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Encontrar universos paralelos

Infinitos cosmos, cada um com suas próprias leis, explicariam por que o nosso Universo é tão propício para a vida

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h49 - Publicado em 18 fev 2011, 22h00

Texto Reinaldo José Lopes

O universo é tão certinho que a gente até desconfia. Para os religiosos que consideram que o Cosmos foi criado graças a um projeto divino, isso não é nenhuma surpresa: afinal, Deus é sábio. Já os cientistas, embora possam acreditar num Criador, tentam ir além dessa ideia e entender as razões físicas por trás dos mecanismos cósmicos. Afinal, por que o Universo está tão cheio de galáxias, estrelas e planetas, em vez de ser um imenso vazio? Por que as leis da natureza parecem ser tão adequadas ao surgimento da complexidade e da vida? Uma das hipóteses favoritas para tentar explicar isso nas últimas décadas deixa de lado a visão de que este nosso Universo é tudo o que há. Segundo essa ideia, a ordem cósmica só faz sentido se imaginarmos universos paralelos – e talvez até infinitos universos paralelos – pipocando por todos os lados.

“Hã? Como assim?”, dirá você. Calma. O salto de uma coisa para outra é menos forçado do que parece. O problema científico que a ideia de universos paralelos (ou de um Multiverso, como também é conhecida) tenta resolver é o da sintonização precisa do nosso Cosmos. Existe uma lista pequena de características fundamentais do Universo, das quais depende o surgimento e a continuidade da vida na Terra (e em outros lugares também, se ela existir). São coisas simples, como a intensidade da gravidade, a massa (peso) dos elétrons e de outras partículas ou a quantidade da atração entre os componentes do núcleo dos átomos. Variações minúsculas em qualquer uma dessas grandezas tornariam inviável a existência de qualquer coisa que valesse a pena ser vista no Universo. Ou as estrelas não se formariam, ou queimariam seu combustível rápido demais, ou não formariam elementos mais complexos que o hélio. E aí, nada de Terra – e nada de vida.

Contudo, como eu estou escrevendo este texto e você está lendo o dito-cujo, parece que tiramos a sorte grande e chegamos até aqui depois de uns 13 bilhões de anos de história cósmica. Para alguns, a única explicação para esse fato improvável é que, nos primórdios do Universo, Deus teria “girado os botões” de cada parâmetro cósmico de forma precisa, sintonizando o Cosmos para produzir estrelas, complexidade e vida. Mas será que não haveria uma explicação natural para a sintonia fina do Universo?

Os físicos até que estão tentando achá-la, mas a coisa anda meio difícil. Se fosse possível mostrar que os valores das grandezas essenciais (o tamanho relativo de cada partícula, a intensidade da gravidade etc.) dependem uns dos outros e têm uma razão única e lógica de ser, estaria resolvido o problema: o Universo é assim porque esse é o único jeito de um Universo ser. Acontece que, apesar de buscas incessantes, ninguém achou ainda esse princípio unificador. Os valores das grandezas do Universo continuam parecendo arbitrários. É preciso achar outro caminho para explicar a sintonia fina.

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Viva a inflação

Uma grande pista, derivada de observações do Universo feitas com telescópios, inspirou os físicos a usar os universos paralelos como uma saída. De acordo com o físico americano Leonard Susskind, da Universidade Stanford, essa pista é a inflação cosmológica, uma das visões mais aceitas sobre os momentos iniciais do Cosmos, logo depois do famoso big-bang. “Logo depois” é apelido, aliás. Pegue um segundo e o divida pelo número 10 seguido por 35 zeros: foi nesse intervalo inimaginavelmente pequeno de tempo que a inflação cosmológica, uma expansão violenta do espaço, teria acontecido.

O principal indício da inflação é simples: o Universo é uniforme demais. Embora o sistema solar pareça um lugar cheio de variedade, quando a gente observa as estruturas de larga escala do Cosmos, como as galáxias e aglomerados de galáxias, todas as regiões do espaço são muito parecidas – quem viu uma viu todas. Além disso, a chamada radiação cósmica de fundo, que é uma espécie de eco do big-bang ainda detectável hoje, varia pouquíssimo (o equivalente a apenas 1 centésimo de milésimo de grau Celsius em temperatura) dependendo da região do espaço para a qual você olha. Isso é esquisito porque áreas muito distantes do Universo deveriam ter adquirido características e temperaturas bem diferentes umas das outras conforme o Cosmos crescia. Para os defensores da inflação, o melhor jeito de explicar isso é justamente a inflação. O Universo-neném teria tido uma fase de crescimento tão alucinada, superior à velocidade da luz, que não houve tempo de diferenças significativas aparecerem.

Ok, mas o que isso tem a ver com os universos paralelos? É que os cálculos dos físicos indicam que flutuações sutis numa região muito pequena e densa do espaço foram suficientes para desencadear a inflação cosmológica. Nada impede que regiões vizinhas, tão pequenas e densas quanto a original, tenham sofrido uma expansão semelhante. “Esse crescimento teria sido tamanho, que algumas regiões do espaço ficaram para sempre fora do campo de visão das outras; para todos os efeitos, são outros universos”, explica Leonard Susskind.

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Trocando em miúdos, poderíamos pensar no Multiverso como uma imensa bolha de sabão. Pequenos sopros (fases inflacionárias) dentro da bolha gerariam bolhas-filhas, as quais podem assumir tamanhos e formas diferentes da bolha-mãe e até se desprender dela. O importante, diz Susskind, é que nada garante que as diferentes fases de inflação produzam as mesmas leis da física em cada uma das bolhas. Em alguns universos, o espaço e o tempo estarão quase vazios, uma chatice completa; outros serão ainda mais férteis em vida do que o nosso. O importante é que, com um número possivelmente infinito de universos, a chance do aparecimento de leis cósmicas “certinhas”, como as nossas, vira uma certeza matemática. “Estatisticamente, as regiões do Multiverso são tantas que alguns lugares são especiais o suficiente para permitir a vida, e é neles que a vida está”, afirma o físico americano.

Parto celestial

Apesar da lógica dessa visão, testar diretamente a ideia de um Multiverso é um bocado difícil. Uma das formas mais elegantes de tentar fazer isso está ligada a uma variação da hipótese bolada por Lee Smolin, do Instituto Perimeter de Física Teórica (Canadá). Smolin propõe que os universos dão “cria” e que existe uma espécie de seleção natural entre eles.

Como? A chave está nos buracos negros, aposta o físico. As condições no interior dos buracos negros – uma massa gigantesca concentrada num trecho minúsculo do espaço – lembra muito a estimada para o início da fase inflacionária durante o big-bang. Smolin propõe que os buracos negros, por terem essas condições e serem regiões confinadas do espaço, na verdade são novas “bolhas” do Multiverso, dando origem a universos-bebês. Ora, para que um Universo seja “fértil”, ele precisa ter muitos buracos negros e transmitir essa capacidade para seus universos-filhos. A tendência, portanto, é que os universos com maior capacidade de se reproduzir acabem superando em número os universos estéreis no conjunto do Multiverso. Essa é a seleção natural cósmica – e o motivo de vivermos num lugar tão afinadinho e favorável à vida seria apenas um subproduto dela. Portanto, não somos improváveis dentro do Multiverso, e podemos ser até a regra.

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A ideia é fascinante e, segundo Smolin, passível de ser testada. Seria preciso investigar se o nosso Cosmos, com as leis que tem, realmente maximiza a produção de buracos negros. Também seria legal encontrar um mecanismo para a “transmissão de genes” cósmica – afinal, universos não têm DNA.

Todas essas ideias ainda vão dar muito pano pra manga, até porque ninguém ainda conseguiu pensar num jeito prático de detectar diretamente os outros cosmos. Seja como for, parece que estamos a caminho de descobrir que a natureza não só é mais estranha do que imaginamos mas quase mais esquisita do que nossa espécie é capaz de imaginar.

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