Chimpanzés entendem de cozinha
Experimentos provaram que nossos primos compartilham a capacidade cognitiva para entender todo o processo de preparação de alimentos
O que veio primeiro, o fogo ou o churrasco? A resposta é óbvia – como cozinhar sem fogo, afinal? Mas isso talvez tenha levado os cientistas a fazer as perguntas erradas a respeito da evolução de nossos dotes culinários, tão únicos no reino animal quanto nossa capacidade de postar fotos do jantar no Instagram.
Cozinhar não envolve apenas dominar o fogo. Primeiro, é preciso querer – isto é, preferir a comida cozida à crua. Também entender a transformação que ocorre no cozimento. Além de ser capaz de transportar essa comida da fonte até o fogo. E, por fim, ter autocontrole para não comer antes de ficar pronto – um problema não totalmente superado pelos humanos modernos, todo mundo que já fez bolo com cobertura vai admitir.
À primeira vista, a lista parece exigir demais de nossos simplórios ancestrais peludos na savana africana. Mas provavelmente eles sabiam melhor. Um estudo da Universidade de Harvard acaba de revelar que mesmo nossos primos mais próximos, os chimpanzés, são perfeitamente capazes de entender, da roça ao prato, todas as fases da preparação de alimentos. “O que é particularmente interessante sobre cozinhar é que é algo que todos fazemos, mas envolve um número de capacidades que, mesmo no contexto de cozinhar, pensamos ser exclusivamente humanas. Por isso queríamos estudá-las em chimpanzés”, afirma Alexandra Rosati, coautora do estudo.
Em nove experimentos sequenciais, Rosati e outros cientistas ensinaram os chimpanzés de um santuário da República do Congo como relacionar um “dispositivo de cozimento” à preparação de batatas doces e cenouras. Separados por uma grade, os (nas palavras dos cientistas) “voluntários” interagiram com pesquisadores. Primeiro, manifestaram sua preferência pela versão preparada dos vegetais. Depois, observaram os cientistas usando o dispositivo para cozinhar esses vegetais. Por fim, tiveram a chance de colocar eles mesmos os alimentos crus no dispositivo, para receberem depois a versão pronta. Os chimpanzés não se interessaram por usar madeira ao invés de alimentos – entendendo que não era uma troca, mas uma transformação.
A razão para o nome “dispositivo” é porque não era realmente um forno ou frigideira. Era apenas uma tigela com fundo falso, com uma batata ou cenoura.fritas por um minuto sem óleo, dentro dela. Quando os chimpanzés decidiam usá-la, o pesquisador trocava a fatia. A razão para não usarem uma panela real é que os chimpanzés, habituados ao convívio com humanos, já haviam observado as pessoas cozinhando, e isso contaminaria os resultados. O processo foi registrado neste vídeo.
Mesmo com a experiência estando mais comprar pastel na feira que preparar seu próprio miojo, os cientistas acreditam ter provado um ponto importante: que já tínhamos todos os ingredientes mentais necessários para preparar o churrasco quando descobrimos o fogo. “O que motivou humanos primitivos a controlar o fogo?”, pergunta Rosati. “Acredito que cozinhar pode dar uma razão. Sabemos que chimpanzés na natureza observam o fogo e às vezes até mesmo procuram e comem alimentos assados por ele. A evidência de nossos estudos cognitivos sugere que, mesmo antes de controlar o fogo, hominídeos ancestrais entendiam seus benefícios e podiam pensar sobre os resultados de deixar comida no fogo.”
Referências:
1) Cognitive capacities for cooking in chimpanzees, Felix Warneken, Alexandra G. Rosati, Royal Society Publishing: https://rspb.royalsocietypublishing.org/content/282/1809/20150229
2) Cooking up cognition: Study suggests chimps have cognitive capacity for cooking, ScienceDaily: https://www.sciencedaily.com/releases/2015/06/150603083330.htm