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Nem tudo é relativo

A Teoria da Relatividade é uma das maiores revoluções do século 20. Modificou para sempre nossa concepção do Universo. Entenda como o formidável legado de Albert Einstein surgiu da observação de pequenas (porém intrigantes) eventos cotidianas

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h46 - Publicado em 31 jul 2003, 22h00

Oscar T. Matsuura

A Teoria da Relatividade é um marco do século 20. Inovou o pensamento científico, ampliou o conhecimento da natureza e o seu domínio pelo homem. Mas permanece afastada de nossas preocupações cotidianas – em parte porque desafia o senso comum.

Mas basta pensarmos em eventos de nosso cotidiano para entendermos muitos dos princípios da Relatividade. A apreensão do tempo e do espaço é um exemplo disso. Nossa experiência mais pessoal do tempo é a vivência do tempo subjetivo. Com ele ordenamos a seqüência de eventos segundo o critério do antes e do depois para narrar uma história. Mas o tempo parece estar fluindo sempre e de maneira uniforme, fora de nós, independentemente da nossa vontade. Assim, passam os dias, os meses e os anos. Para medir ou quantificar o seu fluxo foram inventados o relógio e o calendário.

O conceito intuitivo de espaço nos vem da experiência da forma dos objetos e do volume ocupado por eles, bem como da experiência do deslocamento dos corpos no espaço. Apesar de invisível, o espaço parece existir como uma entidade objetiva e real. Nós mesmos nos sentimos ocupando lugar nele. Esse espaço pode ser medido e quantificado com uma régua ou trena.

Já por volta de 300 a.C. o matemático alexandrino Euclides deu a esse espaço a magnífica descrição geométrica do espaço tridimensional conhecido como euclideano. Porém, até Copérnico (1473-1543) prevaleceu a concepção de que o Universo estava hierarquizado em esferas concêntricas à Terra e confinado pela maior dessas esferas, a das estrelas fixas, cujo raio era finito. Ou seja: o espaço era finito. A hierarquização do espaço baseava-se na idéia do filósofo grego Aristóteles: as esferas abaixo da Lua eram compostas dos quatro elementos – Terra, Água, Ar e Fogo – e, acima dela, de uma substância chamada Quintessência ou Éter (que nada tinha a ver com a substância química de mesmo nome). Portanto, além de finito, o espaço era não-homogêneo: tanto mais nobre e perfeito quanto mais distante da Terra.

É a partir do inglês Isaac Newton (1642-1727) que se estabelece a idéia de um espaço homogêneo, sempre igual em todas as direções e infinito. Mas foi o filósofo e matemático francês René Descartes quem, antes de Newton, inventou a geometria analítica, uma ferramenta matemática para representar e manipular pontos nesse espaço. As coordenadas geográficas num mapa ou num globo exemplificam esse tipo de representação.

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A régua do universo

Não se impondo um início e um fim para o tempo, nem fronteiras para o espaço, tempo e espaço são ilimitados e infinitos. Tal tempo e espaço inviabilizam, respectivamente, a determinação de um instante e a localização de um evento. É fácil entender isso: assim como num universo infinito é impossível definir o seu centro, uma partícula perdida num espaço infinito não é localizável na medida em que a sua posição não pode ser quantificada. Não pode ser quantificada porque não pode ser medida. Não pode ser medida porque não existe régua infinita.

Mas é fácil perceber que faz todo sentido medir um intervalo de tempo entre dois instantes, ou uma distância entre dois pontos no espaço. Introduzindo, pois, um ponto como referência, ainda que de forma arbitrária, o instante de um evento ou a sua localização podem ser medidos em relação a essa referência. Ela pode ser estipulada como o instante inicial para a contagem do tempo e o ponto de origem para a medição das distâncias. Concluímos que o nosso ato de medir o tempo e o espaço requer a introdução de sistemas de referência.

Um exemplo clássico. Você está parado na plataforma de uma estação de metrô e vê uma composição se aproximar. Nela está um amigo seu. Ele está sentado junto a uma janela que pode ser reconhecida por meio de alguma marca. Como você descreveria o movimento daquela janela? Agora o tempo não pode ser ignorado. Um relógio é necessário. A descrição pode ser feita tabelando a distância dessa janela até você para cada sucessivo segundo de tempo fornecido pelo seu relógio. Essa descrição terá você como referência: o lugar onde você se encontra e o seu relógio. O fato é que, na descrição final, a distância da janela em relação a você diminuirá com o passar do tempo.

Mas qual é a descrição do movimento da janela do ponto de vista do seu amigo no trem? Claro, a referência pode ser escolhida arbitrariamente. O bom senso sugere que ele escolha o banco em que está sentado. Nesse sistema de referência a janela permaneceu parada o tempo todo. Mais: afirmará que estava parado, sentado, e que você, na estação, estava se aproximando dele!

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Chegamos, assim, à conclusão de que o movimento é relativo. Relativo ao sistema de referência do observador. Nenhum movimento é absoluto.

O observador é tudo

Uma idéia fundamental que possibilitou a transição do sistema geocêntrico de Ptolomeu para o sistema heliocêntrico de Copérnico foi a da relatividade do movimento dos astros. Com efeito, muitos movimentos celestes importantes resultam apenas do movimento do observador que, estando na superfície da Terra, é arrastado pela sua rotação, translação etc. Apesar da simplicidade e obviedade dessa idéia hoje, a humanidade passou vários séculos desconsiderando o heliocentrismo. Por quê? Porque prevalecia a idéia de que a Terra permanecia imóvel no centro do Universo. Mas sobretudo porque pesava o fato de que a contemplação ingênua do céu estrelado não dava a menor indicação de que a Terra estivesse girando em torno do seu eixo e viajando no espaço ao redor do Sol. O modelo geocêntrico era intuitivo.

Na prática, um sistema de referência é um laboratório com um observador e os seus aparelhos de medida: a régua, para medir distâncias; o relógio, para medir o tempo. O ponto importante é que o observador e os seus instrumentos de medida sejam solidários. Se o observador se mover, os instrumentos deverão acompanhá-lo.

A relatividade do movimento é uma conseqüência da relatividade da posição de um corpo no espaço, em relação ao sistema de referência adotado. O espaço, em si, é absoluto. Também a distância entre dois pontos é absoluta. Mas a posição de um corpo, e o seu movimento, são relativos a cada sistema de referência.

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Até aqui, o tempo em si também é considerado absoluto. Também as medidas de intervalos de tempo são absolutas. Diferentemente da origem para o espaço, a origem para a contagem do tempo é supostamente comum para todos os sistemas de referência. Surge, assim, uma assimetria entre as medidas do espaço e do tempo. Só as primeiras são relativas a cada sistema de referência. Enquanto a posição da janela do vagão do metrô dependia do sistema de referência, o tempo era comum: o relógio do seu amigo no metrô, e o seu na estação, estariam marcando exatamente o mesmo tempo.

A consideração de que o tempo é comum para todos os sistemas de referência implica alguns requisitos: que todos os relógios distribuídos no espaço marcham com a mesma velocidade, independentemente do movimento relativo. Isso será negado na relatividade restrita com a dilatação do tempo. Implica também que todos os relógios possam ser perfeitamente sincronizados – o que, no fundo, exige uma forma de transmissão instantânea de informação entre dois pontos separados no espaço. Isso também será negado com a relatividade da simultaneidade.

O fato de o movimento ser relativo tem a ver com relatividade? Sim, mas a relatividade do movimento da qual falamos até agora é clássica. Ela já era conhecida por Galileu Galilei (1564-1642) e pelo próprio Newton. A relatividade de Albert Einstein não é essa relatividade clássica, mas surgiu de uma revisão crítica dela. Apesar da denominação Teoria da Relatividade, como se Einstein tivesse dito que na natureza “tudo é relativo”, o seu conteúdo principal diz respeito muito mais à constância e universalidade das leis físicas.

Gênio indomável

Na escola primária, Albert Einstein (1879-1955) foi considerado insociável e lerdo. Seus pais chegaram a achar que ele sofria de dislexia. Na verdade, Einstein estava perdido nos próprios sonhos. Bom de raciocínio, tinha dificuldade nas tarefas que exigiam memorização. Com apenas 5 anos, Einstein ganhou uma bússola. Brincando com ela, achava um milagre a propagação do magnetismo terrestre pelo espaço. Considerado um mau exemplo para os colegas, Einstein não conseguiu terminar o ginásio em Munique do qual foi expulso. Aos 16 anos, já em Milão com seus pais, enquanto passeava de bicicleta, fez a famosa pergunta: “Como se pareceria o mundo se eu viajasse em um raio de luz à velocidade da luz?” Nesse mesmo ano escreveu um trabalho sobre eletromagnetismo que já prenunciava a Teoria da Relatividade. Esse trabalho impressionou tanto os examinadores da Escola Politécnica de Zurique, que compensou as notas ruins em outras disciplinas.

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Em 1901, por alguns meses Einstein deu aulas de matemática em colégios não muito distantes de Zurique, mas, em meados de 1902, ganhou um emprego no Departamento de Patentes, em Berna. Teve tempo para pensar em física.

Em 1905 publicou cinco trabalhos, dentre os quais aquele sobre o efeito fotoelétrico, pelo qual ganharia o Prêmio Nobel de 1922, além de dois artigos com os quais lançou a Teoria da Relatividade Restrita, uma resposta àquela pergunta que se fez andando de bicicleta. Assim chegou ao espaço e tempo relativos, desconstruiu a noção intuitiva da simultaneidade, introduziu a estranha idéia da variação da massa com a velocidade, o significado de velocidade-limite para a velocidade da luz e a equivalência entre massa e energia. Convidado para escrever um artigo sobre sua teoria numa publicação anual, sentiu-se desconfortável com o fato de que a Relatividade se aplicava somente a situações especiais. Concebeu então um novo projeto que rompesse essas barreiras: a elaboração da Relatividade Geral. Ou, como todos conhecemos: a Teoria da Relatividade.

O grande salto

A Relatividade Restrita só se aplicava em sistemas cujos movimentos relativos tinham velocidade retilínea e uniforme. Sistemas acelerados, como uma galáxia distante em relação a nós, estavam excluídos. Em 1911, Einstein aceitou o convite para trabalhar em Praga, na atual República Checa. O projeto da Relatividade Geral praticamente não havia progredido e só foi retomado aí. Através de experimentos mentais, construiu duas idéias-chave: o Princípio da Equivalência, segundo o qual um sistema em repouso no campo gravitacional da superfície da Terra é indistinguível de um sistema acelerado por um foguete com igual aceleração no sentido oposto; e a curvatura do espaço e do tempo. Para completar a teoria, faltava encontrar a solução matemática para encurvar o espaço-tempo.

Um exemplo clássico disso é o do carrossel. Num carrossel que gira, há uma aceleração centrífuga. Segundo a Relatividade Restrita, a medida do raio R do carrossel, perpendicular ao movimento, não é afetada pela rotação. Mas a medida do círculo externo é afetada: não será 2pR, mas menor. Isso ilustra como o espaço num sistema acelerado não é mais euclideano, mas encurvado. Para introduzir a curvatura Einstein fez uso do espaço-tempo, uma entidade geométrica abstrata criada por Hermann Minkowski, seu mestre de matemática em Zurique. O encurvamento do espaço-tempo é determinado pela presença de matéria e energia. No espaço-tempo encurvado os corpos e a luz percorrem trajetórias curvas, mas não mais sob a ação de uma força. A Relatividade Geral dispensa a noção newtoniana de força.

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Em 1914 Einstein mudou-se para Berlim. Trabalhava freneticamente para finalizar a Relatividade Geral. Em 1916, depois de tê-la apresentado no final do ano anterior numa sessão da Academia Prussiana de Ciências, publicou sua Relatividade Geral. Mas Einstein não era um bom matemático. Assim, com muito sacrifício e com muitas tentativas e erros, chegou às equações da Relatividade Geral.

Ao reformular a teoria da gravitação de Newton, a Teoria da Relatividade permitiu construir um andaime mental para o estudo do Universo como um todo. Só por isso a Teoria da Relatividade tem um valor cultural inestimável, pois deu ao homem a chave para responder à pergunta: “Onde estamos?” Essa foi uma grande façanha intelectual, pois o Universo é um objeto muito peculiar de investigação. Por definição, ele inclui toda a realidade física sem que nada reste fora dele. Estamos diante do caso único em que o observador, necessariamente, faz parte do objeto de estudo. Não há, portanto, a usual relação sujeito-objeto. Nem existe um espaço como se fosse o palco preparado para a atuação do Universo. O espaço e o tempo só existem no Universo e na medida em que o Universo contém coisas e abriga processos. Através do espaço e do tempo as coisas no Universo têm relação, não com o todo, mas entre si, de modo que a descrição do Universo é uma descrição da rede de relações que ocorrem nele.

Essa descrição é fundamentada na Teoria da Relatividade, que nos permite vislumbrar o Universo como quem consegue enxergar além do horizonte e perceber a curvatura da Terra quando é alçado a alturas maiores. Vendo agora o Universo à luz da revolução de Einstein, reconhecemos nele reflexos de nós mesmos. Pela primeira vez, desde a criação, o Universo toma conhecimento de si mesmo através do homem!

Uma predição da Relatividade Geral foi a deflexão dos raios de luz de estrelas distantes quando eles tangenciam o Sol até chegarem aos nossos olhos. Agora a deflexão não era mais explicada pela ação de uma força gravitacional atuando nos fótons, mas pelo encurvamento do espaço nas proximidades do Sol. Em 1919 a Royal Society de Londres anunciou que essa predição havia sido confirmada no eclipse daquele mesmo ano. Parte dessa observação foi realizada no famoso eclipse de Sobral, CE. Foi este sucesso que lançou Einstein definitivamente para a fama internacional, não apenas como cientista, mas também como o sábio que mudaria nossa maneira de encarar o Universo.

O livro Teoria da Relatividade, de Oscar T. Matsuura (professor aposentado de astrofísica da USP e um dos maiores divulgadores de ciência do Brasil), já está nas bancas. O volume 8 da “Coleção Para Saber Mais” é a melhor e mais clara introdução ao tema.

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