Nanotecnologia
O melhor caminho para criar máquinas do tamanho de átomos provavelmente é plagiar as células vivas
Texto Reinaldo José Lopes
Pequena grande ideia
Como a nanotecnologia mudaria o mundo.
Robôs minúsculos, menores que uma bactéria, construindo carros, pontes e cidades inteiras; exércitos de submarinos microscópicos navegando pelo interior do corpo humano e curando doenças. Cenários mirabolantes desse tipo são o sonho dourado dos defensores da nanotecnologia, um ramo da ciência que busca a manipulação precisa de objetos do tamanho de átomos, na escala dos nanômetros (1 nanômetro equivale a 1 metro dividido por 1 bilhão. É pequeno pra danar). Se a técnica se tornar tão con-fiável quanto a engenharia civil é hoje, a humanidade vai se beneficiar de uma reviravolta tecnológica de deixar a Revolução Industrial e a internet no chinelo. A questão é: dá mesmo para fazer isso?
Ainda é muito cedo para uma resposta definitiva, mas algumas tendências já estão se desenhando. A mais importante, diz Richard Jones, do Departamento de Física e Astronomia da Universidade de Sheffield (Reino Unido), é que não dá para construir máquinas de dimensões nanométricas simplesmente usando pecinhas minúsculas de metal e plástico. No ambiente do muito pequeno, usar esse tipo de material e estrutura é receita para o desastre – você já vai entender o porquê. A melhor receita, argumenta Jones em seu livro Soft Machines (“Máquinas Moles”, ainda sem versão em português), é copiar as células vivas, as quais, afinal, têm vasta experiência – uns 4 bilhões de anos – na arte de construir máquinas nanoscópicas. Se essa possibilidade vingar, o céu é o limite, como você confere a seguir.
Gente que se faz
Em busca das máquinas que procriam.
Um dos sonhos dos pesquisadores que trabalham com nanotecnologia é o de criar artefatos capazes de replicar a si mesmos. A ideia é que esse tipo de aparelho, uma vez fabricado, seria capaz de usar, sozinho, as matérias-primas necessárias para construir outras cópias dele. Isso aumentaria exponencialmente a eficiência de todo tipo de processo industrial.
“Na prática, a própria palavra ‘construção’ seria inadequada. O processo seria mais parecido com encher um tanque de nutrientes e esperar que o produto cresça lá dentro”, explica Jones.
Acontece que os seres vivos já são mestres nesse tipo de técnica, a chamada self-assembly (“automontagem”). Na verdade, ela não depende de nenhum tipo de interação “inteligente” entre as peças de uma membrana celular, por exemplo. O que acontece é que a própria estrutura das moléculas que são produzidas faz com que elas automaticamente se encaixem e montem o “aparelho celular” desejado. Pense nisso como um conjunto de peças de Lego que são atraídas umas pelas outras por uma espécie de ímã para montar uma casa ou um avião. A diferença é que é a afinidade química e estrutural entre as peças, e não o magnetismo, que faz o serviço.
Em termos biológicos, esse tipo de processo já é bem rapidinho – afinal, em condições ideais, as bactérias conseguem dobrar sua população em cerca de 10 minutos. Com alguma sorte, essa velocidade recorde talvez possa até ser melhorada.
Unidos venceremos
Robôs minúsculos agindo juntos.
Outra capacidade interessante seria a atuação dos futuros nanoaparelhos como uma espécie de “enxame” – um conjunto de artefatos minúsculos que poderiam interagir entre si para realizar determinada tarefa, tal como as abelhas de uma colmeia. Eles ficariam em formação para agir como guindaste num momento e ganhariam outra configuração para formar uma ponte “instantânea” no momento seguinte, digamos.
Para que esse tipo de feito se torne possível, é claro que um dos elementos cruciais seria a sinalização entre as pequenas nanomáquinas, para que elas conseguissem se coordenar de forma eficaz. Não parece muito provável que elas façam isso se falando por ondas de rádio – ao menos pelo que se pode prever, não há técnica capaz de encolher componentes eletrônicos tanto assim sem que eles superaqueçam e travem.
Talvez o mais viável seja pensar em nanomáquinas conjugadas que funcionem mais como uma gosma maleável do que como um enxame. Nesse caso, a chance dos cientistas seria copiar o sistema de sinalização molecular que já existe entre as células que se unem para estancar o sangue de um ferimento, por exemplo. Com a ajuda de estímulos químicos específicos ou até mudanças de temperatura, os componentes nanoscópicos poderiam adquirir “comportamentos” e formas úteis e reversíveis. Essa abordagem, claro, precisaria de muito refinamento em laboratório para que o processo acontecesse numa velocidade superior à da que se vê em sistemas biológicos.
Viagem fantástica
Consertando o organismo por dentro.
Até aqui, vimos aplicações que podem ir da indústria à logística. No entanto, pode-se dizer que o objetivo mais almejado dos especialistas em nanotecnologia é desenvolver nanomáquinas que possam interagir de forma específica e inteligente com o organismo humano. Imitando minúsculos submarinos, elas poderiam penetrar na corrente sanguínea para caçar vírus, destruir células de câncer ou corrigir defeitos no DNA, entre outras funções para lá de úteis. É um cenário bem parecido com o do clássico filme de ficção científica Viagem Fantástica, dos anos 60. Pena que não vai funcionar nem que a vaca tussa.
O motivo é simples, diz Jones: na escala nanométrica, as leis da física funcionam de um jeito curioso. Um fenômeno conhecido como movimento browniano faz com que as células do nosso sangue, por exemplo, chacoalhem de tal maneira que um submarino nanométrico não iria conseguir sair do lugar e, pra piorar, ficaria com o seu para-brisa emporcalhado de proteínas grudentas e opacas. Ou seja, a nave seria totalmente inútil.
Mais uma vez, de acordo com o pesquisador britânico, o melhor caminho é projetar nanoaparelhos que funcionem de um jeito diferente, aproveitando o movimento browniano para se mexer, em vez de bater de frente com ele, por exemplo. As células já conseguiram resolver esse problema; portanto, é preciso copiar e melhorar essas soluções para depois pensar em robôs-médicos de tamanho nanométrico.