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Bizarrices no divã

Uma menina que come lixo. Um garoto que pensa ser o Schwarzenegger. Psicólogos dispostos a dar uma de detetive e até a incentivar o surto do paciente. Bem-vindo ao mundo bizarro da psiquiatria

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h50 - Publicado em 9 dez 2004, 22h00

Álvaro Oppermann

Poucos casos vistos por Jon Carlson haviam tido um desfecho tão insólito quanto o de Trina, uma mulher com distúrbios afetivos causados pelo convívio com uma família desequilibrada. Nas sessões com o psiquiatra, Trina falava de uma tia doente – a única pessoa sensata na família – com quem queria reatar os laços. Mas os parentes não deixavam que as duas se encontrassem. O que estavam ocultando? Depois de semanas discutindo o problema,Trina procurou a polícia. Foi então que o mistério se desfez: a tia estava morta e “vivia” embalsamada junto à família.

Esse é só um dos casos psiquiátricos reunidos no livro The Mummy at the Dining Room Table (“A Múmia à Mesa de Jantar”, inédito no Brasil), dos americanos Jeffrey Kottler e Jon Carlson. O trabalho reúne os casos mais curiosos de alguns dos psiquiatras mais famosos do mundo e se tornou um verdadeiro painel de esquisitices da alma humana.

Kottler e Carlson são adeptos de tratamentos bem menos ortodoxos do que aqueles usados no século 19, quando Freud desenvolveu a psicanálise. Freud usava um método conhecido como livre associação de idéias: o paciente senta-se no divã por dias, meses ou anos falando sobre suas neuroses e tudo o que, possivelmente, tenha a ver com elas. Dos sonhos às palavras ditas sem querer (o ato falho), tudo deve ser analisado.

Mas o tratamento de doenças mentais se adaptou aos tempos modernos. Novas terapias – que focam um só problema (sem gastar tempo com temas periféricos) – estão em voga. As técnicas atuais vão desde trocar o divã pela pista de corrida até eleger uma prostituta como mediadora de problemas conjugais. Os psiquiatras também não estão se levando tão a sério. Já não se importam em desenvolver amizade com os pacientes (coisa que Freud abominaria) ou usar técnicas tidas como charlatanices, como a hipnose. Os casos e soluções relatados em The Mummy… são um reflexo do mundo prático em que vivemos. E uma prova de que o homem segue sendo um bicho muito esquisito.

Titia é uma múmia

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A família de Trina (no livro, todos os nomes de pacientes foram trocados) não era muito convencional. Sua cunhada, por exemplo, resolveu apresentar o namorado à família por meio de uma foto em que o rapaz aparecia de calças arriadas, exibindo o membro sexual ereto. Não foi um expediente muito ortodoxo para gerar boa impressão, mas, por incrível que pareça, funcionou. Numa família como essa, faz um pouco mais de sentido que um marido com remorso resolvesse mumificar a esposa morta.

Quando a tia de Trina começou a apresentar uma série de problemas de saúde que não respondiam à medicina tradicional, o marido passou a tratá-la com ervas caseiras e suco de limão. O tratamento acabou se revelando tóxico e matou a pobre mulher. Remoído pelo remorso e decidido a não ficar sem a presença da esposa, o tio decidiu mumuficá-la com a ajuda de um amigo dentista. Durante sete anos, a tia mumificada sentou-se à mesa durante as refeições da família e dormiu na cama, ao lado do marido.

Resultado do caso: Quem realmente conseguiu solucionar o problema foi a polícia, que descobriu o paradeiro da tia. Jon Carlson nunca mais ouviu falar da paciente e não se importou em confessar que isso o deixou chateado. “Às vezes as pessoas nos deixam antes que desejássemos ser deixados”, escreveu. Já do tio da moça não faltaram notícias: depois de enterrar a esposa, ele passou nos testes psicológicos do Estado e manteve a guarda dos filhos. Algum tempo depois surpreendeu a todos novamente e assumiu seu relacionamento com o dentista embalsamador.

Prostituta de 82

O psiquiatra Jay Hailey é adepto da teoria “quanto mais gente melhor”. Ele é um dos médicos pioneiros em terapia familiar e sempre achou que a roupa suja dos pacientes devia ser lavada pelo máximo de pessoas envolvidas nos casos. Foi por isso que insistiu para que o casal que ele estava atendendo trouxesse a mãe do rapaz – motivo da discórdia familiar – para as sessões. Aparentemente, os hábitos da senhora de 82 anos deixavam o filho estressado e ele acabava descontando todo o mau humor na esposa. O casal a princípio não gostou da sugestão, mas não discutiu com o médico. Na sessão seguinte, quando a mãe apareceu, o doutor Hailey entendeu o porquê de tanta resistência. Aos 82 anos, ela ainda trabalhava como prostituta, atendendo a uma clientela que combinava a velha guarda com garotões interessados em experiências diferentes. E tudo isso dentro de casa.

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Resultado do caso: Apesar dos pesares, o casal tinha um grande respeito pela octogenária. Em poucas sessões conjuntas, Jay Hailey elevou a senhora a mediadora nas brigas do casal, intervindo em favor da nora. O filho, por sua vez, conseguiu que a velha prostituta abrisse mão de um costume antigo: nunca mais atendeu seus clientes nos horários em que os netos iam visitá-la.

Exterminador do futuro

Jason, um garoto de 19 anos, estava sendo treinado por sua comunidade religiosa para atuar como missionário no Terceiro Mundo. O programa preparatório era marcado por muita pressão e, quando ele se viu forçado a aprender uma língua estrangeira em oito semanas, surtou e começou a ter delírios. Ficou paranóico. Isso motivou sua internação numa clínica, da qual insistia em fugir. “Meu nome é Terminator. Minha missão é libertar John Connor”, disse ao se apresentar a Scott Miller, seu médico. A primeira tarefa do psiquiatra foi convencer Jason de que ele não era o Exterminador do Futuro. A solução encontrada foi engenhosa. Depois de algumas visitas ao rapaz, Scott Miller surpreendeu-o. “Eu sei quem você realmente é. Seu nome é Arnold Schwarzenegger.” A frase apanhou o garoto desprevenido. “Como você sabe quem eu sou?” O psiquiatra, sem se intimidar, continuou na ofensiva. “Como você prefere ser chamado?” “Arnold”, respondeu Jason. “Arnold, você é obviamente um grande ator, mas precisa de um papel que o desafie”, argumentou Miller de forma persuasiva. Jason se inflou de orgulho. “Eu sei disso. O problema é que os picaretas de Hollywood sempre me dão o mesmo tipo de papel.” “Bem, eu tenho um papel mais difícil para você”, continuou o doutor. “É o papel de um paciente de um hospital psiquiátrico. Você vai ter de participar das atividades com os outros pacientes e falar dos seus problemas. E o mais importante: nada de tentar escapar”.

Resultado do caso: Aos poucos, com auxílio de medicação pesada, Arnold, o ator, voltou a ser Jason, o quase missionário. Com a supervisão de Scott Miller, retornou ao convívio na comunidade a que pertencia. Os religiosos, no entanto, temendo um novo surto psicótico, aposentaram o rapaz.

Na cama com papai

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A primeira coisa que o psiquiatra sul-africano Arnold Lazarus notou quando a nova paciente entrou no consultório foi sua ansiedade. E ela não levou mais de uma sessão para revelar o problema que a atormentava: estava tendo um caso com o pai. Abandonada por ele na infância, resolveu procurá-lo depois de 30 anos. A paciente, na faixa dos 40, era casada e tinha filhos. O pai, com mais de 70, estava no quarto casamento. A química sexual entre ambos foi instantânea. “O melhor sexo da minha vida”, disse a mulher sobre o pai setentão. Nunca antes tivera tantos orgasmos múltiplos. Além disso, o velho homem era infatigável e os encontros se tornavam cada vez mais comuns. A paciente resolveu procurar o médico quando o complexo de culpa se tornou insuportável. Lazarus fez uma recomendação que muitos de seus colegas, mais tarde, consideraram extravagante e inapropriada. “Ele pode ser seu pai biológico, mas não representa uma figura paterna”, disse Lazarus para tranqüilizar a paciente.

Resultado do caso: A absolvição psicológica atenuou o drama de consciência da paciente. “Uma conduta que provoca desaprovação social não faz de ninguém um ser desprezível”, diria depois o médico. Sem culpas, ela passou a exigir presentes caros do amante, entre eles um automóvel de luxo. Depois, deu-lhe um pé na bunda. “Foi uma forma de puni-lo pelo abandono”, explicou Lazarus. E como ela explicou ao marido a procedência dos presentes? “É o tipo de coisa que pais culpados fazem”, disse.

Adorável vaquinha

Quando era um médico da saúde pública em início de carreira, durante os anos 70, Jeffrey Kottler recebeu um pedido estranho de Manny, um jovem trabalhador rural do estado de Ohio, nos Estados Unidos. “Doutor, eu quero que o senhor corte fora o meu nariz”, disse. Ao investigar o porquê do pedido, Kottler descobriu que seu paciente sentia cheiro de estrume por toda a parte. “O senhor não está sentindo?” Mas não havia cheiro nenhum. Sabendo que o problema não estava no nariz do paciente, Kottler começou a interrogá-lo sobre sua vida pessoal e descobriu que o rapaz não tinha tido muita sorte com as mulheres durante a vida. Desiludido, acabou se tornando muito afeiçoado a Mertel, uma vaca da fazenda em que trabalhava. Mas muito afeiçoado mesmo! E, na hora de praticar seu amor, Manny costumava usar a escada de consertar cercas da fazenda para escalar a vaquinha. O problema é que o contato tão íntimo com a quadrúpede fazia com que Manny sentisse cheio de estrume todo o tempo, por toda a parte.

Resultado do caso: Kottler não teve que fazer esforço algum para dissuadir Manny da idéia de cortar o nariz. Depois de três sessões, o paciente contou que havia chegado a uma solução para o problema: ele começou a usar uma colônia bem forte, que encobria o odor de estrume. Largou o tratamento e é bem provável que ainda seja feliz ao lado de Mertel.

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Detetives da memória

Descobrir o paradeiro de objetos desaparecidos costuma ser trabalho de detetives, não de terapeutas. A menos que eles sejam peritos em hipnose. No início dos anos 80, o médico Ernest Rossi teve que ajudar Mary, uma velha senhora com problemas de memória, a lembrar onde escondera os ingressos da família para um show do Michael Jackson. Bastou uma sessão de hipnose para descobrir que os ingressos tinham sido colocados por Mary detrás dos jogos de lençóis, no armário, seu “esconderijo sagrado” na casa.

Já a terapeuta Pat Love ajudou Marvin, um adolescente, a recuperar seu emprego numa lanchonete. Ele havia sido acusado de desviar dinheiro do caixa. No transe, o garoto conseguiu lembrar em detalhes vívidos tudo o que tinha acontecido enquanto ele atendia o caixa no seu turno. De repente, Marvin viu a si mesmo se afastando do caixa para colocar no forno alguns pães de hambúrguer e pedindo a Carl, seu colega de trabalho, que atendesse um cliente. O que não tinha sido registrado conscientemente apareceu de forma cristalina no transe: na hora de dar o troco, Carl aproveitou para colocar um punhado de dólares no bolso.

Patricinha de luxo

O psiquiatra William Glasser, de Los Angeles, estava acostumado a atender patricinhas de Beverly Hills, a maioria delas com problemas de anorexia. Mas sua nova paciente não se enquadrava no estereótipo. Em primeiro lugar, ela comia bem. O único problema estava no cardápio: ela gostava de comer lixo. O que mais lhe divertia era revirar as latas de lixo do bairro chique em que morava e encontrar restos que pudessem lhe servir de almoço ou um simples lanchinho. Glasser não precisou de muito tempo para constatar que o paladar pouco usual era fruto da vontade da jovem de chocar a mãe, uma fanática por limpeza. Glasser – que nos anos 70 escreveu um livro chamado Vício Positivo, no qual advoga a tese de que um vício ruim pode ser curado pela adoção de um vício bom – resolveu aplicar sua teoria na garota. Assim, concordou em atendê-la, mas não no seu consultório. Duas vezes por semana eles se encontravam na pista de corrida onde ele praticava o seu jogging matinal. A sessão acontecia durante a corrida.

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Resultado do caso: Aos poucos, ela deixou de manifestar sua compulsão por lixeiras. Em lugar disso, transformou-se numa maníaca por fitness.

Para saber mais

Na livraria:

The Mummy at the Dining Room Table – Jeffrey Kottler e Jon Carlson, Jossey-Bass, EUA, 2003

Entre quatro paredes

Às vezes não é nem o cliente nem o psiquiatra quem resolve um caso, mas a Igreja. Um paciente católico da psiquiatra Domeena Renshaw não conseguia ter relações sexuais com a segunda esposa. Domeena sugeriu que o senhor, que era diabético, utilizasse injeções para induzir quimicamente as suas ereções (o caso aconteceu antes do Viagra). Ele, no entanto, mostrava-se arredio ao tratamento, mesmo com todo apoio da esposa. O imbróglio se resolveu quando a Igreja Católica reconheceu a anulação do seu primeiro casamento. O seu pênis precisava dessa permissão para trabalhar.

Outras vezes, o melhor é reconhecer que um caso sem solução está solucionado. Helga, uma iugoslava insatisfeita, fingiu se enforcar no porão da casa para chamar a ateção do marido. Ainda assim, ele só foi ver o que aconteceu seis minutos depois. Susan Johnson, especialista em terapia familiar, ajudou a desmanchar o relacionamento falido.

E até um desastre pode significar uma luz no fim do túnel. Foi o que aprendeu o terapeuta Len Sperry com o Coronel (como fazia questão de ser chamado), um militar de alta patente na Califórnia, que não se achava macho o suficiente e, por isso, não conseguia ter relações sexuais com a esposa. Apesar das várias sessões de terapia, foi uma operação de vasectomia malsucedida que resolveu seu problema. Por alguns dias depois da intervenção cirúrgica, os testículos do paciente ficaram tão inchados que atingiram o tamanho de uma bola de futebol. Estranhamente, isso deu um novo senso de poder ao militar, que o fez voltar à ativa na cama.

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