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Onde estão as mulheres da SUPER?

Apenas 1 em cada 4 entrevistados da SUPER é mulher. Isso não tem a ver com competência (e nem com machismo). O que explica o sucesso dos homens na ciência pode ser muito simples: a cara de pau

Por Karin Hueck
Atualizado em 5 mar 2024, 16h35 - Publicado em 11 nov 2010, 22h00

Escondido no cromossomo Y de todos os mamíferos está o SRY, um pequeno, mas determinante gene. Em humanos, o SRY não dá sinal de vida pelas primeiras 6 semanas de gestação. Só então ele começa a modificar o minúsculo corpo do feto. O gene transforma os genitais do embrião, que até então eram unissex, em primitivos testículos. Esses testículos, por sua vez, começam a produzir testosterona, que desenvolve o corpo, o cérebro e (por que não?) a personalidade que aquele pequeno bebê terá quando adulto. Graças ao gene SRY, aquele amontoado de células se transforma em um homem. É ele que diferencia o corpo masculino do feminino. E, no fim das contas, é ele o responsável por traçar caminhos tão distintos para os dois gêneros. Sim, porque, apesar da almejada igualdade entre os sexos, homens e mulheres ainda ocupam lugares bem diferentes na sociedade. Mulheres já são pouco mais da metade da força de trabalho americana, mas apenas 3% das CEOs. Os salários femininos só são maiores quando elas trabalham em cargos tradicionalmente “de mulher”, como manicures, professoras de jardim de infância ou garçonetes – e ainda assim, ganham bem pouco a mais. E aqui na SUPER somos 5 mulheres – metade da redação – fazendo a revista todos os meses. Mas, por algum motivo estranho, 77% dos nossos entrevistados são homens.

Primeiro, é bom dizer que isso não é só obra do nosso preconceito. A maioria dos grandes especialistas da ciência é homem. (Aqui na SUPER as mulheres entrevistadas só vencem nas áreas de psicologia e nutrição.) Isso reflete uma tendência mundial. Apesar de a maior parte dos estudantes universitários ser mulher, é muito mais difícil encontrá-las em cargos qualificados dentro das universidades. Uma explicação para esse fenômeno é difícil de encontrar. Um reitor de Harvard, Lawrence Summers, até tentou esboçar um motivo, em 2005, ao dizer que mulheres têm aptidões inatas diferentes que as impediriam de chegar aos cargos mais altos da ciência. Tudo que ele conseguiu com essa declaração foi ser obrigado a renunciar ao cargo pouco tempo depois.

É inegável que existem diferenças cerebrais entre os gêneros – se há diferenças no corpo inteiro, por que não haveria no cérebro também? Diversos estudos já mostraram que homens têm, sim, maiores habilidades espaciais, e que mulheres são melhores em se comunicar e reconhecer emoções. Mas o que os estudos não dizem é que essas habilidades, assim como tantas outras, também podem ser aprendidas. Em uma pesquisa conduzida por uma engenheira da Michigan Technological University, concluiu-se que um curso de 10 semanas de noções espaciais melhorava em 157% a capacidade das mulheres de resolverem problemas desse tipo – equiparando-as aos homens. Ou seja, pode haver uma desvantagem inicial, mas isso não explica diferenças permanentes. O que explica o sumiço das cientistas no topo das carreiras pode ser muito mais uma questão de comportamento do que de conhecimento.

Quem não arrisca…
Linda Babcock é uma professora de economia na Universidade Carnegie Mellon, em Pittsburgh, nos EUA. Um dia, ela reparou que todos seus doutorandos do sexo masculino estavam indo bem na carreira acadêmica e lecionando. Já as mulheres que estavam concluindo o doutorado mal passavam de professoras-assistentes. Intrigada, ela conversou com o responsável pelo curso para saber o motivo de tanta discriminação. A resposta do conselheiro foi simples: “Os alunos vieram me pedir para dar aulas, com um projeto de curso concreto. Nenhuma das mulheres veio falar comigo.” Alertada, Linda resolveu estudar o assunto para entender se isso era um comportamento comum. E a conclusão foi reveladora. As mulheres sofrem de uma crônica falta de cara de pau na hora de pedir novas oportunidades, lançar projetos ou mesmo negociar o salário.

Primeiro, ela avaliou os salários iniciais de centenas de homens e mulheres que haviam recém-saído da faculdade. Em média, eles recebiam 7,6% a mais. A maior diferença, no entanto, estava na maneira como foram contratados: 57% dos homens tinham negociado a quantia que receberiam (contra apenas 7% das mulheres). Ou seja, tinham tido a cara de pau de pedir mais dinheiro antes mesmo de começar a trabalhar. Em outro estudo, Linda e psicólogos pediram que voluntários participassem de um jogo de palavras em troca de dinheiro. O jogo era chato e cansativo. No fim da rodada, os pesquisadores ofereciam US$ 3 pela participação. Se os voluntários pedissem mais dinheiro, levariam US$ 10 para casa. Assustadoramente, 9 vezes mais homens pediam o dinheiro extra, enquanto que a maioria das mulheres se contentava com os US$ 3. “Todos estavam reclamando do experimento. Mas os homens resolveram compensar as reclamações pedindo mais dinheiro”, diz Linda Babcock. Sim, pelo jeito, o mundo ainda é dos espertos. E, no nosso mundo, os espertinhos são os homens.

A situação fica ainda mais injusta quando observamos outros estudos comportamentais. Nem mesmo quando as mulheres dependem da cara de pau alheia, elas se dão bem. Uma pesquisa que analisou mais de 300 cartas de recomendação escritas para indicar cientistas para altos cargos acadêmicos mostrou que há muitas diferenças na maneira como homens e mulheres são recomendados para empregos. Nas cartas sobre os homens, os tutores detalhavam conquistas profissionais e pesquisas publicadas. Já nas cartas sobre as mulheres, comentários sobre a vida pessoal e adjetivos como “sensível” ou “cuidadosa” eram muito mais frequentes. É o suficiente para colocar as mulheres em desvantagem. Quem racionalmente iria preferir um cientista “sensível” a um com atestada experiência profissional?

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Boa menina
O problema é que, quando uma mulher resolve vender seu peixe com muita ênfase, ela é recebida com estranhamento. Pesquisas mostram que, quando um homem fala de suas próprias conquistas e experiências, ele passa a ser visto pelos outros com mais respeito e admiração. Já mulheres que fazem o mesmo também são mais respeitadas – mas perdem a admiração alheia, deixando de ser gostadas. Ser cara de pau não é a atitude que se espera de uma “boa menina”. “Desde criança, a menina aprende que o lugar de mulher é o de menor destaque”, diz Jacqueline Leta, professora de bioquímica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que estuda as mulheres na ciência. E esse estereótipo é algo difícil de quebrar. Muitas das mulheres entrevistadas todos os meses pela SUPER (inclusive para esta reportagem) têm dificuldade em dizer como gostariam de ser creditadas na revista. “Coloca como quiser” é o que respondem, cheias de modéstia feminina.

Além dessa característica, há as dificuldades encontradas pelas mulheres em qualquer trabalho, como o desafio de conciliar a maternidade e as obrigações do lar. (Carol Greider, a americana que recebeu o Prêmio Nobel de Medicina ano passado, não estava trabalhando em seu laboratório quando ficou sabendo que seria condecorada. Estava em casa, dobrando roupa.) Mas a desvantagem das mulheres na ciência é, na verdade, um prejuízo para o país. Uma pesquisa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico com 162 países mostrou que, quanto mais igualitárias as relações entre os sexos, mais economicamente desenvolvido é o país. O segredo para alcançar essa igualdade talvez seja usar as características tipicamente femininas a favor das mulheres. Boa comunicação e facilidade de trabalhar com pessoas, por exemplo, são talentos geralmente atribuídos a elas – e cada vez mais valorizados no mercado. Falta agora desenvolver a cara de pau. Pode fazer bem a todas nós.

23% Menos de um quarto dos entrevistados pela SUPER é mulher.
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77% O resto, a maior parte, é homem.

 

No Nobel
Dá para contar nos dedos as mulheres premiadas nas ciências da natureza.
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16 mulheres
298 homens

Na academia brasileira de ciências
Quem representa a conhecimento também é homem.

52 mulheres titulares
390 homens

Na capa da super
Quando entrevistamos especialistas para as reportagens de capa, quase sempre falamos com homens.

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22% dos entrevistados são mulheres. A maior parte delas são psicólogas ou antropólogas.
78% dos entrevistados são homens. Eles são neurologistas, arqueólogos ou engenheiros.

Agradecimentos Veridicta IT, Natura, Kryolan, Shiseido, Impala, L’Oréal, Paris, Maybelline, Vult, Archy, Sheer, Extratos da Terra, Revlon, Artdeco, Racco, Bodyography e Avon.

Para saber mais
Women Don`t Ask
Linda Babcock, Bantam, 2007.

Why So Few?
iwl.rutgers.edu/Frontpage%20Updates/whysofew-1.pdf

 

 

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