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Defesa do direito dos animais , ou você ou a cobaia

A imagem que se quer passar é a de que os cientistas são indivíduos sádicos.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h51 - Publicado em 30 abr 2001, 22h00

Isaias Raw

Corre o mundo uma campanha em defesa do direito dos animais, pregando o fim do seu uso em testes de laboratório. A imagem que se quer passar é a de que os cientistas são indivíduos sádicos, que usam e matam cobaias inocentes. Há até quem descreva os centros de pesquisa como campos de concentração repletos de instrumentos de tortura para animais. Trata-se de uma visão caricatural que contribui para aumentar ainda mais a ignorância e o preconceito das pessoas diante da ciência.

É provável que essa imagem tenha surgido já no tempo em que Pasteur inoculou a saliva de um cão com o vírus da raiva no cérebro de outro cão, sadio, e verificou que ele contraiu a doença. Para fazer essa experiência, Pasteur teve que abrir um orifício no crânio do cão saudável – um procedimento de fato desagradável, tanto para o cão quanto para o espectador. Ele também usou coelhos em seus experimentos e transmitiu a infecção, sucessivamente de um coelho para outro, 25 vezes – até que o agente da raiva no cérebro do último desses animais se tornasse incapaz de transmitir a doença. No dia 6 de julho de 1885, um garoto de 9 anos, chamado Joseph Meister, foi salvo da raiva depois que Pasteur injetou o vírus atenuado da doença no pequeno paciente, tendo início ali a técnica de produção de vacinas que salvaria, no futuro, a vida de milhões de pessoas.

Nenhuma das pesquisas que deram origem às vacinas seria possível sem o uso de animais de laboratório. Até hoje, a vacina contra raiva é testada em ratos para verificar se não restou nela nenhum vírus que possa induzir a doença ou provocar efeitos colaterais. Em apenas uma das etapas da pesquisa com vacinas é possível dispensar o uso de animais, injetando o agente da doença numa cultura de células em vez de aplicá-lo no organismo das cobaias. Essa técnica é mais rápida, eficaz e econômica. Mas, infelizmente, não pode ser usada em todas as etapas da pesquisa. O uso de animais ainda é indispensável para garantir a saúde da população vacinada assim como para preservar a segurança de substâncias que compõem os medicamentos. Diminuir ou mesmo banir irresponsavelmente os testes em animais aumentaria ainda mais os riscos de quem precisa tomar remédios. Sem essas pesquisas, quem se arriscaria a ir à farmácia?

Há 40 000 anos os homens viviam, em média, 28 anos. Hoje vivem mais de 70. Devemos isso às pesquisas que utilizam animais. No momento em que você estiver lendo este artigo, laboratórios acompanham a evolução de doenças hereditárias em ratos para aliviar, no futuro, o sofrimento dos filhos dos pacientes dessas doenças. Apesar dos ataques às pesquisas que usam animais geneticamente modificados, estamos mais próximos de um tratamento para doenças incuráveis, como o Alzheimer, graças ao uso de ratos transgênicos. Quem hesitaria em utilizar animais em pesquisas se pudesse, com isso, aliviar a dor de um familiar portador de uma doença degenerativa e hoje ainda incurável?

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Garanto que se os pesquisadores encontrassem outra forma de chegar à cura de doenças eles dispensariam o uso de cobaias. Pesquisas com animais são caras e longas. Em novembro deste ano, na Holanda, será realizada uma das poucas convenções sérias que vão debater alternativas para o uso de animais. Com o imenso título “Avanço da Ciência e Eliminação de Animais de Laboratório para o Desenvolvimento e Controle de Vacinas e Hormônios: Objetivo Realista ou Missão Impossível?”, será analisada a eficácia da tecnologia que poderá, aos poucos, substituir, em alguns casos, o uso de cobaias. Mas essa substituição levará tempo e a ciência não pode ser refém da histeria de grupos fanáticos – pessoas que colhem assinaturas em defesa dos animais usados em laboratório mas são insensíveis aos seres de sua própria espécie que precisam de ajuda.

Enfim, não é inaceitável que usemos animais para o benefício humano. Inaceitável é ver o homem matar e expor os seus semelhantes ao sofrimento por meio de guerras ou pela ignorância que rejeita os benefícios dos avanços da ciência. É bem provável que os defensores dos direitos dos animais acreditem que é uma arrogância do homem moderno colocar-se no centro do universo – pessoas que, como Pasteur, priorizaram a vida humana diante da vida de outros animais. Para mim, essa arrogância tem outro nome: humanismo.

Presidente da Fundação Butantan e professor emérito da Faculdade de Medicina da USP

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Os artigos publicados nesta seção não traduzem necessariamente a opinião da Super.

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