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Com as espermátides, quem precisa de rabo?

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h47 - Publicado em 31 jan 1996, 22h00

Flávio Dieguez

Esqueça o que você aprendeu na escola. Os espermatozóides já não são mais imprescindíveis para gerar uma criança. Em seu lugar dá para usar as espermátides, que são células sexuais imaturas, ainda sem cauda. Por isso, raramente aparecem no esperma e não têm chance na corrida para chegar primeiro ao óvulo feminino e fecundá-lo. São muito lentas, perdem sempre. Ou melhor, perdiam. Agora, ajudadas por uma seringa, já conseguem chegar lá. Em junho e setembro, na França, nasceram Lucien e Jean, respectivamente o primeiro e o segundo bebê gerado por espermátides. E há mais cinco a caminho. No Brasil, o Centro de Reprodução Humana, em São Paulo, promete um para meados deste ano

E a Medicina deu um jeito de substituir o espermatozóide

O primeiro médico a procurar sementes imaturas nos testículos de um homem e tentar usá-las para gerar um filho por meio da inseminação artificial foi o francês Jacques Testart, diretor do Laboratório de Fertilização e de Maturação de Gametas, em Paris, em colaboração com Jan Tesarik, do Hospital Americano, também em Paris. Teve sucesso. Em meados do ano passado a experiência levou ao nascimento de duas crianças que passam muito bem. Não podem ser diferenciadas dos bebês comuns, nascidos da fertilização normal. Ou seja, com uma célula que nesse momento já havia completado o seu desenvolvimento (veja o infográfico na próxima página).

É um feito extraordinário da Medicina. Primeiro porque é surpreendente: quem diria que o bom e velho espermatozóide poderia ser substituído por um frangote? “Há menos de cinco anos ninguém pensava nessa possibilidade”, garantiu à SUPER o húngaro Peter Nagy, da Universidade Livre de Bruxelas, Bélgica, um dos maiores especialistas no assunto. No final do ano passado, quando esteve no Brasil ensinando a nova tecnologia, Nagy explicou a importância dessa novidade. É simples: daqui para frente nenhum homem ficará sem um filho, ou mais de um, só porque seu organismo não está preparado para produzir gametas masculinos em quantidade suficiente.

Essa condição é denominada azoospermia e acontece, de maneira geral, em um a cada 20 000 casais. “A Medicina já era capaz de resolver o problema de 99% dos homens com azoospermia”, diz Nagy. “Agora temos uma técnica para resolver as dificuldades do 1% que faltava.” É um marco, sem dúvida, e resultou de uma progressão admirável.

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Debate ético

A primeira grande novidade, já em 1982, foram os chamados bebês de proveta. Eles ganharam esse nome porque não eram concebidos no corpo da mulher, mas em um tubo de ensaio num laboratório. O médico procurava no útero uma célula sexual feminina. Do líqüido seminal, ejaculado pelo homem, ele capturava os gametas. Então, colocava os dois num tubo de ensaio e esperava que um dos corredores atravessasse a membrana que envolve a semente feminina. Isso feito, o material genético se fundia num único pacote. A célula surgida dessa fusão já era a primeira do novo ser. Algumas horas mais tarde ela começava a se dividir para formar o corpo do embrião.

A partir daí, tudo ficou mais fácil porque se podia manipular todo o processo da reprodução. Se um homem produzia poucos células sexuais, era possível coletá-las em várias ejaculações até conseguir um número suficiente. Ou então, se o casal consentisse, se podia até usar espermatozóides de um outro homem para obter uma gravidez. O penúltimo grande avanço apareceu no início desta década. Os médicos arranjaram um jeito de colocar o gameta diretamente dentro do óvulo com uma seringa (veja o infográfico abaixo). Ou seja, pouparam-lhe o trabalho, primeiro, de nadar até o objetivo e, segundo, de penetrar em sua membrana.

Da proveta para a seringa

Foi a deixa para o uso da espermátide. Sem ajuda de um terceiro (o médico), elas não teriam a menor chance de provocar uma gravidez. Embora possam, de vez em quando, sair dos testículos por conta própria, elas são relativamente raras no líqüido seminal. “Não se sabe a proporção normal de espermártides com relação ao número de espermatozóides”, diz Nagy. O que importa é que é possível obter as espermátides diretamente dos testículos e injetá-las num óvulo. E com isso, mesmo um homem que não consegue amadurecer nem uma única de suas células sexuais pode ter filhos.

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O método de injeção direta de espermátides em mulheres causou uma polêmica ética na França. A crítica mais direta é a de que ele não teria sido suficientemente testado antes em animais. Segundo Testart não é verdade. Ele afirma que foram feitos centenas de testes em coelhos e ratos. Em todos os casos, nasceram filhotes saudáveis e capazes, por sua vez, de se reproduzir. Os críticos retrucam que esses testes não valem porque foram feitos com animais férteis e, para a Medicina, o que interessa é usar a técnica em homens inférteis. Testart concorda, mas diz que a diferença é muito pequena e não envolve nenhum risco. Ele acha que neste momento, é preciso fazer uma escolha: ou se quer usar a técnica ou não se quer. E é evidente, argumenta, que há casais querendo aproveitar a oportunidade criada pela ciência.

Uma parte tem pai e mãe. A outra, só mãe

Já é muito impressionante descobrir que se pode dar origem a um bebê a partir de espermátides. Mas ainda mais incrível foi uma segunda descoberta, totalmente por acaso e ainda sem comprovação definitiva, de que um menino inglês, atualmente com três anos de idade, começou a ser gerado sem ajuda de qualquer elemento masculino. O garoto nasceu diretamente de uma semente feminina que, sabe-se lá o motivo, começou a se dividir por conta própria, como se tivesse sido fecundada. E não tinha. A prova, hoje, aparece em alguns dos cromossomos de F.D. (iniciais pelas quais a criança é identificada). A teoria diz que todas as células de F.D. deveriam ter cromossomos x e y, que são a marca da masculinidade. Mas o fato é que suas células do sangue têm um par de cromossomos x e x, ambos herdados da mãe.

História extraordinária?

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A única explicação para isso é que F.D. começou a se desenvolver como embrião apenas a partir da mãe. Só depois é que um espermatozóide penetrou numa das células do embrião e a fecundou. O resultado foi uma criança que tem duas classes de células. Uma parte delas veio do óvulo não-fecundado e a outra, da célula em que o gameta masculino conseguiu entrar depois de iniciado o desenvolvimento do embrião.

A experiência, apesar disso, está sendo considerado bem sucedida. É verdade que F.D. tem certa dificuldade para aprender e um defeito de formação – as feições de um lado do rosto são ligeiramente menores que as do outro. Justamente por isso os pais procuraram os médicos.

Mas os defeitos não constituem anormalidade, diz o geneticista David Bonthron, da Universidade de Edinburgo, Escócia. Tanto que ele apresentou o caso como uma evidência científica: para ele, o menino é uma prova de que o homem e outros mamíferos podem muito bem se reproduzir sem os processos comuns de fecundação. Ou seja, pela divisão solitária de um elemento feminino. Esse tipo de fecundação chama-se partenogênese e é mais ou menos comum entre as plantas. A cana ou a banana não precisam de semente. Aliás, não precisam nem de célula sexual: qualquer parte de uma planta adulta pode brotar e dar origem a um novo broto. Também se encontra a partenogênese entre os insetos e os répteis.

A descoberta de que um mamífero pode gerar filhos normais por esse método é surpreendente. Com certeza, não tem nenhuma utilidade prática, pois é um fato fortuito, aconteceu inteiramente por acaso. “Acho que nunca mais vamos ver outro caso igual a esse”, diz Bonthron. E não passa pela cabeça de ninguém, no futuro, gerar bebês sem necessidade de um pai para fecundar a mãe. Mas F.D. mostra que ainda há muito o que aprender sobre o fenômeno da gestação de um novo ser.

Para saber mais

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Esterilidade Conjugal, Arnaldo Ferrari, Edições Rocca, São Paulo, 1991.

Viaggio nel Corpo Umano, Piero Motta e Piero Angela, Garzanti Editore, Roma, 1986.

The Triumph of the Embryo, Lewis Wolpert, Oxford University Press, Oxford, 1991.

Pegando carona até o centro do alvo

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Imatura, sem cauda para se locomover, a espermátide supera a ineficiência com o apoio da mais avançada tecnologia médica.

Âncora milimétrica

A pipeta é um cilindro de vidro oco que serve para imobilizar o óvulo. Para efetuar a operação delicada, precisa ter um diâmetro dez vezes menor do que 1 milímetro.

Agarrada pelo vácuo

Um pouco de sucção retira parte do líqüido que está dentro da pipeta. Na extremidade, então, fica um vácuo que é capaz de puxar e manter o óvulo preso.

Na ponta da agulha

O menor movimento em falso na hora de furar a membrana prejudica a operação. É a etapa mais difícil de todo o processo. Bem sucedida, a espermátide é depositada bem no centro.

Serviço concluído

A seringa começa a ser retirada. Apesar de todo o cuidado e do sucesso final, a marca que ela deixa nas paredes do óvulo mostra como foi profunda a cirurgia celular.

Primeiros tijolos

Fecundado, o óvulo muda de nome. Passa a se chamar ovo e se multiplica para formar o embrião. Primeiro em duas, depois em quatro células, as primeiras do novo ser em gestação.

A sede da fertilidade

As células sexuais masculinas nascem e crescem dentro dos testículos. Veja as três etapas principais de seu desenvolvimento.

Matriz original

Redonda e pequena, a espermatogônia ainda lembra uma célula comum, pois tem duas cópias de cada cromossomo. O espermatozóide e o óvulo adulto têm uma cópia só.

Preparada para acasalar

No centro do testículo a espermatogônia vira espermátide. É oval e tem só uma cópia de cada cromossomo.

Fórmula 1

A espermátide desenvolve a cauda característica do espermatozóide. Isso lhe dá velocidade para participar da reprodução.

Uma gestação em duas versões

Um menino inglês que começou a se formar antes da fecundação. A isso se chama partenogênese, que é natural em plantas e até em répteis. Mas nunca se havia visto em humanos.

Célula feminina se adianta

O óvulo se divide em dois sem ter sido fertilizado pelo espermatozóide. Isso provoca uma diferença entre o desenvolvimento do menino (à squerda) e um desenvolvimento normal (direita).

A masculina se atrasa

Só depois das primeiras divisões, o espermatozóide consegue entrar numa célula. Isso vai criar diferenças com relação ao aspecto do embrião normal.

Cromossomos só da mãe

À esquerda, só a célula fertilizada dá origem a células com cromossomos do pai e da mãe (indicados pela cor amarela) como da mãe (azul). À direita, todas as células têm cromossomos das duas partes.

O embrião dividido

O menino tem células, como as do sangue, que carregam pares de cromossomos x e x, ambos herdados da mãe. Não têm o y, que vem do pai. Outras células são como as normais, com cromossomos x e y.

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