você, e o efeito atrativo seria cancelado. Agora, quando falamos de coisas realmente grandes, maiores que planetas e que estrelas, a matéria escura demonstra todo o seu poder gravitacional. A coisa só funciona de galáxias para cima, mas tem um efeito contundente.

A maioria das grandes galáxias tem um formato espiral, como a nossa boa e velha Via Láctea. Em geral, elas são compostas de centenas de bilhões de estrelas, misturadas a um monte de gás, que giram em torno de um buraco negro gigante.

Pelo que a física sabe, essas estrelas deveriam se mover igual aos planetas do sistema solar. Assim: a gravidade do Sol faz com que Mercúrio, o planeta mais próximo dele, gire com uma velocidade 60% maior que a da Terra. O nosso planeta é mais rápido que Marte, que é mais que Júpiter, e por aí vai, até Plutão e Eris, que rastejam pelo espaço. É como o velho astrônomo alemão Johannes Kepler calculou, lá no século 17: quanto mais longe, mais lento.

Mas as galáxias não obedecem a essa regra. Observações feitas desde os anos 70 mostraram que as estrelas do meio para fora do disco espiral giram com a mesma velocidade, e que se dane a distância que estiverem do buraco negro.

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Não é pouca coisa. Se isso acontece, ou as leis da física que a ciência concluiu estão erradas ou… tem mais alguma coisa lá. Algo com ravidade suficiente para acelerar essas estrelas mais distantes com tanta força quanto se elas estivessem perto do centro. Algo com massa, pois é a massa dos corpos quem era ravidade. Mas ninguém enxergava nada.

Um dragão na garagem

Embora exista alguma coisa em todas as galáxias que produza esse efeito gravitacional anômalo, há uma grande distância entre dizer que se trata de matéria “que não estamos vendo” e matéria “que não podemos ver”. Muita gente supôs que essa massa que faltava fosse simplesmente composta de estrelas e objetos que são pouco (ou nada) brilhantes –daí não os estarmos vendo–, mas ainda assim pertencem à mesma categoria de matéria que nos compõe, feita de prótons, nêutrons e elétrons, além de outras partículas mais pedestres.

Claro, a idéia dessa matéria REALMENTE escura, 100% indectável, era perigosa demais para os cientistas engolirem de cara. Lembrava aquela velha parábola de Carl Sagan. O astrônomo americana dizia: “Qualquer um pode vir e falar que um dragão mora em sua garagem. Basta explicar que, embora ele esteja lá, não tem como ser detectado pela visão, pelo tato, pelo calor que o fogo dele era, ou seja, por nenhum meio conhecido”.

A própria ciência já havia tido um encontro desagradável com um conceito assim. Foi quando o rosso dos pesquisadores pressupunha que o Universo era permeado pelo “éter”, uma substância que serviria como meio para a propagação de ondas eletromagnéticas, como a luz. Embora todos os experimentos para detectá-lo no século 19 tenham fracassado, a idéia resistiu mais ou menos intacta até Albert Einstein chegar, em 1905, e provar por A mais B que esse negócio de éter não fazia o menor sentido.

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Enfim, todo cuidado é pouco quando os cientistas precisam postular a existência de algo que não estão vendo. Então, muitos optaram pela solução mais simples: imaginar que aquela massa na verdade era feita de anãs marrons (estrelas abortadas, que não chegam a brilhar), buracos negros (que têm uma ravidade tão intensa que capturam até a luz, impedindo sua observação) e outras criaturas exóticas (mas ainda assim feitas de prótons, nêutrons e elétrons) do zoológico cósmico.

Ocorre que ficou mais difícil defender essa hipótese quando surgiram os primeiros cálculos de quanta matéria escura deveria existir por aí. Hoje, estima-se que 8 ou 9 em cada 10 quilos de matéria são feitos dessa coisa. Nenhuma teoria convincente de formação de objetos estelares parece bater com esse número abissal. Todos sabiam que era impossível haver tantos buracos negros, anãs marrons e afins no espaço. Sinuca de bico para os astrônomos.

“É desconfortável para um cientista ter de invocar algo invisível e indetectável para responder por quase 90% da matéria do Universo”, afirma Maxim Markevitch, um dos astrofísicos da Nasa que dizem ter finalmente obtido a primeira detecção direta da substância.

Douglas Clowe e seus colegas apontaram telescópios para uma região turbulenta do espaço, o aglomerado de Bala, um bolo de galáxias a 3,5 bilhões de anos-luz (um ano-luz equivale a 9,4 trilhões de quilômetros). Esse é um lugar onde uma quantidade monstruosa de gás e poeira se chocou. A pancada foi tão violenta que separou a matéria escura da normal. E permitiu que “enxergassem” adanada pela primeira vez (leia o quadro acima). Aí Douglas Clowe não teve dúvidas: “Nossos resultados são prova direta de que a matéria escura existe”.

Mas nem todo mundo na comunidade científica concorda com ele.

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Teorias alternativas

Quando asprimeirasevidênciasg avitacionais da matéria escura começaram a pulular, muita gente pensou que o problema não estivesse em nossas teorias sobre a composição do Universo, mas, sim, em nossas teorias do comportamento da gravidade. Um dos caras que pensaram isso foi John Moffat, da Unive sidade de Wate loo, em Ontário, Canadá. Ele desenvolveu uma teoria chamadaMOG, que é basicamente uma versão modificada da teoria gravitacional.

Segundo esse modelo, a gravidade só funciona do jeito que a gente conhece até uma certa escala. Para algo com as dimensões do sistema solar, por exemplo, continuaria tudo igual. Mas, quando monstros como galáxias e aglomerados entrassem na jogada, as coisas mudaiam: agravidade mostrariaqueficamais forte conforme a distância aumenta, e não o contrário, como Kepler, Isaac Newtone Albert Einstein sempre acreditaram.

Audacioso, mas que servia para explicaro funcionamento do Universo dispensando a estranhíssima matéria escura, servia. Tanto que, após o anúncio espalhafatoso da Nasa, Moffat se pôs a redigir um estudo de 8 páginas, demonstrando que sua teoria poderia explicar com igual facilidade os efeitos observados.

“Ninguém deve tirar conclusões prematuras sobre a existência da matéria escura sem analisar as teorias alternativas”, afirmou o canadense.

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A verdade é que os resultados da Nasa deixam mais perguntas do que respondem. Com ou sem eles, ainda não sabemos o que compõe a matéria escura. Experimentos atuais, como os que acontecem nas profundezas de uma mina em Minnesota, nos EUA, e no Laboratório Nacional Gran Sasso, na Itália, estão tentando detectar essas partículas vindas do espaço exterior. Mas até agora nada.

Talvez essa resposta não tenha mesmo como vir do espaço. Em vez disso, é possível que os aceleradores de partículas, que espatifam átomos a velocidades estonteantes, dêem as primeiras pistas.

No ano que vem, o Cern (principal laboratório de física da Europa) colocará para funcionar na Suíça o Grande Colisorde Hádrons (LHC). Será o maior acelerador já construído. E as pancadas lá dentro vão gerar energias quase tão violentas quanto as do big-bang, a explosão que deu origem ao Universo. Esse poder, em tese, seria suficiente para criar partículas diferentes de tudo o que a gente conhece. E algumas delas podem virar candidatas ao cargo de matéria escura.

Bom, esse mistério pode até estar com os dias contados. Mas, até hoje, o que os físicos viram século após século é que a natureza sempre parece ter um ás na manga –que ela apresenta quando a gente menos espera. Façam suas apostas.

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Energia escura para acompanhar, por favor

Como se não bastasse os cientistas não saberem do que é feito o grosso da matéria que compõe o Universo, nos últimos anos também descobriram que toda essa matéria não dá nem um quarto de tudo o que existe no Cosmos. Aconteceu em meados dos anos 90, quando cientistas descobriram que a expansão do Universo não estava freando, como previam as teorias clássicas. Ela estava acelerando, como se houvesse uma força contrária à gravidade, que repelisse os objetos em vez de atraí-los, agindo nas maiores escalas do Cosmos. A essa misteriosa forma energética os cientistas deram o nome de, adivinhe só, energia escura. E, quando eles começaram a fazer as contas para descobrir quanta energia escura existia, descobriram algo surpreendente: a massa dela é 3 vezes maior que a de todo o resto. Quer dizer: a energia escura responde por mais de 70% do Universo – a matéria escura fica com uns 25% e a comum, com meros 5%. Mais: nosso destino está nas mãos dessa energia fantasma. Se ela continuar se comportando do jeito atual, o Universo irá se expandir para sempre, cada vez mais rápido. Se ela “virar a casaca ”e ajudar a gravidade a reunir toda a massa do Cosmos, podemos terminar num “big-crunch”. Seria uma grande implosão, tipo um big-bang ao contrário. E pode ser ainda que ela não faça nem uma coisa nem outra. Só que ninguém sabe o que vai ser.

Matéria escura às claras

Choque no espaço libertou a matéria fantasma, aí conseguiram detectar a imensa gravidade que ela gera sozinha

1. Estas bolas são aglomerados de galáxias. Num passado distante, as duas entraram em rota de colisão. Apesar de ambas conterem bilhões de estrelas, a maior parte da matéria aí é feita de nuvens de gás e poeira.

2. Na hora da pancada, os átomos do gás e da poeira se chocam. A atração eletromagnética entre eles cria uma barreira que age tipo a resistência do ar. Isso freia as partículas de matéria comum (em vermelho).

3. Mas não breca a matéria escura (em azul). Como ela só interage com a matéria comum pela atração gravitacional, nem sente a resistência da força eletromagnética. E fica livre para voar pelo espaço.

4. Esta imagem mostra a gravidade de cada pedaço da colisão. O azul representa uma força gravitacional maior. E justamente onde não tem matéria normal! Conclusão: essa força só pode vir da matéria escura.

Para saber mais

In Search of Dark Matter – Ken Freeman,Geoff Macnamara,Springer,EUA,2006

O Mundo Assombrado pelos Demônios – Carl Sagan,Companhia da Letras,1997

https://chandra.harvard.edu/photo/2006/1e0657/animations.html – Site com animações da colisão galática que revelou a matéria escura.

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