Falar com animais
Sabemos que eles "conversam" entre si. Resta saber se esse papo pode mesmo ser comparado à nossa linguagem
Texto Luciana Christante
Se um dia pudermos conversar com os animais, não deve ser por meio de nada parecido com a língua ofidioglota que Harry Potter usa para falar com serpentes. Em compensação, quando esse dia chegar, os primeiros bichos com os quais trocaremos uma ideia serão bem mais simpáticos do que cobras, como golfinhos, cães, macacos ou mesmo aves. Mas, até lá, precisamos ter paciência.
A comunicação homem-animal é um assunto cientificamente controverso. Entre os anos 60 e 80, alguns estudos de grande visibilidade sugeriram que ela era possível. O golfinho Peter se notabilizou ao parecer compreender regras básicas de sintaxe e gramática e até imitar o som de certas palavras em inglês. Depois veio a gorila Koko, que aparentemente entende cerca de 1 000 gestos da língua americana de sinais. Em ambos os casos, surge a mesma crítica: dificuldade de reproduzir os resultados, a maioria não publicada em revistas científicas.
Só humanos?
Alguns especialistas concordam com a ideia defendida pelo linguista americano Noam Chomsky, segundo a qual seria inútil pesquisar a linguagem dos bichos porque só os humanos seriam dotados de tal habilidade. Assim, as cerca de 200 palavras supostamente compreendidas por Rico, cão que vem sendo estudado no Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva em Leipzig (Alemanha), demonstrariam apenas que ele foi bem condicionado.
Mas muitos discordam. Talvez não seja coincidência que Rico pertença à raça border collie, que ocupa o lugar mais alto no ranking de inteligência canina. De fato, quando as pesquisas se concentram na cognição animal, os resultados muitas vezes surpreendem, e habilidades que estariam na raiz da linguagem aparecem. Certos golfinhos usam um tipo especial de assobio como se fosse um nome “pessoal” para “chamar” indivíduos de seu grupo. Macacos-pregos, que certamente não são os primatas mais inteligentes, entendem o valor do dinheiro.
E a inteligência das aves é a que mais tem impressionado os cientistas nos últimos anos. Basta citar o célebre papagaio cinza africano Alex, que morreu em 2007, ave que nomeava certas cores e formas, conhecia cerca de 150 palavras e entendia o conceito de zero, entre outras façanhas. Se esses bichos têm algum grau de compreensão simbólica, é razoável pensar que seu cérebro consiga processar uma forma rudimentar de linguagem, algo já sugerido em estudos com estorninhos. Apreciadas pelo canto, essas aves europeias parecem reconhe-cer a recursividade, um dos principais componentes gramaticais das línguas humanas, que descreve a forma como encaixamos uma frase dentro da outra, como na sentença comprida que você acaba de ler.
Investigar a linguagem animal no contexto de habilidades cognitivas mais amplas, sem querer forçá-los a falar do nosso jeito, tem se mostrado um caminho mais promissor adotado pelos cientistas, o que talvez um dia abra possibilidades de comunicação que levem em conta características e limitações de cada espécie – inclusive a nossa. Isso porque nossa linguagem tão complexa talvez seja uma limitação para entender o que os animais podem ter a nos dizer de forma aparentemente mais simples.