Entulho precioso
A empresa faz com que o lixo seja reutilizado na construção civil, através da reciclagem.
Paulo D¿Amaro, de Socorro, SP
A idéia dessa pequena empresa do interior paulista é fazer com que o entulho que se acumula pelo Brasil seja reutilizado na construção civil. Uma sacada tão simples e lucrativa que pode se espalhar pelo país inteiro e mudar o panorama da degradação ambiental
Socorro. Esse é o nome de uma bucólica estância hidromineral paulista, mas bem que poderia representar o grito da sua própria população. Afinal, até o ano passado, mais de 1 000 toneladas de entulho e restos de material de construção eram despejados a cada mês na beira das estradas, rios e florestas, estragando a beleza do lugar. É o lado ruim do progresso da cidade, que, por estar a apenas 131 quilômetros da capital paulista, tem sido escolhida como refúgio de fim de semana – fato que aqueceu a construção civil. Mas uma idéia simples está mudando esse cenário de degradação ambiental. Boa parte do entulho que sai das demolições e construções agora volta para elas, na forma de material reciclado – um exemplo que pode se espalhar pelo Brasil inteiro e diminuir enormemente o acúmulo de lixo no país.
Tudo graças à criatividade de dois pequenos empresários, João Batista Preto de Godoy e seu pai, Sebastião Preto de Godoy – diretores da Irmãos Preto Materiais para Construção, que derrotou, na categoria Solo, grandes empresas como o Grupo Pão de Açúcar.
A história começou em 1994, quando a família Preto conduzia um modesto negócio de coleta de entulho. Suas caçambas eram alugadas por quem quer que estivesse reformando a casa para se livrar dos restos da obra. A empresa recolhia os rejeitos e os transportava até um dos depósitos de lixo irregulares da cidade (como Socorro não tem aterro sanitário, seu lixo, teoricamente, deveria ser levado a outros municípios, que cobram para ficar com ele). Enquanto isso, a cidade gastava fortunas comprando cascalho para recobrir as estradas de terra, açoitadas pelas chuvas freqüentes. “Percebi então que esse cascalho poderia ser substituído pelo meu entulho”, conta João Batista, que abandonou a faculdade de Biologia para ajudar nos negócios da família.
Nasceu aí a idéia de moer o entulho para vender cascalho à prefeitura. Ao botá-la em prática, em 2000, ele farejou uma possibilidade ainda melhor. “Eu vi aquela poeirada toda saindo do equipamento e então pensei: isso deve servir para alguma coisa.” Não demorou e João estava misturando os restos triturados de entulho a cimento e água. Bingo! O material funcionava tão bem quanto qualquer argamassa preparada pelo mais experiente pedreiro. Substituía perfeitamente a areia usada nas obras.
E por que ninguém pensou antes nessa idéia tão simples? Pensar, muita gente deve ter pensado. Mas o trunfo da família Preto foi seu passado ligado à mineração de feldspato – mineral que era usado na fabricação de vidros. “Nessa época, aprendemos muito sobre como triturar e homogeneizar qualquer coisa, obtendo grãos do tamanho desejado”, explica o pai, Sebastião, de 58 anos. Por isso, a família conseguiu desenvolver, a partir de sucata, um britador de mandíbulas, equipamento capaz de moer o entulho e separar o material obtido em dois tipos: o agregado graúdo, ideal para pavimentação de estradas, substituindo cascalho e brita, e o agregado miúdo, excelente para uso na construção de casas.
Apesar da desconfiança de muitos engenheiros e pedreiros da região e também do descaso da prefeitura local, o projeto tornou-se um sucesso. Pudera: 1 metro cúbico da argamassa reciclada custa apenas 12 reais – três vezes menos que a areia usada tradicionalmente. “Em 2001, quase 2 000 toneladas de entulho voltaram para os canteiros de obra como material reciclado”, orgulha-se João Batista. Outras 1 320 toneladas viraram pedriscos que foram espalhados pelas estradas de terra locais. Além disso, a empresa recolheu e armazenou 60% de todo o entulho produzido no município, evitando que ele degradasse as belas paisagens da região ou poluísse seus riachos cada vez mais usados pelos fãs de esportes de aventura.
Consagrado no dia-a-dia do município, o projeto Recicla Socorro, como foi batizado pela família, está ganhando agora aval acadêmico. Virou alvo da tese de doutorado do engenheiro Leonardo Fagundes Rosemback Miranda, na Escola Politécnica da USP. “É um trabalho simples, que requer pouco investimento”, diz João Batista Preto de Godoy. “Qualquer empresa de coleta de entulho em qualquer cidade do Brasil pode fazer isso, reduzindo as agressões ao meio ambiente e ganhando dinheiro ao mesmo tempo.” Fácil e genial.
Os finalistas
O Pão de Açúcar fez uma enorme diferença em São Paulo, ao criar um programa de coleta seletiva de lixo em 12 de suas lojas. O Programa Pão de Açúcar/Organics recolheu 500 toneladas de lixo reciclável apenas em 2001, e ainda contribuiu com doações para projetos sociais. A Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais foi o outro finalista, com um programa de agricultura orgânica e desenvolvimento sustentável no município mineiro de Itambacuri.