Empilhar bolas e laranjas é questão de Geometria
Artigo do professor Luiz Barco, onde explica as técnicas da Geometria esférica.
Luiz Barco
A cada dia que passa um número maior de pessoas descobre que, para trabalhar em certas áreas da Economia, da Biologia, ou mesmo da História, devem rever seus conceitos matemáticos. E, certamente, poucos acreditariam a que um jovem auxiliar do técnico da seleção brasileira de basquete, ao guardar bolas no armário, ou um funcionário do Ceasa quando arruma laranjas numa caixa, trabalham, sem saber, com um problema clássico: o empacotamento de esferas.
Em 1611, essa questão mereceu a atenção do astrônomo alemão Johannes Kepler, que associou o empacotamento de esferas a uma solução que a natureza nos apresenta por meio de uma fruta: a romã. Se observarmos os espaços esféricos em seu interior, verificamos que a maior densidade de empacotamento ocorre quando as esferas são abarrotadas juntas naquilo que se conhece como arranjo de modelo tridimensional cúbico de face centrada. Ou seja, trata – se de uma solução a que recorremos naturalmente quando construímos uma pirâmide de bolas, com a camada de baixo segura por um suporte triangular.
Nesse empacotamento, as esferas ocupam cerca de 74% dos espaços. Embora Kepler tivesse a resposta, não se preocupou em demonstra – lá. Quase 400 anos se passaram e recentemente a revista Science ressuscitou, em um artigo, esse velho problema. É que, no ano passado, o professor Wu – Yi Hsiang, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, Estados Unidos, ao montar um curso de Geometria clássica, acabou resolvendo o complicado problema. Hsiang produziu mais de uma centena de páginas manuscritas, que, após passar por uma revisão e alguns aperfeiçoamentos, foram enviadas a seus colegas matemáticos para que as examinassem.
Se a prova de Hsiang for sustentada por seus colegas, teremos a resposta a uma questão que permanece insolúvel há quatro séculos e vem sendo utilizada intuitivamente tanto pelo homem que encaixota laranjas, quanto por aquele que empilha as bolas. Como modelo teórico, o problema tem aplicações em áreas como design de antenas de radar e de tomografias. Em versões da teoria em dimensão mais alta, ele desempenha um papel crucial no design de sistemas de telecomunicações.
O artigo da revista Science revela que Hsiang, surpreendentemente, não usou nenhuma das teorias da Matemática moderna, e sim as tradicionais técnicas da Geometria esférica, da Álgebra vetorial e do cálculo, para demonstrar que a proposta de arranjamento de Kepler é correta. Não são poucos os matemáticos que têm tentando provar esse teorema e não é sem razão que Hsiang diz: “Me envolvi com isso e quanto mais eu pensava no problema, mais bonito ele me parecia”.
Para os geômetras, a atração real é o desafio. É o caso do matemático Doug Muder, da Mitre Corp., de Massachusetts que também está procurando a solução e, como seus colegas, concorda que não entendemos muito bem o espaço tridimensional e, tampouco, qual a melhor maneira de ocupá-lo pelo agrupamento de esferas. Talvez, depois da prova de Hsiang, problemas dessa natureza sejam mais facilmente enfrentados.
Embora em mais altas generalizações dimensionais o problema permaneça sem solução, outros problemas têm merecido a atenção dos especialistas. Por exemplo, o de determinar o número de esferas não sobrepostas, idênticas, que se pode ajustar ao redor de uma única esfera central. Em três dimensões, a resposta é doze, mas em outras dimensões esse problema é muito complexo. Nelson Max, matemático e especialista em computação gráfica do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, nos Estados Unidos, conseguiu projetar bidimensionalmente uma resposta na quarta dimensão, que pode ser 24 ou 25, embora a melhor resposta pareça ser 24.
As mágicas de alta tecnologia de Max contrastam como o método de Hsiang. Ambos, porém, são muito importantes, pois cada um a seu modo, contribui para melhorar a vida do planeta. O trabalho de Hsiang me encanta, embora se tenha de esperar um ano ou mais para que se comprovem ou não seus resultados. Até lá, ele terá premiado seus alunos com um belo curso de Geometria e nos terá ajudado a acreditar que pesquisa de boa qualidade não é incompatível com dedicação ao ensino.
Luiz Barco é professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo