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Onde está todo mundo?

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h51 - Publicado em 28 jul 2009, 22h00

Vista do espaço, a atmosfera terrestre contém alguns gases cuja origem é fácil de entender. O nitrogênio e o gás carbônico, por exemplo, nasceram com o próprio planeta, no poderoso caldeirão cósmico que era o sistema solar há cerca de 5 bilhões de anos. Por isso, também se encontram em outros planetas, como Vênus e Marte. Mas outros gases, como o metano, representam um enigma. O metano poderia ter sido injetado no ar pelos vulcões ou pela química do solo, como ocorreu em Vênus, bem depois de os planetas se formarem. O problema é que tal processo cria relativamente pouco gás, e na Terra em especial o oxigênio o decompõe com tal rapidez que seu volume no ar deveria ser zero. Como não é isso o que se vê, mesmo do espaço, a grande distância, só resta uma alternativa: há uma fonte desconhecida soprando metano em ritmo constante e em grande quantidade no ar, algo como 15 toneladas por segundo, ou 500 milhões de toneladas ao ano. E a melhor aposta sobre a natureza dessa fonte é: seres vivos. O excesso de metano, assim, foi um dos mais fortes indícios de vida captados pela sonda automática Galileu depois de examinar a Terra com os melhores instrumentos existentes. Apesar de voar parte do tempo abaixo de 1 000 quilômetros de altura (não mais que a distância São Paulo-Brasília), a nave não percebeu bilhões de animais e plantas sobre os quais estava se deslocando.

Também não viu cidades, redes de transporte ou plantações, embora tenha fotografado – com capacidade para ver detalhes menores que 2 quilômetros – perto de um décimo da superfície do planeta (6,3%). Os dados da nave não indicam, por exemplo, que tipo de seres produz o metano. E, por incrível que pareça, boa parte do gás sai do estômago dos bois. Ou seja, a flatulência gerada pela digestão dos ruminantes é um dos poucos sinais que a vida é capaz de enviar para o espaço. Mas os gases só se tornam importantes porque os bovinos são criados aos montes pela civilização (cerca de 2 bilhões de cabeças), e disso a Galileu não deu qualquer notícia.

Também os solos úmidos das plantações de arroz e a queima de árvores produzem metano (a taxa real de produção é estimada em 230 milhões de toneladas, e não os 100 milhões sugeridos pelos dados da Galileu). O resto, cerca de 36% do total, é criado ao natural, por certos tipos de bactérias. A lição que se tira dessa experiência é clara: embora a investigação tenha sido rápida, não é tarefa trivial decidir se há vida em determinado lugar do Cosmo. Daí a importância de se fazer um teste desse tipo usando como cobaia a Terra, onde sabidamente há vida: assim se aprende como procurar vida em outros lugares, diz o astrônomo americano Carl Sagan. Por sorte, foi possível fazer o teste durante o período em que a Galileu, já no espaço, tomava impulso e esperava o melhor momento de partir para Júpiter, onde deve chegar em dezembro de 1995.

“Os instrumentos não haviam sido projetados para uma missão de encontro com a Terra”, explica o cientista. “Felizmente, deu para improvisar uma experiência teste: a busca de vida na Terra por uma típica sonda interplanetária moderna.” Em um relatório recém-publicado pela revista inglesa Nature, Sagan conta algumas peripécias da missão. Em números precisos, a menor distância da Galileu à Terra foi 960 quilômetros, sobre o Mar do Caribe. Mas como era noite nesse local, todos os dados que dependiam de luz solar refletida pelo planeta tiveram que ser coletados a posteriori, a uma distância maior.

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Além disso, como a velocidade da nave era grande, da ordem de 100 000 quilômetros horários, alguns dados chegaram às antenas receptoras bem depois de coletados, entre 2 horas e 3,5 dias mais tarde. Um cuidado óbvio, mas essencial, dos cientistas (quatro pesquisadores assinam as conclusões junto com Sagan), foi fingir que nada sabiam sobre a Terra. Daí porque o excesso de metano e outras informações da Galileu foram consideradas um “mistério”. Na verdade, todos sabiam suas causas. Esse cuidado transformou numa adivinhação a análise da Amazônia, feita com ajuda de uma formidável câmara fotográfica eletrônica conhecida pela sigla SSI (sistema de imagens de estado sólido, em inglês).

O que se via, evidentemente, era a imensa massa verde da floresta, mas os cientistas simularam perplexidade. Que espécie de solo refletiria tão bem o calor, mas tão pouca luz visível? Em nenhum planeta se vêem rochas ou solos com essas características contraditórias: geralmente, rochas e solos refletem com a mesma facilidade a luz e o calor (a expressão correta, tecnicamente, é luz infravermelha). Mas a Amazônia desafiava as “mágicas” da câmara SSI, que é capaz de decompor a luz refletida pelos objetos em diferentes imagens – que depois podem ser recompostas de diversas maneiras para facilitar comparações. Para isso, conta com receptores especializados em captar as mais variadas formas de luz: infravermelho (ou calor), vermelho, verde e violeta.

Assim, o solo amazônico aparece num vermelho brilhante, nos receptores especializados em calor, e num vermelho mais fosco nos receptores de luz visível. É fato que rochas e solos “reais” refletiriam um pouco melhor o calor, por exemplo em comparação com a luz verde. Mas na Amazônia a diferença é grande; a parcela de luz refletida cai abruptamente quando se passa do calor ao vermelho, embora volte a subir na faixa do verde (veja gráfico). A saída, então, foi aventar a hipótese de que o solo da Amazônia seria feito de um material singular, capaz de devorar com avidez a luz visível (que por isso não seria refletida).

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Para a ciência, o gás que sustenta a vida é anomalia

Para os terráqueos, esse material não tem nada de incomum: trata-se apenas da familiar clorofila, substância contida nos vegetais justamente com a função de absorver a luz, sua fonte direta de energia. Já um alienígena teria dificuldade até para imaginar que a clorofila existe. Caso o fizesse, porém, poderia entender outra “peculiaridade” descoberta pela Galileu: o oxigênio do ar.
Parece até tolice tratar como anomalia o gás que sustenta a vida na Terra. Mas ele realmente não faz parte da receita natural dos planetas e, em princípio, é um tóxico fulminante para os organismos. Só uma intricada reviravolta no curso da evolução, há cerca de 2 bilhões de anos, pode explicar sua presença na atmosfera.

Acredita-se que o ar foi oxigenado por micróbios primitivos que absorviam gás carbônico, então abundante na atmosfera. Depois, usavam a luz para transformar esse gás em nutrientes, expelindo oxigênio como resíduo. Este pode ter levado à morte muitos dos seres originais do planeta (SUPERINTERESSANTE ano 4 nº 10, p.38). Mas, em compensação, também abriu espaço para novos micróbios – autênticos marginais, que haviam aprendido a se alimentar dos despojos letais de seus antecessores. Claro que nada disso ocorreu da noite para o dia. Mesmo porque, os primeiros dejetos de oxigênio devem ter sido rapidamente transformados em pedra, pois ele se liga facilmente aos átomos das rochas e do solo.

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A ferrugem é uma prova da alta afinidade entre o oxigênio e o ferro, por exemplo. Apenas com o tempo, os restos biológicos superaram largamente a capacidade de absorção dos minerais, até chegar ao equilíbrio. Isso explica a atual quantidade de oxigênio no ar (vale lembrar que as plantas atuais já não produzem oxigênio novo, pois expelem durante o dia, quando se alimentam, aquilo que reabsorvem à noite, quando respiram). Sagan está certo ao questionar se essa complicada explicação pareceria plausível a um ser de um mundo muito diferente da Terra. Mesmo assim, diz ele, nenhum fenômeno puramente físico, não biológico, geraria oxigênio na quantidade observada no planeta – bem próxima do dado verdadeiro, 21 % do volume total da atmosfera.

Sagan explica que a radiação ultravioleta do Sol pode quebrar a molécula da água e liberar os seus componentes, o hidrogênio e o oxigênio, na forma de gás. Em teoria, esse processo poderia gerar oxigênio na quantidade certa em apenas 100 000 anos, um átimo, na história do planeta. Na prática, não é bem assim. Em Vênus e Marte, por exemplo, o bombardeio ultravioleta destruiu imensa quantidade de água (o hidrogênio, muito leve, acaba escapando para o espaço, depois de arrancado da molécula de H 2O). Nem por isso esses planetas têm frações apreciáveis de oxigênio no ar. Na Terra, diz Sagan, a parcela de vapor alcançada pela radiação é limitada, e só por isso o oxigênio levaria bem mais que todo o tempo de vida da Terra para se acumular.

O tempo torna-se ainda mais longo quando se considera o alto potencial de absorção pelos minerais. Assim, embora seja extremamente abundante, o vapor de água não é uma boa fonte de oxigênio atmosférico. Em vez disso, a água reforça a hipótese biológica, pois é essencial à fotossíntese, em que o gás carbônico é transformado em nutrientes, nas plantas e micróbios. Ou seja, se os dados da Galileu sugerem vida, esta deve ser baseada na água, ensina Sagan. De fato, a sonda identificou vastas extensões de água, líquida, em vapor ou congelada, sem grande margem de erro. Até o tamanho dos grãos de neve na Antártida (50 a 200 milésimos de milímetro) foi possível avaliar, assim como a temperatura do gelo (-30°C).

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O instrumento capaz disso, embora não seja uma câmara, também decompõe a luz e registra a intensidade dos diversos tipos de radiação. Chamado espectrômetro, reconhece facilmente a neve e o gelo – pois refletem 70% ou mais da luz que incide sobre eles, contra uns 15% ou 20% no caso de rochas e solos. Logo ao lado do continente antártico, no entanto, o espectrômetro encontrou um “terreno” bem diferente, que refletia apenas 4% de luz e cuja temperatura se elevava à medida que se investigavam regiões mais distantes do pólo. Esses dados, diz Sagan, têm valor comparável ao que se poderia esperar de uma grande superfície líquida. Ou seja, o mar.


Estações de rádio são o único indício de civilização

Vieram então os únicos indícios da civilização, vistos pela Galileu um pouco antes do ponto de maior proximidade com a Terra (que se deu em 8 de ” dezembro de 1990). O instrumento que captou os sinais tem o nome pouco familiar de espectrômetro de onda de plasma, mas o que fez, nesse caso pelo menos, foi simplesmente ouvir as estações de rádio do planeta. Estas alardeiam a presença do ser humano ao Universo desde o início das transmissões comerciais, em 1920. Como se espalham à velocidade da luz à volta da Terra, formam uma esfera crescente, cuja superfície já se encontra a 73 anos-luz de distância (1 ano-luz mede 9,5 trilhões de quilômetros).

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A Galileu mostrou que é fácil distinguir as emissões artificiais das emissões naturais de rádio. Um motivo é que as primeiras são mais bem comportadas: são feitas em faixas estreitas de freqüência, justamente para que se possam sintonizar as diferentes estações. Caso contrário, os receptores pegariam todas, ou muitas ao mesmo tempo, e, é claro, não se ouviria nenhuma com clareza. Já os gases da alta atmosfera, eletrificados pelas radiações e partículas do Sol, emitem ondas de rádio em larga faixa de freqüências – da mesma forma que o Sol emite luz visível em várias freqüências visíveis, ou cores, que se misturam para dar a cor branca.

A Galileu captou inúmeras faixas estreitas, com jeito de emissoras “civilizadas”, todas na faixa de 4 a 5 megahertz, e também colecionou evidências indiretas de que as emissões partiam do solo, e não da alta atmosfera. Mensagens de rádio, portanto, são um meio adequado de se tentar achar vida em outros planetas, assim como servem, inversamente, para alertar outras civilizações, supostamente existentes, de que há seres inteligentes na Terra. E não são mensagens de curto alcance: como se vê pela distância já alcançada pela “bolha” de rádio criada pela Terra, elas têm alcance interestelar.

Há cem anos, a civilização passaria despercebida

Mesmo assim, há um detalhe-chave para o qual Sagan chama a atenção: uma nave alienígena que procurasse sinais de rádio na Terra há apenas 100 anos não descobriria a civilização por meio deles. Em contraste, todas as outras possibilidades de vida apontadas pela Galileu poderiam ser descobertas a qualquer momento dos últimos 2 bilhões de anos. Ou seja, um eventual caçador de extraterrestres poderia deixar de encontrar seres inteligentes por não ter a sorte de estar procurando-os na hora certa. Isso não é novidade, mas o mérito da Galileu foi dar precisão a inúmeras idéias correntes, mas vagas, sobre a vida no Universo.


Flávio Dieguez

Para saber mais

As eras de Gaia, James Lovelock, Editora Campus, Rio de Janeiro, 1991

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