Ciborgues
A conexão direta entre o cérebro humano e as máquinas não é mais ficção científica. Ela só precisa de uma turbinada
Texto Luciana Christante
Em janeiro de 2008, uma macaca americana, um robô japonês e um cientista brasileiro causaram sensação mundial. A proeza foi fazer o cérebro da pequena primata guiar os passos de um androide do outro lado do mundo via internet. Cinco anos antes, o mentor do experimento, Miguel Nicolelis, da Universidade Duke (EUA), fizera duas outras macacas mover um braço robótico só com o pensamento. Nicolelis não é o único neurocientista dedicado às chamadas interfaces cérebro-máquina, mas é certamente um dos expoentes dessa área, que pretende dar vida ao que antes só era possível na ficção – os ciborgues.
A ideia, nesses estágios iniciais do uso da tecnologia, é que pessoas amputadas ou paralisadas superem suas limitações físicas, pelo menos parcialmente. Como o sucesso inicial de Nicolelis demonstra, o conceito em si não é tão complicado. Braços e pernas não se mexem sozinhos: dependem de comandos oriundos do cérebro para atuar. Mesmo quando a conexão cerebral com o corpo é interrompida, os neurônios especializados em mexer os membros continuam lá. Ao captar a atividade elétrica das células quando a pessoa pensa em se mexer, os cientistas conseguem mandar esse sinal para um computador, que o traduz em movimento.
Foi isso o que comprovou John Donoghue, da Universidade Brown, nos EUA, outro nome de destaque na pesquisa de interfaces cérebro-máquina. Em 2006, ele e seus colegas fizeram um tetraplégico, com eletrodos implantados no cérebro, mover um cursor na tela do computador. São avanços preliminares: ainda falta muito para que os ciborgues humanos virem realidade. Alguns desafios são tecnológicos (veja o infográfico), outros exigem maior conhecimento sobre o cérebro humano. Antes de tudo, é preciso acumular uma imensa quantidade de dados da atividade de muitos, muitos neurônios de várias áreas do cérebro, até decifrar a linguagem elétrica que comanda os movimentos humanos.
Donoghue tem feito isso em dois pacientes tetraplégicos que vivem com eletrodos dentro da cabeça. Já o neurocientista brasileiro conta com parcerias com alguns hospitais, entre eles o Sírio-Libanês, em São Paulo. Nesses locais, médicos coletam esses sinais durante cirurgias nas quais pacientes com mal de Parkinson recebem implantes de estimulação cerebral profunda (técnica indicada nos casos graves dessa doença). Nos dois casos, a montanha de dados segue para um sofisticado processamento, que busca padrões associados a cada gesto humano.
Mapa mental
O segundo desafio é conseguir que as pessoas criem uma representação mental do membro cibernético – uma espécie de mapa virtual da prótese no cérebro. De certa forma, todo mundo já faz isso quando usa muito um instrumento, como uma chave de fenda ou um violão – o duro é tornar essa conexão algo direto. Para isso, o aparelho precisa enviar ao cérebro dados sobre posição e pressão (o equivalente do nosso sentido natural do tato), algo que o corpo faz continuamente sem percebermos. Na prótese inteligente, isso é tarefa para a bioengenharia. Entretanto, cabe aos neurocientistas descobrir como e para onde mandar essas informações de forma que o cérebro as incorpore, fazendo da prótese uma extensão mental do corpo. Só assim alguém com o braço direito cibernético, por exemplo, vai sentir de novo a força de um bom aperto de mão. Parece complicado, e realmente é. Mas, pelo galope das pesquisas nos últimos 10 anos, a próxima década (ou menos) deve nos reservar boas surpresas.
Da mente ao silício
Veja como funcionaria um membro robótico do futuro
1. Um conjunto de eletrodos registra a atividade de centenas ou até milhares de neurônios simultaneamente. Novos materiais vêm sendo estudados para evitar reações do organismo, que geralmente inutiliza os eletrodos depois de alguns meses. Nas pessoas, esses aparelhos têm de durar anos ou décadas.
2. O sinal assim coletado vai para um controlador externo. Sua função é processar os dados obtidos pelos eletrodos e enviá-los à prótese, de forma instantânea. A parafernália atual inviabilizaria o deslocamento do paciente. O objetivo é torná-la cada vez menor, mais leve e, claro, sem fio (como o transmissor na cintura do nosso ciborgue, abaixo).
3. Após essa fase de processamento intensivo, os “comandos de movimento” vão para o membro robótico, que executa a função desejada. A ideia é tentar reproduzir ao máximo os detalhes do movimento humano.
4. No caso da mão, dois elementos básicos – o uso do polegar para manipular objetos e o aperto de força – já ajudariam muito. As próteses do futuro terão sensores especializados, com dados sobre coisas como posição e pressão tátil.