Cálculo mental
Artigo do professor Luiz Barco em que sugere que as pessoas usem mais o cálculo mental e o pensamento em vez de equações.
Luiz Barco
Como acontece com certas freqüência, outro dia desses fui procurando por um leitor de SUPERINTERESSANTE que me pedia socorro para uma divergência que mantinha com um colega, sobre um quebra-cabeça que ambos viram num livro escolar. Tratava-se de um motorista que dirigindo a 100 quilômetros por hora chegou ao seu destino às 13 horas. No dia seguinte, saiu no mesmo horário do mesmo lugar e correndo a 150 quilômetros por hora chegou às 11 horas. Que velocidade teria de imprimir ao carro para chegar ao meio dia? Antes que você comece a quebrar a cabeça saiba que os dois colegas concordaram em não usar Álgebra. Ou seja, queriam resolver o problema sem armar equações, valendo-se apenas de cálculos mentais.
Lembrei ao meu novo amigo e leitor que o quebra-cabeça já tinha sido apresentado de forma semelhante em várias publicações. Uma delas está no livro Brincando de Matemática. Seu autor, o russo Y. I. Perelman, comenta que a primeira (e errada) impressão é a de que, dirigindo a 100 quilômetros horários chega-se ao destino às 13 horas, e andando a 150 quilômetros horários chega-se às 11 horas; então, para chegar às 12 horas deve-se dirigir a 125 quilômetros por hora, certo? Errado.
Existem algumas maneiras de resolver esse problema por Aritmética, porém é preciso pensar (veja a resolução no quadro abaixo). Resolvida essa questão, meu novo amigo me pediu um probleminha curioso que pudesse ser editado na revista da escola onde ele estuda. Sugeri um que também está no livro de Parelman: quando perguntaram a um fanático por quebra-cabeças quantos anos ele tinha, a resposta foi esta: do triplo da idade que terei daqui a três anos subtraia o triplo da idade que eu tinha há três anos e saberá qual a minha idade agora.
Quantos anos ele tem? Avisei meu jovem amigo que no livro a solução era algébrica, obedecendo à compulsão que as crianças escolarizadas têm de responder x a toda pergunta do tipo: quantos? Por isso, era preciso alertar seus colegas, leitores da revista, de que havia uma solução sem o recurso da Álgebra. Depois disso, saí e fui dar uma volta. Encontrei um grupo de crianças numa praça próxima de casa e decidi propor o problema a elas. Fiquei maravilhado e triste ao mesmo tempo. Maravilhado porque uma garotinha, depois de pensar um pouco respondeu: Se não usar essa história do triplo, dá 6, pois a idade que ele terá daqui há três anos só pode ser 6, que é a soma de 3 para a frente com o 3 para trás. Em seguida, outro menino completou: ele tem 18 anos, que é o triplo de 6.
E o garoto tinha razão. Porém me entristeci porque não encontrei nenhuma criança ou adulto escolarizado que achasse uma solução aritmética que não fosse x-dependente. Não estou sugerindo que a Álgebra seja abolida dos currículos, apenas conjeturando que ela talvez chegue cedo demais às nossas crianças. Ou então, ela vem no tempo certo e a Aritmética que a precede é que está sendo roubada, como a Geometria já o foi de nossos adolescentes. Quando comentei a solução de puro raciocínio do primeiro problema com um grupo de estudantes, ouvi de um deles a seguinte justificativa: “Para resolver assim é preciso pensar e eu tenho muita preguiça”. E concluiu: “Acho mais fácil armar as equações”. Se isso fosse um caso isolado, não teria grande importância. Porém, é cada vez mais freqüente, na escola, em casa, na vida, nossos jovens serem treinados para o mais fácil, mais rápido e que traz mais sucesso. Mesmo que isso implique pegar um atalho onde o prazer, a ética, o crescimento interior etc. sejam ignorados. Uma coisa entretanto é certa: alguém ou alguns não estão interessados num povo que pense.
Luiz Barco é professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo