Marcelo Spina
Imagine um mundo cheio de gente legal, inteligente e bonita. Muitos Gandhis, Einsteins e dúzias de Giseles Bündchens. Delírio ou não, isso é o que a clonagem já sabe fazer com os animais (quem não se lembra da ovelha Dolly?) e promete fazer com os humanos muito rapidamente. Clonar gente, pelo menos por enquanto, é ilegal e, segundo muitos, imoral e antiético. O fato, porém, é que a pressão pela realização da primeira clonagem humana está crescendo. Prova disso foi o anúncio, em fevereiro, de um consórcio internacional de cientistas disposto a copiar homens e mulheres até o final de 2003. Os pesquisadores garantem que a técnica será aplicada apenas para ajudar casais inférteis que, na impossibilidade de ter filhos por meio de óvulos e espermatozóides, poderiam gerar um embrião multiplicando células de seus corpos – do braço, do peito ou do rosto, qualquer parte serve, em princípio. “Vamos propor regras para que a tecnologia não possa ser usada indiscriminadamente”, declarou o médico Panos Zavos, porta-voz do grupo.
Claro: é um alívio saber que os cientistas farão o possível para impedir a formação de um exército de Lalaus, de Saddams, pagodeiros e duplas sertanejas. Mas quem garante que as regras serão respeitadas? Parte da comunidade científica acredita, de fato, que a clonagem humana já pode até ter sido realizada em clínicas clandestinas, em algum lugar do mundo, porque a técnica, em si, não é complicada. Pode ser facilmente realizada. E não faltam interessados dispostos a pagar os R$ 100 000 que, segundo os especialistas, custaria uma clonagem.
A geneticista Mayana Zatz, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, é uma das que acreditam na possibilidade de laboratórios particulares já estarem trabalhando na perspectiva de clonar alguém em curto prazo. Isso não significa que os xeroxes de gente vão acontecer: embora seja simples, a técnica não garante o sucesso. A taxa de sucesso das clonagens feitas até hoje em animais é, na verdade, baixa. “Em alguns casos, de apenas 1%”, diz Mayana. Em 1996, o nascimento de Dolly fez esquecer as centenas de embriões nos quais a experiência fracassou antes que um deles sobrevivesse. Outro problema é que não se sabe muito bem como funciona o corpo de um clone – é que ele não provém de células recém-formadas, como os embriões normais, e sim de células maduras, presentes em um organismo adulto. Dolly, por exemplo, possuía, aos 3 anos, células de uma ovelha de 8.
Faz parte da longa lista de dúvidas que expõem a clonagem ao fogo cruzado da polêmica internacional. O governo britânico, este ano, pisou no coração da celeuma ao levantar suspeitas de que estaria em vias de legalizar a clonagem humana. Imediatamente, a Câmara dos Lordes precisou explicar que aprovou uma lei que apenas amplia o uso de tecidos embrionários para pesquisas de clonagem. As experiências, nesse caso, ficariam restritas a embriões com menos de 14 dias de vida e teriam como objetivo a simples produção de órgãos para transplante (a idéia é direcionar a multiplicação de células embrionárias até que se tornem um fígado ou um pulmão). Os britânicos pretendem adotar leis proibindo a reprodução humana por clonagem.
Mesmo assim, a mudança de atitude das autoridades inglesas – que há um ano sequer admitiam discutir a clonagem – revela o imenso e crescente interesse da humanidade por essa técnica revolucionária de reprodução da espécie. Até porque ela pode ser útil sem alcançar – nem ferir – príncipios éticos e morais. Prova disso é uma técnica anunciada há três semanas, em São Paulo, na qual se emprega parcialmente a clonagem e a fecundação artificial (veja ao lado). É um caso exemplar de boa ciência a serviço do bem-estar da humanidade.
Cópia ma non troppo
Um novo método, criado pelo especialista Peter Nagy, do Centro de Reprodução Humana, em São Paulo, mistura o xerox genético com o bebê de proveta.
Veja, primeiro, como se fez a clonagem da ovelha Dolly. O núcleo de uma de suas células (retirada da teta) foi inserido no óvulo de outra ovelha
O óvulo transforma-se em embrião ao receber um choque aplicado pelos pesquisadores
Na nova técnica, coloca-se qualquer célula de uma mulher infértil no óvulo de uma doadora e metade dos seus 46 cromossomos são dispensados
Fecundada pelos 23 cromossomos de um espermatozóide, ela começa a se multiplicar e vira um embrião