O que você acredita que é verdade? Apesar de não poder provar
As crenças dos cientistas mais notáveis do mundo
Para fazer ciência é preciso ter evidências, certo? Não, nem sempre. No início de qualquer pesquisa está uma pequena suspeita do pesquisador. É aquela idéia que ele acha que deve ser verdade, mas que nenhum argumento pôde ainda confirmar. Daí todo trabalho do cientista é correr atrás de evidências para tentar fundamentar sua intuição.
Foram justamente essas suspeitas que o site Edge (www.edge.org), um dos mais respeitados fóruns de debate intelectual da internet, tentou tirar da mente de 120 dos principais pensadores da atualidade. Selecionamos a seguir trechos de algumas das melhores crenças dos cientistas.
Bichos Conscientes
“Estranhamente, eu acredito que baratas têm consciência. É provavelmente um pensamento pouco atraente para alguém que acende a luz da cozinha no meio da noite e vê uma família de baratas correndo para se esconder. Mas é uma forma curta de dizer que acredito que muitos animais simples têm consciência, incluindo abelhas e borboletas. Não digo – nem de longe – que eles são conscientes do mesmo modo que os humanos. Se isso fosse verdade o mundo seria um lugar chato. De preferência, o mundo é cheio de consciências estranhas sobrepostas. As baratas, assim como os donos de apartamento em Nova York que as detestam, sofrem de estresse e podem morrer por causa dele, mesmo sem terem sido machucadas. Elas também são hierárquicas e conhecem bem seus pequenos territórios. Quando elas começarem a correr, pense duas vezes antes de esmagar um outro mundo.”
Alun Anderson, editor-chefe da revista americana New Scientist
Obras de artes eternas
“Num ensaio de 1757, o filósofo David Hume afirmou que, porque os princípios gerais do gosto são uniformes na natureza humana, o valor de algumas obras de arte deve ser essencialmente eterno. Ele observou que o mesmo Homero que agradou Atenas e Roma há 2 mil anos continua a ser admirado em Paris ou Londres. As obras que atravessaram milênios, pensou Hume, conseguiram isso porque invocam características profundas e imutáveis da natureza humana. Algumas obras singulares, como a Sinfonia Pastoral, de Beethoven, possuem essa rara mas demonstrável capacidade de excitar a mente humana além das fronteiras culturais e através do tempo histórico. Eu não posso provar, mas acho que um pequeno grupo de obras desse tipo – produzidas por Homero, Bach, Shakespeare, Murasaki Shikibu, Vermeer, Michelangelo, Wagner, Jane Austen, Sófocles, Hokusai – será procurado e desfrutado por séculos ou milênios no futuro. Tanto quanto modismos e filosofias estão destinados a mudar, essas obras continuarão a ser objetos de valor permanente para os seres humanos.”
Denis Dutton, professor de filosofia da arte na universidade de Canterbury, Nova Zelândia. Especialista em estética, edita o respeitado site Arts & Letters Daily (www.aldaily.com)
Probabilidade
“Se eu jogasse uma moeda para o alto 1 milhão de vezes estaria certo de que não daria cara em todas elas. Não sou um homem de apostas, mas eu teria tanta certeza disso que apostaria minha vida ou minha alma. Eu até iria mais longe e apostaria um ano de salário. Tenho absoluta certeza de que as leis dos números grandes – a teoria da probabilidade – iriam agir a meu favor. Toda a ciência é baseada nisso. Mas eu não posso provar e eu realmente não sei por que ela funciona. Esse deve ser o motivo pelo qual Einstein disse Deus não joga dados.”
Leonard Susskind, físico da Universidade Stanford, EUA. Criou a teoria das cordas, que propõe que os componentes fundamentais da natureza são cordas minúsculas de energia
Cooperação
“Acredito que nós, humanos, que sabemos tanto sobre cosmologia e imunologia, carecemos de uma estrutura para pensar sobre por que e como os homens cooperam. Creio que parte do motivo disso é uma velha história que contamos a nós mesmos sobre o mundo: negócios e nações obtêm sucesso sendo competitivos. Biologia é uma guerra, onde apenas os aptos sobrevivem. Política é sobre vencer. Mercados crescem exclusivamente por conta de seus próprios interesses. Enraizadas no espírito das eras de Adam Smith e Charles Darwin, a história científica, a social, a econômica e a política dos séculos 19 e 20 enfatizaram de maneira exagerada o papel da competição como condutora da evolução, progresso, comércio e sociedade. Eu acredito que o esboço de uma nova narrativa está se tornando visível – uma história onde planos de cooperação, interdependências e ação coletiva têm um papel mais proeminente. E a essencial (mas não onipotente) história da competição e sobrevivência dos mais aptos encolhe um pouco.”
Howard Rheingold, especialista em comunicação e autor de Smart Mobs: The Next Social Revolution (“Mobilizações Inteligentes: A Próxima Revolução Social”). É um dos principais pensadores das implicações sociais e políticas de tecnologias como a internet
Amor verdadeiro
“Amor é algo comum, mas o amor verdadeiro é raro e eu acredito que poucas pessoas têm sorte o bastante para experienciá-lo. Os caminhos do amor comum já foram bem percorridos e as suas marcas são entendidas por muitos – a atração hipnótica, a formação da obsessão, o sexo, a dedicação e o desejo de combinar o DNA. Mas o amor verdadeiro toma o seu próprio curso através de um território desconhecido. Ele desconhece cercas e não tem obstáculos ou limites. É difícil de definir, engana as medições modernas e é cientificamente tosco. Mas eu sei que amor verdadeiro existe – só não posso provar.”
David Buss, é psicólogo da Universidade do Texas, EUA. Trabalha com psicologia evolutiva, disciplina que usa a seleção natural para tentar desvendar o comportamento humano. Já escreveu dois livros científicos sobre relacionamentos amorosos
Escolhas irracionais
“Eu não acredito que as pessoas são capazes de ter um pensamento racional quando precisam tomar decisões a respeito da própria vida. Elas acham que estão se comportando racionalmente e que analisaram todas as possibilidades, mas na hora de tomar decisões importantes – como com quem casar, onde morar, qual carreira seguir, qual universidade cursar – a mente das pessoas simplesmente não consegue lidar com a complexidade. As decisões são tomadas pelo inconsciente. A consciência é responsável por encontrar razões para essas decisões. Mas conseguimos pensar racionalmente sobre as escolhas dos outros. Isso porque, nesse caso, não estamos tentando satisfazer as necessidades do nosso inconsciente nem as fantasias da infância.”
Roger Schank, professor da Universidade de Carnegie Mellon, EUA, é um dos principais pesquisadores de inteligência artificial e dos processos mentais do aprendizado
Não há tempo
“Estou convencido, mas não posso provar, que o tempo não existe. Acho que existe um modo consistente de pensar sobre a natureza que não faz uso das noções de espaço e tempo em nível fundamental. E esse modo de pensar vai se tornar útil e convincente. Acho que as noções de espaço e tempo serão úteis apenas como aproximações. Elas são semelhantes a uma noção como a superfície da água, que perde significado quando descrevemos as dinâmicas dos átomos formando água e ar individualmente: se olharmos numa escala bem pequena, não há de fato nenhuma superfície ali. Tenho a convicção de que espaço e tempo são como a superfície da água: convenientes aproximações macroscópicas triviais, mas telas ilusórias e insuficientes que a nossa mente usa para organizar a realidade.”
Carlo Rovelli, físico teórico, pesquisador da gravidade quântica e dos fundamentos do espaço-tempo. É autor de Quantum Gravity (“Gravidade Quântica”) e Cos·e· il Tempo? Cos·e· lo Spazio? (“O Que É o Tempo? O Que É o Espaço?”)
Extraterrestres
“Eu acredito que vida é algo comum no Universo e que nós vamos encontrar um planeta como a Terra dentro de uma década. Já encontramos mais de 130 planetas procurando somente em estrelas próximas do nosso cantinho da Via Láctea. Os resultados sugerem que existem incontáveis planetas na nossa galáxia. Apesar de a grande maioria desvendada até agora ser gigantes gasosos como Júpiter e Saturno, que dificilmente abrigariam vida, alguns devem ser semelhantes à Terra ou no mínimo do tamanho dela.”
Stephen Petranek, editor-chefe da revista americana Discover
Fé faz bem
“Não posso provar, mas estou quase certo que as pessoas ganham uma vantagem seletiva ao acreditarem em coisas que não podem provar. Eu falo realmente sério sobre isso. Pessoas que às vezes são tomadas por falsas crenças se saem melhor do que aquelas que insistem em ter uma prova antes de acreditar e agir. Aqueles que, de vez em quando, são varridos pelas emoções se dão melhor na vida do que os que calculam todas as ações. Essas vantagens, eu acredito, modelaram habilidades mentais para emoção intensa e crenças apaixonadas porque elas oferecem uma vantagem seletiva em determinadas situações.”
Randolph Nesse, psiquiatra, professor da Universidade de Michigan, EUA. Co-autor de Why We Get Sick: The New Science of Darwinian Medicine (“Por Que Adoecemos: A Nova Ciência da Medicina Darwiniana”)