Luiz Barco
Sempre que num cálculo é preciso levar em conta a direção, como na hora de somar duas velocidades, os matemáticos usam um tipo curioso de número chamado vetor. Veja como ele pode ajudar a descobrir a trajetória de um objeto em queda livre, como um pacote salva-vidas lançado por um avião-patrulha no mar.
1. Ao cair do avião, o kit salva-vidas percorre uma curva em forma de parábola. Para entender por quê, pode-se decompor sua trajetória em dois movimentos, um para a frente, horizontal, e outro para baixo, vertical.
2. O movimento vertical resulta da atração da gravidade e o horizontal do impulso dado pela velocidade do avião. Note que, 1 segundo após a queda, cada seta azul, neste desenho, é um vetor, ou seja, um número que não apenas tem um valor, mas também uma direção.
3. Os vetores, como os números comuns, podem ser somados. Dois segundos depois da queda, unindo-se o começo da primeira seta azul com o fim da segunda, obtém-se um novo vetor, a seta vermelha. Assim, a cada momento a soma vetorial indica onde está o pacote.
4. Para achar o valor das duas velocidades combinadas, basta elevar ao quadrado cada um dos seus componentes (602 = 3 600 e 1002 = 10 000) e depois somar os resultados (3 600 + 10 000 = 13 600). Daí, extrai-se a raiz quadrada dessa soma (13 600 = 116,6 ). Viu como é simples? A velocidade vetorial com que o salva-vidas cai na água é de 116,6 metros por segundo na direção da seta vermelha.
Luiz Barco, professor da Universidaded de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
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Algo mais
A idéia de que o movimento pode ser decomposto foi do físico italiano Galileu Galilei (1564-1642). Só em 1840 os matemáticos William Hamilton (1805-1865), irlandês, e Hermann Grassmann (1809-1877), alemão, inventaram o cálculo vetorial.
Sobrenome matemático
Eu estava deixando a sala de aula quando deparei com um menino que não me lembrava de ter visto antes. Ao perguntar seu nome, recebi uma resposta surpreendente: “1 e 65, 13, 55”. Raciocinei e percebi que ele havia se identificado por sua altura, sua idade e seu peso. Retruquei que, de certa maneira, ele tinha definido uma espécie de vetor, que é um número que tem valor – como 1, 3 ou 6 – e direção. Para ajudá-lo a entender, descrevi uma cena fictícia.
Imagine que alguém escala uma montanha e quero mostrar a um espectador onde está o alpinista. Posso dizer-lhe para olhar 40 metros à frente, depois 30 metros à direita e 20 metros para o alto. Essas três grandezas que localizam o esportista são vistas pela Matemática como um único número dotado de três partes. Esse trio recebe o nome de vetor. Na prática ele pode ser representado apenas por uma seta entre mim e o alpinista – uma outra maneira de designar o vetor 40, 30, 20.
Expliquei ao garoto que nem sempre precisamos de dois números para montar um vetor; muitas vezes bastam dois algarismos (veja infográfico acima). Para arrematar, disse-lhe que a direção era uma uma espécie de sobrenome dos números, pois acrescenta informação a eles. O 5, por si só, é como apresentar alguém somente como João. Mas, se eu digo 5 quilômetros por hora e indico a direção dessa velocidade, a identificação se completa. Equivale a apresentar o cidadão por inteiro, João da Silva Andrade. Aí ele entendeu.