O centenário de um grito
A Guerra de Canudos, que teve como palco uma árida região da Bahia entre 1896 e 1897, foi uma sangria desatada na República nascente.
Leandro Sarmatz
Publicado em 1902, Os Sertões está comemorando 100 anos. Escrita numa prosa torrencial, abusando de termos científicos e preciosistas, a obra do engenheiro militar e jornalista diletante Euclides da Cunha (1866-1909) é inclassificável: misto de diário de viagem, estudo antropológico, romance, ensaio de sociologia, denúncia encadernada. Leitores estrangeiros – como seu tradutor para o inglês, o americano Samuel Putman – freqüentemente comparam o livro a épicos da estatura de Guerra e Paz, do russo Léon Tolstói.
Não é para menos. O que Euclides narra e denuncia em seu livro (que acaba de ganhar uma nova edição da Ateliê Editorial com introdução e notas do professor Leopoldo Bernucci, da Universidade do Colorado, Estados Unidos) é um embate feroz, implacável, crudelíssimo – e sempre dramático. A Guerra de Canudos, que teve como palco uma árida região da Bahia entre 1896 e 1897, foi uma sangria desatada na República nascente. O Exército brasileiro compareceu com milhares de homens e armas para aniquilar aquela gente que, liderada por Antônio Conselheiro, discordava dos rumos políticos e religiosos de um Estado laico. Correspondente do jornal O Estado de S. Paulo, Euclides da Cunha acompanhou a Campanha de Canudos e a eternizou numa linguagem vibrante, que, de certa forma, reproduz as emoções contraditórias de uma guerra fratricida.