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Ciência espírita

Espíritos existem? E reencarnação? Para alguns cientistas, sim. São pesquisadores sérios, do mundo todo, Brasil incluído, que buscam provas sobre a existência da alma. E eles já conseguiram resultados surpreendentes

Por Pablo Nogueira
Atualizado em 31 out 2016, 18h46 - Publicado em 21 nov 2011, 00h00

Peter Fenwick

Neurologista do King’s College, em Londres
Pioneiro nas pesquisas de vida após a morte


Você sabe como é estar morto?

Bastante gente sabe: as milhares de pessoas que passaram por uma parada cardíaca e foram ressuscitadas logo depois. O intrigante é que boa parte volta com alguma história para contar: enquanto o coração estava parado, elas se enxergaram fora do corpo. Observaram tranquilamente a sala de cirurgia, enquanto os médicos tentavam trazê-las de volta à vida.

Para alguns cientistas, isso é uma evidência séria de que a mente, consciência, é uma entidade que não depende do corpo, do cérebro, para existir. Em português claro: que aquilo que as religiões chamam de “alma” é mais do que uma questão de fé, mas uma realidade científica. Há vários brasileiros entre esses pesquisadores. Inclusive na USP, a maior universidade do país. Vamos conhecer o trabalho deles.

Abadiânia, interior de Goiás. As cenas insólitas se sucediam: João de Deus, um autodenominado “médium de cura”, inseria uma pinça do tamanho de uma tesoura grande por dentro do canal do nariz de um homem, fazia uma incisão com bisturi na barriga de outro e passava objetos cortantes sobre os olhos de duas pessoas. Tudo sem anestesia.

Isso não é novidade nem para você nem para ninguém. O mais surpreendente ali era um texto afixado na parede. Era um artigo científico, intitulado “Cirurgia espiritual: uma investigação”. Entre seus autores estavam membros das faculdades de medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora e da USP. Eles haviam acompanhado algumas cirurgias espirituais e avaliado os pacientes. Os acadêmicos concluíram que as intervenções e cortes não eram truques de ilusionismo. O que chamava mesmo a atenção era a proposta dos pesquisadores. Eles defendiam a necessidade de mais investigações sobre o “mundo espiritual”. Eram médicos e psicólogos usando a ciência para estudar algo que sempre fora classificado sob a rubrica “Acredita quem quiser”.

Dr. Fenwick era cético até conhecer um paciente traumatizado por ter visto o que acontece após a morte.

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Boa parte dessa vertente científica surgiu no Departamento de Psiquiatria da USP. Lá foi fundado em 1999 o Programa de Saúde, Espiritualidade e Religiosidade (ProSER), que se dedica justamente a examinar os efeitos da religião na saúde das pessoas, como no caso das cirurgias mediú­nicas. O chefe do Departamento de Psiquiatria da USP, Eurípedes Miguel, explica o trabalho: “A medicina está se movendo de um eixo (que tinha como meta combater a doen­ça) para outro (que privilegia a promoção da saúde)”, diz. “Estamos interessados em qualquer método que possa ajudar as pessoas, mesmo que fuja aos nossos padrões.”

Frederico Leão

Psiquiatra da Universidade de São Paulo (USP)
Pesquisa a eficácia de terapias mediúnicas

A coisa, porém, vai muito além disso. Uma das pesquisas do ProSER foi a de Frederico Leão. Ele buscou mensurar os efeitos das sessões mediúnicas sobre os internos de uma instituição espírita onde trabalhava como psiquiatra. O lugar abrigava pessoas com retardo mental e semanalmente voluntários espíritas realizavam sessões mediúnicas. Nelas, os médiuns diziam incorporar a consciência dos pacientes (embora estes continuassem vivos e abrigados em outras dependências).

“Encarnada” no médium a “alma” do paciente falaria pela boca dele, externando seus problemas emocionais. E a coisa funcionaria como uma espécie de terapia. Para a maioria dos cientistas, uma coisa dessas soaria como um espetáculo circense, uma farsa. Mas não para Leão. Ele quis saber se aquilo dava resultados. Então submeteu os internos a uma avaliação de seu estado geral. Leão observou 58 supostas comunicações durante as sessões mediúnicas por 6 meses. E chegou a uma conclusão nada convencionalcolocara: 55% dos pacientes que tinham passado pela terapia espírita apresentaram alguma melhora em seu estado mental depois do tratamento, contra 15% dos que não tinham passado.

Trata-se, é claro, de uma avaliação subjetiva, que leva em conta as deduções do pesquisador, que não podem ser medidas por aparelhos. Outro médico poderia ter outra opinião. Mas tratava-se de uma pesquisa científica de fato, tanto que ela foi publicada na própria revista do Instituto de Psiquiatria da USP, a mais conceituada do gênero no país. Desde 2008 Leão é médico no Instituto de Psiquiatria da USP e o atual coordenador do ProSER.

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Para os críticos, no entanto, o fato de pesquisas como essas serem aceitas por uma revista científica da universidade não atestam nada. “Mesmo as melhores publicações deixam passar estudos de qualidade duvidosa”, diz o matemático e psicólogo André Luzardo, presidente da Sociedade Racionalista da USP, uma organização que defende o cetismo.

Outro nome forte na ciência da espiritualidade é o do psiquiatra Alexander Almeida. Ele foi um dos autores daquele estudo sobre as cirurgias de João de Deus e hoje trabalha na Universidade Federal de Juiz de Fora coordenando o Nupes (Núcleo de Pesquisas em Espiritualidade e Saúde), onde segue desenvolvendo suas pesquisas. Uma delas, inclusive, em conjunto com uma estrela internacional da ciência do além, o inglês Sam Parnia, que estuda as chamadas “experiências de quase morte” – EQMs, no jargão dos pesquisadores.

Vida após a morte

Quando o coração para, o fluxo sanguíneo e os níveis de oxigênio no cérebro caem para quase zero em instantes. Nos próximos 10 ou 20 segundos as máquinas de eletroencefalograma não mostram nada além de uma linha reta. O cérebro não funciona. Fim.

Mas a morte tem volta. Graças aos desfibriladores, médicos podem ressuscitar pacientes que tiveram uma parada cardíaca no leito do hospital. E não falta quem volte desse estado com memórias vívidas.

O roteiro é sempre parecido. E bem conhecido. Depois de ressuscitado, o paciente diz que observou o próprio corpo do lado de fora, como se estivesse no teto do quarto do hospital, enquanto os médicos aplicavam as descargas elétricas do desfibrilador. Então eles se sentem “puxados” lá para baixo.

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E voltam à vida.

Sam Parnia

Cardiologista da Universidade de Southampton, Inglaterra
Coordena a maior pesquisa da história sobre a existência de espíritos
 

Intrigado com essas histórias, Parnia bolou um projeto para testar a veracidade delas. Em 1997, conseguiu a autorização do Hospital Geral de Southampton, onde trabalha como cardiologista, para emplacar a pesquisa. A ideia era conversar com todos os sobreviventes de paradas cardíacas do hospital, durante um ano, para saber se haviam passado por algum momento lúcido durante a morte clínica. E o principal: o médico instalou 150 placas pelo hospital, com sinais, textos e desenhos virados para cima, posicionadas de tal maneira que apenas alguém localizado no teto poderia ler. Assim, caso um paciente contasse o que havia na placa, a experiência fora do corpo estaria comprovada.

Parnia contou com a ajuda do mais célebre entre todos os que estudam o além, o neurologista Peter Fenwick. O inglês é o homem que tornou as EQMs assunto de mesa de almoço de domingo pelo mundo.

Dr. Parnia quer colocar placas com mensagens para espíritos em hospitais do mundo todo. Objetivo: provar que a alma existe.

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Fenwick era cético até 1985, quando, durante seu trabalho no hospital Maudsley, em Londres, teve que atender um paciente que demonstrava ansiedade extrema. O homem contou que durante uma cirurgia de cateterismo sofreu uma parada cardíaca. Enquanto os médicos tentavam ressuscitá-lo, sentiu-se puxado para fora do corpo e, do teto do quarto, pôde observar a movimentação. De repente, percebeu que estava de volta à cama do hospital. A experiência fora tão marcante que desencadeou a crise de ansiedade. “Até ter essa conversa, achava que essas coisas só aconteciam na Califórnia”, brincou o médico (o estado americano sempre foi a capital mundial do consumo de alucinógenos).

Mesmo não acreditando em experiências de quase morte, Fenwick começou a buscar mais relatos. Conseguiu algumas dezenas, como o do inglês Derrick Scull. Major aposentado do exército, pai de dois filhos e funcionário de uma respeitada empresa de advocacia, tinha todas as credenciais de uma pessoa centrada e nada mística quando passou por uma experiência que mudou suas crenças. Em 1978 ele sofreu um enfarte e, após ter recebido os primeiros socorros, foi deixado numa cama de UTI. Durante a parada cardíaca, sentiu-se sair do corpo. Do canto esquerdo do teto, pôs-se a observar o próprio corpo, e reparou que estava vestido com um robe e uma máscara contra contaminação. Ao mesmo tempo, foi capaz de enxergar a esposa falando com a enfermeira, e percebeu que ela estava vestida com um tailleur vermelho. Depois, encontrou-se de novo deitado na cama. Percebeu que a esposa havia entrado na UTI e que ela estava vestindo a mesma roupa que ele havia visto “de cima”. Fenwick apresentou esses relatos num documentário da BBC em 1988. E a partir dali os elementos mais comuns das EQMs, como a sensação de sair do corpo, entraram para o folclore moderno.

Parnia também colecionou histórias que pacientes lhe contavam, como a de uma mulher que, enquanto estava na forma de fantasma no teto da sala de cirurgia, viu o médico esbarrar num carrinho com instrumentos cirúrgicos, fazendo-o deslizar pela sala e se chocar contra uma parede. No dia seguinte, quando contou a ele sobre os incidentes com o carrinho, ele achou que alguma das enfermeiras tinha contado a história à paciente. Segundo ela, não tinha.

Naquela mesma época, outros médicos tocavam projetos parecidos com os de Parnia. Na Holanda, o cardiologista Pim van Lommel também estudava histórias assim. Lommel conheceu a de um homem que, em estado de coma profundo e com uma parada cardíaca no meio do processo, viu de fora do corpo a enfermeira retirar a dentadura dele e colocá-la em um carrinho especial. Uma semana depois, em fase de recuperação, ele voltou ao hospital e reconheceu uma das enfermeiras. Lembrou-se de que fora ela quem tinha retirado seus dentes e os colocado em um carrinho, com garrafas em cima e uma gaveta embaixo. Para a surpresa da enfermeira, apesar do coma, o paciente descreveu com detalhes a sala e as pessoas que participaram da operação.

Seja como for, isso são só relatos. Acredita quem quer. Justamente por isso, Parnia e Fenwick resolveram dar um passo adiante da simples coleta de casos e partiram para a experiência com placas.

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Mas os resultados não foram animadores. A dupla registrou 63 ressuscitações, mas nenhum desses pacientes disse ter viajado para fora do corpo. Então as placas ficaram à toa, sem leitores em potencial.

Outro lado

Para os céticos, o resultado não poderia ser outro, mesmo que houvesse uma EQM. A maior parte dos pesquisadores entende que elas não passam de uma confusão cerebral. No momento de uma parada cardíaca, a perda de oxigênio faz com que a massa cinzenta deixe de distinguir realidade e fantasia. Ela entra em pane. Balançada pela desordem, recorre à memória de curto prazo para compreender a situa­ção. Então se depara com cenas que acabou de registrar, como a própria sala de cirurgia. A partir daí, tenta reconstruir o que está supostamente acontecendo naquele momento. Imagina o atendimento médico, a sala de operação. Então a memória nos prega uma peça. Todas as nossas lembranças registram uma visão panorâmica, como uma imagem de filme, em terceira pessoa, criando a sensação de estarmos fora do próprio corpo – quando você se lembra de um momento do passado, não visualiza exatamente o que os seus olhos registraram; enxerga o seu corpo na cena. Do lado de fora. Você se vê de costas, de lado, de frente… O cérebro é um diretor de cinema. E o seu corpo, o protagonista.

Portanto, em meio à confusão de uma parada cardíaca, a mente enxerga todas as recordações (e recriações) recentes como imagens do presente. Atribui a elas o rótulo de “realidade”. É por isso que os pacientes relatariam as cenas de ressuscitação como se estivessem no teto do hospital. A experiência fora do corpo seria apenas um modelo de memória do cérebro – só que tomado como real.

Alguns pacientes contam detalhes específicos, como o caso da mulher que viu o médico se atrapalhar com o carrinho cirúrgico. Susan, porém, acredita que nesses casos a audição estaria ainda em funcionamento – já que é o último dos sentidos a ser perdido -, e a mente seria capaz de criar aquela imagem visual.

Os pesquisadores que defendem a “distinção entre mente e cérebro”, no entanto, não veem grande coerência nessas teorias. Alegam que, naqueles instantes de morte, os aparelhos de eletroencefalograma não deixam dúvida: não há atividade cerebral. No entanto, outros três estudos feitos no século 21 questionam a ideia de total “desligamento” do cérebro. Sugerem que as máquinas monitoram, principalmente, a atividade na superfície do órgão. O monitor mostra a linha reta, mas outras partes mais internas podem estar em atividade. É o caso do lobo temporal, o “núcleo” do cérebro.

Um experimento em especial parece sugestivo. Os voluntários receberam estímulos elétricos na região do cérebro conhecida como giro angular direito, que é parte do lobo temporal. Com uma certa intensidade de estimulação, os voluntários disseram se sentir “como se estivessem afundando na cama”. Estímulos mais fortes produziram relatos como “estou acima do meu corpo e o vejo estendido” – é que essa parte do cérebro é a responsável por delimitar a percepção sobre onde termina e corpo e onde começa o mundo exterior. Nos primeiros instantes de parada cardía­ca, então, essa região continua ligada, só que em parafuso. Daí para ela agir como nos experimentos em que está sob uma descarga forte de impulsos elétricos é um pulo.

Mas Sam Parnia, apesar de não ser brasileiro, não desiste nunca. Ele preparou uma experiência bem maior para caçar seus fantasmas. O inglês agora trabalha para recrutar hospitais pelo mundo todo que topem instalar placas pelo prédio ou apenas permitir entrevistas com os sobreviventes de paradas cardíacas.

Alexander Moreira-Almeida

Psiquiatra da Universidade Federal de Juiz de Fora
Pesquisa experiências de quase morte e curandeiros mediúnicos

Essa é a pesquisa que Alexander Moreira-Almeida está fazendo com ele. O brasileiro é o braço direito de Parnia por aqui. Três hospitais aceitaram a parceria (Santa Casa, Hospital Universitário e Monte Sinai, todos de Juiz de Fora, a cidade de Alexander).

Aos 6 anos, a menina reconheceu um parente: o cunhado que tivera em uma vida passada.

Fenwick também está nessa: acertou parcerias com hospitais do Reino Unido, da França e da Austrália. “Esperamos conseguir compilar 1 500 relatos de EQMs. Se alguns pacientes conseguirem relatar o texto das placas, poderemos demonstrar que a mente e o cérebro são coisas distintas”, diz. Por “distinção entre mente e cérebro” entenda uma consciência que existe independentemente do corpo. Mas é só um jargão. Na rua as pessoas chamam isso de “espírito”, “alma”, “fantasma.”

O jargão também serviu para batizar o primeiro evento brasileiro dedicado às pesquisas sobre o além, o “I Simpósio Internacional Explorando as Fronteiras da Relação Mente e Cérebro”, em (de novo) Juiz de Fora. Foi um ciclo de palestras em 2010 que reuniu 9 cientistas da área, entre eles Fenwick e Alexander. Na pauta, relatos de experiências transcendentais, como as que você viu aqui, filosofia e surrealidades da física quântica (que até tem seu lado”espírita”: partículas aparecem e desaparecem do nada no mundo subatômico, por exemplo, mas isso é ciência tradicional mesmo).

Bem mais fora do comum, porém, é outro assunto que estava na pauta do seminário: as pesquisas com reencarnação. Como vocês, um dos maiores especialistas nessa área, que também esteve no simpósio: Erlendur Haraldsson, do Departamento de Psicologia da Universidade da Islândia.

Erlendur Haraldsson

Psicólogo da Universidade da Islândia
Busca evidências concretas de reencarnação


Reencarnação

Haraldsson passou duas décadas investigando reencarnação. Seu objeto de pesquisa são crianças que alegam terem recordações de uma vida passada. É o caso de Wael Kiman, um menino do Líbano.

A partir dos 4 anos, ele começou a dizer aos pais que seu nome, na verdade, era Rabin, que tinha sido adulto e que seus pais viviam na capital do país. Com o tempo, passou a acrescentar detalhes. Os pais da outra vida moravam numa casa perto do mar, que tinha uma varanda baixa, de onde ele costumava pular direto para a rua. Ele também tinha uma segunda casa. Mas para essa ele só podia ir de avião. Delírio? Parecia. Tempos depois, porém, os pais de Wael identificaram uma família da capital que havia perdido um filho adulto e que se chamava Rabin; então levaram o pequeno Wael para visitá-los. Durante a visita, ele apontou para uma foto do morto e disse que era sua. A casa ficava perto do porto, e tinha uma varanda baixinha. Para completar, o rapaz vivia nos EUA na época em que morreu. Ou seja: ia para sua segunda casa de… avião.

No simpósio, Haraldsson também contou a história de Tsushita Silva, uma menina do Sri Lanka que afirmava que numa outra vida tinha morado numa cidade próxima, estava grávida e havia morrido ao cair de uma ponte. O pesquisador, então, visitou a tal cidade e localizou a família de uma certa Chandra Nanayakkara, que morrera ao cair de uma ponte nos anos 70. Chandra estava grávida de 7 meses.

Outro caso é o da garota Purnima Ekanawake, do Sri Lanka. Quando ela e a mãe presenciaram um acidente no trânsito, Purnima tentou tranquilizá-la: “Não se preocupe com isso. Eu vim para você depois de um acidente também”. Na vida passada, segundo ela, um ônibus a atropelara. Também disse que a antiga família fabricava incensos. Ela lembrava até da marca: Ambiga.

Os pais começaram a investigar e encontraram o dono dessa fábrica de incensos. Ele disse que seu cunhado Jinadasa tinha morrido atropelado por um ônibus. Quando levaram Purnima à casa do sujeito, ela, então com 6 anos, reconheceu o dono da fábrica como seu “cunhado”. Purnima seria a reencarnação de Jinadasa. A menina também mostrou uma marca de nascença. Disse que era onde os pneus do ônibus tinham passado.

Haraldsson conheceu a garota em 1996, quando ela tinha 9 anos. Como de costume, ele entrevistou, separadamente, a garota, os familiares e os vizinhos para saber quando e como as lembranças apareceram. Investigou também se havia a possibilidade de a garota ter tido acesso àquelas informações por meios normais. Mas não existia qualquer ligação entre as famílias, e elas moravam em lugares distantes.

Viagens para fora do corpo, do ponto de vista cético, são um tilt do nosso sistema de gravação de memórias.

As evidências lhe pareceram fortes, sem armações. Haraldsson, então, investigou o acidente que matou Jinadasa. Com a permissão de um tribunal local, teve acesso ao obituário completo do rapaz. As principais fraturas foram localizadas no lado esquerdo do peito, com várias costelas quebradas, que penetraram os pulmões. A marca de nascença de Purnima fica no lado esquerdo do peito. O psicólogo islandês não tem uma teoria sobre as marcas de nascença. Mas outro pesquisador de reencarnações, o psiquiatra americano Jim Tucker, da Universidade da Virgínia, arrisca: “Sabemos, por meio de trabalhos de outras áreas, que imagens mentais podem, por vezes, produzir efeitos muito específicos no corpo. Meu pensamento é que, se a consciência sobrevive, ela carrega as imagens dos ferimentos fatais, afetando o desenvolvimento do feto”, diz. De acordo com Tucker, na Índia, um terço dos casos investigados de reencarnação inclui marcas de nascença – em 18% deles, registros médicos amparam as semelhanças.

Desnecessário dizer que as pesquisas com reencarnação são severamente criticadas pela academia. Não parece ser coincidência que a esmagadora maioria dos casos estudados ocorra em países onde a crença em reencarnação é largamente disseminada, caso do Sri Lanka. Haraldsson, por exemplo, teve facilidade em encontrar casos por causa do apoio da mídia. Nos veículos de comunicação de lá, histórias de reencarnação ganham espaço de destaque. E a visita de pesquisadores como Haraldsson também. Quem tiver uma história bem contada, então, tem chance de ficar famoso – daí para surgirem fraudes elaboradas é um pulo.

Também é comum que os pesquisadores só tenham acesso a histórias assim quando os pais da criança já “encontraram” a família da outra vida dela, como no caso de Purnima. Isso complica o processo de checagem das informações. É difícil identificar quais eram as afirmações originais do suposto reencarnado e o que ele aprendeu sobre a pessoa falecida a partir do momento em que entrou em contato com a família dela.

Mais: por um lado, os informantes tendem a “esquecer” as afirmações da criança que não coincidem com a vida da pessoa que acreditam que ela foi. Por outro, colocam na boca dela informações que só foram obtidas depois, quando as duas famílias já estavam em contato.

Com tantas evidências contra, é difícil não acreditar que os pesquisadores de reencarnações, EQMs e afins se movam mais pela fé do que pela curiosidade científica. Mesmo assim, continua sendo uma forma de ciência, já que a busca é por resultados concretos. Se um dia eles vão chegar a esses resultados?

Quem viver verá. E quem morrer também.
 

Para saber mais

Evidence of the Afterlife
Jeffrey Long, Harper One, 2011

What Happens When You Die
Sam Parnia, Hay House, 2007

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