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Brasileiros “fotografam” efeitos da altitude no cérebro e viram capa de revista científica

Imagens inéditas feitas por cientistas de São Paulo mostram consequências raras de viajar a grandes alturas sem adaptação adequada.

Por Ana Carolina Leonardi Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 19 out 2017, 18h55 - Publicado em 19 out 2017, 18h07

Você talvez nunca tenha ouvido falar na Neurology, a revista científica oficial da Academia Americana de Neurologia. Mas ela é uma das publicações mais prestigiosas para os pesquisadores que se dedicam a entender melhor o cérebro – e, por isso, é um dos periódicos que costumamos acompanhar aqui na SUPER. A próxima edição da Neurology, porém, vai vir com uma dose extra de orgulho nacional: a capa apresenta uma pesquisa brasileira, desenvolvida em São Paulo por oito médicos, que conseguiram imagens inéditas de uma doença rara que pode acometer o cérebro quando o corpo é exposto a grandes altitudes. 

Neuro interna
(American Academy of Neurology/Reprodução)

A doença, chamada de mal de altitude, pode ter efeitos muito variados. Quem sofre com os sintomas, em geral, são viajantes que passeiam por cidades milhares de metros acima do nível do mar. “Se você conversar com gente que visita montanhas pela primeira vez, para esquiar, por exemplo, vai encontrar muitas histórias de dores de cabeça, mal-estar. É o mal de altitude que passa despercebido”, explica o neurorradiologista Victor Hugo Rocha Marussi, principal autor do artigo. Em casos raros, os sintomas não são assim tão leves. 

O artigo brasileiro que acabou virando capa fala exatamente de um deles. Um senhor coreano de 61 anos, residente no Brasil, foi passar férias no Chile, na região do deserto do Atacama. Durante o passeio, ele chegou a visitar um local 4 mil metros acima do nível do mar. E começou a se sentir mal. Dores de cabeça intensas, vômitos, dificuldades de locomoção. “O problema ocorreu por falta de uma aclimatação gradual. Para chegar a 4 mil metros, é preciso subir aos poucos. Ir a um local a 2 mil metros de altitude, depois 3 mil e então 4 mil, de preferência com um intervalo de 24 horas entre eles”, diz o médico.

Ele precisou ser internado no próprio Chile, semi-inconsciente, onde foi estabilizado – mas diagnosticado, por engano, com pneumonia. A família pediu alta para tratar o idoso no Brasil. A partir daí, o caso passou a ser discutido pelo grupo de autores do artigo, neurorradiologistas da Beneficência Portuguesa de São Paulo. Foi ali qui que eles desconfiaram do diagnóstico do mal de altitude em uma de suas complicações mais graves, o edema cerebral de grandes altitudes, conhecido como HACE, na sigla em inglês.

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Em uma máquina de ressonância magnética, foi possível “fotografar” o cérebro do paciente. Dito e feito: encontraram lesões condizentes com o inchaço cerebral característico de HACE. “Usamos o aparelho de maior campo disponível no país”, diz Marussi. Ele se refere à força do campo magnético gerado pela ressonância, que interage com as células, revelando os detalhes nos exames. “Esse tipo de equipamento ‘enxerga’ micro-hemorragias no cérebro. É isso que acontece nessa doença, especificamente na região do corpo caloso.”

Foram essas “fotografias” que chamaram a atenção do editor da Neurology, Robert Gross, e que acabaram estampadas na capa do periódico. Do ponto de vista médico, as imagens eram maravilhosas: raras, precisas e de alta definição. “Conseguimos pegar uma condição rara, numa evolução rara, com uma imagem inédita, muito caprichosa e muito bonita. Foi essa combinação de fatores que angariou uma capa”, conclui Victor Hugo.

Casos como esse ajudam a valorizar a ciência nacional e aumentam a visibilidade da pesquisa brasileira – segundo o médico, parcerias com grandes universidades do exterior já estão sendo consideradas, pelo potencial que os cientistas estrangeiros viram no estudo.

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Mas e o paciente? Após o diagnóstico, a família decidiu movê-lo, novamente, para a Coreia. O prognóstico, segundo Marussi, é sempre difícil quando se trata do cérebro: “Esse tipo de lesão é considerada irreversível. A estratégia é estabilizar o paciente e evitar danos piores. Expectativas para o futuro são sempre muito individuais: há pessoas com grandes lesões que ficam sem sequelas, outras com pequenas lesões e sequelas graves”.

Mal de altitude

O desafio para a ciência é entender exatamente como o mal de altitude afeta o corpo. A teoria vigente atribui o problema à oxigenação: “Você se acostuma com a pressão de oxigênio e gás carbônico habitual para cada local, com cada pressão atmosférica”, explica Victor Hugo. “Mais perto do nível do mar, você precisa inspirar muito menos para trazer O2 até os pulmões. Em grande altitudes, o esforço é maior, e se passa a ter mais acúmulo de gás carbônico, que causa uma cascata de alterações no sistema nervoso central.”

Mas não precisa se apavorar se for viajar para um lugar bem alto: casos como o do senhor coreano são raríssimos. A menos que você considere montanhistas que tentam escalar o Everest, como o americano Dale Kruse, cujo principal sintoma foi a confusão mental. Ele não conseguia vestir o equipamento e resumiu o HACE de forma muito clara: “É como estar muito, mas muito bêbado”.

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